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Mais mulheres, cada vez mais, fazem ciência no Brasil

Na semana passada, o esforço para rapidamente sequenciar o genoma do coronavírus identificado em um brasileiro foi liderado por um grupo de pesquisa composto em sua maioria por mulheres – fato que acabou chamando tanta ou mais atenção que o feito científico em si. Mulheres que se destacam na ciência, porém, estão longe de ser uma raridade no País, apesar de ainda reinarem algumas desigualdades.

A proporção entre homens e mulheres que publicam pesquisas no Brasil vem crescendo e está cada vez mais próxima, como revelou o recém-publicado relatório A Jornada do Pesquisador pela Lente de Gênero, da editora científica Elsevier. O levantamento aponta uma proporção de 0,79 mulher para cada homem que publica artigos no Brasil. Em porcentagem: 44,25% são mulheres e 55,75%, homens. O estudo foi antecipado pela Revista Pesquisa Fapesp.

A pesquisa considerou a paridade de gênero entre cientistas de 15 países – além da União Europeia como bloco – a partir de publicações em periódicos da base Scopus em dois períodos: entre 2014 e 2018 e entre 1999 e 2003.

Ao longo desses 20 anos, houve um avanço da participação feminina em todo o mundo. Passou de 29% para 38% o número de mulheres entre os autores de pesquisas científicas. No Brasil, no início do século, 35,3% dos autores eram mulheres.

Atualmente, em termos de paridade, o País só perde para Portugal (48,32%), e para a Argentina, única nação que tem mais mulheres cientistas assinando artigos que homens: 51%. Mas fica à frente de países como Estados Unidos (33,62%), Alemanha (32,02%) e França (38,91%). A pior proporção foi registrada no Japão, com apenas 15,22% de mulheres entre os autores de pesquisas.

Mas se na autoria da pesquisa, o mundo como um todo está mais próximo da paridade de gênero do que há uma década, com o tempo, a proporção de mulheres para homens como autores diminui. Isso contribui para que os homens publiquem mais, tenham maior impacto e exposição ao avanço da carreira internacional.

No Brasil, no período de 2014 a 2018, cada homem publicou, em média, 4,27 artigos, ante 3,11 por mulher. Mas essa diferença, aparentemente, teve pouco impacto no nível de citação dos autores por outros pesquisadores, que foi similar para os dois gêneros.

CARGOS DE CHEFIA

“Em geral a presença feminina melhorou como um todo na educação no País. No ensino médio, elas completam mais os estudos que os meninos. Uma análise feita pela OCDE com pessoas entre 18 e 30 anos mostrou que enquanto 30% delas não havia terminado o ensino médio, entre os homens era mais de 40%”, comenta a bioquímica Helena Nader, de 72 anos.

Ex-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e atual vice-presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Helena afirma que há avanços claros, mas pondera que ainda são poucas as pesquisadoras do Brasil que chegam a cargos elevados na academia.

“O cenário está melhorando, hoje as mulheres são maioria entre os ingressantes do ensino superior e elas também se formam mais que os rapazes. Na pós, como um todo, também, mas entre os bolsistas de produtividades do CNPq os homens ainda são maioria”, aponta.

Essas bolsas do CNPq, principal órgão de fomento à ciência do País, têm os valores mais altos e aumentam à medida que cresce a produção do pesquisador. Levantamento feito pela ONG Gênero e Número sobre a base do CNPq em 2015 observou que apenas 5% dos bolsistas 1A<, o nível mais elevado do órgão, eram mulheres – uma situação que foi apelidada de “teto de vidro” na ciência.

A fim de dar visibilidade ao trabalho das mulheres que fazem ciência no Brasil, a Gênero e Número lançou recentemente a plataforma Open Box da Ciência, que selecionou 250 pesquisadoras do Brasil que mais se destacam nas suas áreas (leia mais abaixo). “Na ABC, em uma ação afirmativa, ficou em quase meio a meio os ingressantes deste ano. Mas nas agências de fomento, quantas mulheres foram presidentes? Nenhuma na Finep, no CNPq, na Fapesp”, enumera.

Na Capes, dos 49 coordenadores de áreas, somente 14 são mulheres. Uma delas é Cristina Parada, de 56 anos, que coordena a área de Enfermagem. Pesquisadora e chefe do Departamento de Enfermagem da Faculdade de Medicina da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Botucatu, ela diz que sente menos a disparidade de gênero justamente por estar na área com a maior presença feminina.

Mas diz que na produção científica em geral ainda há o problema. “Trabalhamos muito, com competência, mas ainda somos menos conhecidas e reconhecidas”, afirma. Na sua experiência profissional, diz que sempre buscou adotar uma postura em que demandou ser tratada em pé de igualdade. Mas sabe que não é assim para todas, em especial em relação à maternidade.

Trabalhamos muito, com competência, mas ainda somos menos conhecidas e reconhecidas”

Uma das questões que faz as mulheres serem preteridas em bolsas de produtividade é porque o tempo considerado para medir a produção corre igual para os dois gêneros. Então mulheres que se ausentaram na gravidez ou na licença maternidade acabam ficando com indicadores mais baixos – um critérios que as mulheres tentam mudar.

“Eu busco ter esse cuidado com quem trabalha conosco, com nossas alunas, porque a maternidade é tão importante, tão única e cada vez mais rara. A maioria vai passar por isso uma, no máximo duas vezes na ida. E a gente tem de alguma maneira proteger alunas, colegas de trabalho. Fazer crítica é absolutamente incabível”, ressalta.

“Acho que o que a mulher brasileira conseguiu em tão pouco tempo, não ocorreu em nenhum outro lugar. Não podíamos ir à escola, votar. A mulher percebeu que consegue ter família, cuidar dos filhos, fazer ciência. Agora já temos mais mulheres como reitoras, apesar de ainda serem minoria. Está aumentando”, diz Helena.

Além dela, a SBPC teve somente duas outras presidentes mulheres: a pioneira Carolina Bori e Glaci Zancan. Na ABC, Helena é a segunda mulher a ocupar uma vice-presidência. Mas ela afirma que está preocupada que haja um retrocesso.

“A ciência está sob ataque. O país está retrocedendo, com machismo, com piada de mulher. E me preocupa que isso venha de representantes do governo. Está voltando a velha ideia de que a responsabilidade dos filhos, da casa, é da mulher. E que se mantenham os recursos na ciência, ou não vamos ter nem mulher nem homem na ciência.”

O país está retrocedendo, com machismo, com piada de mulher. E me preocupa que isso venha de representantes do governo. Está voltando a velha ideia de que a responsabilidade dos filhos, da casa, é da mulher.”

MAIS NAS BIOLÓGICAS, MENOS NAS EXATAS

A distribuição mais equânime observada no estudo de gênero por autores, porém, não se mantém em todas as áreas do conhecimento. As cientistas brasileiras ocupam posições melhores nas médicas e biológicas. Considerando os temas dos artigos publicados entre 2014 e 2018, a participação feminina era majoritária na autoria de estudos sobre diabetes e endocrinologia (1,44 mulher para cada homem); psicologia (1,65) e pediatria (1,81).

A área com mais mulheres, disparada no estudo, é enfermagem, com 2,7 mulheres para cada homem – uma hegemonia que se repete em todo o mundo e que, no caso do Brasil aumentou ao longo dos anos. No levantamento anterior, apesar de elas já serem maioria, a relação era menor: 1,6 para 1.

Chamam atenção os saltos observados em algumas áreas. Em fertilidade e nascimento, por exemplo, elas deixaram de ser minoria no período de 1999 a 2003 (0,8 mulher para cada homem) para se tornarem maioria no período de 2014 a 2018 (1,53 para 1). Isso também ocorreu em clínica médica geral (de 0,77 para 1,32) e em neurociência (de 0,85 para 1,20).

Elas são maioria também, mas já em mais pé de igualdade com homens, em estudos de bioquímica, câncer, biologia molecular e celular, odontologia, medicina, farmacologia e saúde pública.

Nas exatas, porém, elas ainda estão sub-representadas. Apenas 0,25 para 1 tanto na ciência da computação quanto em matemática – em taxas que praticamente não mudaram desde o período anterior. Nas engenharias e na área de energia, elas são apenas 0,3 para cada homem.

Mas em todas as outras áreas houve alguma melhora. Em ciências planetárias, por exemplo, a proporção subiu de 0,26 para 0,46 para cada homem. Em economia, foi de 0,1 para 0,4. Em ciências agrícolas, de 0,56 para 0,82.

*Com informação do jornal O Estado de São Paulo