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Políticos e acadêmicos aprovam cota financeira para negros nas eleições

Presidente do Tucanafro, o secretariado da militância negra do PSDB, Gabriela Cruz

Decisão de Lewandoswki determinou a aplicação da cota financeira para candidatos negros no pleito de novembro próximo

A decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, que determinou que a cota financeira para candidatos negros seja aplicada ainda nas eleições municipais de novembro, foi bem recebida por políticos e setores acadêmicos e partidários. Apesar de ter sido proferida em caráter liminar — foi dada em resposta a uma consulta feita pelo PSol e pelo instituto Educafro, e ainda será submetida à análise do plenário da Corte —, a determinação está sendo considerada um passo importante na promoção da igualdade e do equilíbrio na disputa eleitoral.

Segundo o reitor da Universidade Zumbi dos Palmares, José Vicente, “depois de 132 anos conseguimos dar um salto histórico; pequeno, mas significativo para a igualdade”. Para ele, a decisão do ministro obriga todos — de partidos à Justiça Eleitoral — a se reestruturarem para construir os mecanismos e os meios de implementar as medidas e cumprir as leis. Além disso, conforme salientou, demonstra que o Poder Legislativo, o Tribunal Superior de Justiça e o Supremo Tribunal Federal estão atentos e interessados nas correções das diferenças que ainda existem entre brasileiros negros e brancos.

“Me sinto contemplado por essa medida. Tenho convicção de que já nesta eleição deveremos ter alguns resultados e sucessos significativos, porque temos candidatos negros competitivos. Candidatos esses que sempre foram competitivos porque são pessoas importantes nas suas comunidades, nos seus bairros, mas que não podiam usufruir disso pois não tinham os recursos e os meios. Isso já trará mudanças e uma participação igualitária”, disse José Vicente ao Correio.

Mas, para o professor doutor, causou estranheza “o silêncio do sistema partidário e político grandes. Não vi presidente de partidos referendar essa medida, nem político grande assinar embaixo, nem a elite brasileira se manifestar e referenciá-la”.

Para o professor da Universidade Católica de Brasília (UCB) e cineasta Alex Vidigal, a decisão de Lewandowski mostra que “dentro do século XXI, temos cada vez mais esse espaço da negritude em vários estratos”. E acrescenta:

“Antes, era preponderante a presença nos esportes, mas, nas artes, era uma coisa à margem. Mas, quando falamos, hoje, em uma perspectiva de publicidade incluir negros, de novelas inserirem protagonismo negro, estamos trazendo um discurso de um estrato social diferente. A decisão do ministro é chave para se incluir, como foi incluído na televisão e nos espaços publicitários, um lugar para a negritude. Ter um representante negro faz com que pessoas vejam e se inspirem em também ocupar esses cargos. A política é um espaço fundamental, porque traz conquistas em leis de uma forma mais robusta e mais interessante socialmente”, observou ao Correio.

Poder de decisão

Presidente do Tucanafro, o secretariado da militância negra do PSDB, Gabriela Cruz diz ter recebido a notícia como uma grande vitória, e ressaltou a importância de que negros e negras ocupem espaços de poder e de decisão. “Nós estamos na base da pirâmide social, e enfrentamos dificuldades de sermos eleitos. Assim como as mulheres tiveram suas conquistas para financiamento de suas candidaturas, é inegável e indiscutível a importância de nós sermos contemplados também por um processo histórico. Vemos uma desigualdade muito grande no nosso país”, explicou. De acordo com Gabriela, as agremiações partidárias também têm dificuldade de olhar os candidatos negros com igualdade na distribuição de um fundo eleitoral para que se possa dar plenas condições de eleição a negros. “Esperamos que a decisão seja mantida”, afirmou.

Equidade nas urnas

Em agosto, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ao ser consultado pela deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ), havia decidido que as regras entrariam em vigor apenas nas eleições de 2022. No entanto, com a determinação de Lewandowski, os partidos deverão destinar, já para os pleitos municipais de novembro, a verba do fundo eleitoral de maneira proporcional à quantidade de candidatos negros e brancos. A mesma regra valerá para a distribuição do tempo de propaganda eleitoral gratuita na tevê e no rádio.

O senador Paulo Paim (PT-RS) ressaltou que a decisão é muito positiva, afirmando que é preciso colocar o negro na disputa eleitoral em um patamar de igualdade, com a mesma estrutura que o branco tem. “Não vejo por que alguns partidos estão preocupados com isso. Permitirá que haja mais igualdade na disputa pelos espaços na política”, explicou.

Ele ressaltou que não dá para esperar de um Congresso majoritariamente branco decidir questões relativas a negros, o que o leva a elogiar a decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O senador lembrou que quando propôs o estatuto da igualdade racial, que hoje é lei, incluiu cotas para negros nas universidades. “Tive que tirar, porque não ia passar nem na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça). Mas, aí, fui ao Supremo e conseguimos as cotas”, lembrou.

Já o senador Renan Calheiros (MDB-AL) destacou seu apoio à aplicação das regras para as eleições de novembro. “É justo que disputas eleitorais ocorram com oportunidades iguais para diferentes raças e gêneros”, escreveu, também numa rede social.Outro que exultou com a decisão foi o senador Fabiano Contarato (Rede-ES), segundo o qual “a decisão representa uma grande vitória em defesa de um país mais inclusivo, igualitário e sem preconceito”.

Na Câmara, a deputada Fernanda Melchionna (PSol-RS) comorou a decisão afirmando que foi “uma vitória do movimento negro por eleições antirracistas”. Eduardo Suplicy, ex-senador e vereador em São Paulo, também festejou: “Partidos terão que dividir de forma igual entre os candidatos brancos e negros o fundo partidário e o tempo de rádio e tevê”.

Sem prejuízo da organização partidária

O ministro Ricardo Lewandowski, na decisão proferida quinta-feira, argumentou que as convenções partidárias ainda estão ocorrendo — de 31 de agosto a 16 de setembro — e que a aplicação do incentivo neste ano não será prejudicial ao pleito. “Não causará nenhum prejuízo às agremiações políticas, sobretudo porque a propaganda eleitoral ainda não começou”, salientou.

Na ação, Lewandowski afirmou que a nova regra não precisa respeitar o princípio da anterioridade, que determina que novas leis eleitorais precisam ser aprovadas um ano antes das eleições para serem aplicadas. O ministro afirmou que a decisão do Tribunal Superior Eleitoral não promoveu nenhuma inovação nas normas eleitorais.

“Apenas introduziu um aperfeiçoamento nas regras relativas à propaganda, ao financiamento das campanhas e à prestação de contas”, observou.

O calendário eleitoral deste ano foi alterado em razão dos efeitos da pandemia de coronavírus. Pela Emenda Constitucional 107, promulgada em julho passado, após a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 18/20, o primeiro turno será em 15 de novembro, e o segundo, em 29 de novembro. (ST, FG, NB e EHP)

Com informações do Correio Braziliense