Vivemos na era da pandemia, uma crise sanitária sem precedentes que tomou os holofotes globais com seus desdobramentos sociais e econômicos catastróficos. Mas o que muita gente não sabe é que milhões de mulheres no mundo são vítimas de outro grande problema de saúde pública que passa despercebido: a pobreza menstrual.
Fruto da desigualdade social, a pobreza menstrual vai desde não ter acesso aos produtos higiênicos necessários ao período, como absorventes, até a falta de água ou saneamento básico. No Brasil, por exemplo, uma pesquisa de 2018 da marca de absorventes Sempre Livre revelou que 22% das meninas de 12 a 14 anos de idade não têm acesso a produtos higiênicos adequados durante o período menstrual. Entre as adolescentes de 15 a 17 anos, a porcentagem sobe para 26%.
Entre as principais causas, está a questão financeira: menstruar custa caro. Um pacote de absorventes descartáveis custa em média R$ 12. Dependendo do fluxo menstrual, mais de um pacote pode ser necessário. Segundo estimativas da ONG Girl UP, movimento em prol dos direitos da mulher, as brasileiras gastam entre R$ 3 mil e R$ 9 mil com absorventes ao longo da vida. Ou seja, é um gasto que mulheres em situação de vulnerabilidade social não têm condições de fazer.
Por conta disso, muitas recorrem a meios inadequados, como pedaços de pano, papelão, papel higiênico, jornal e até miolo de pão para tentar conter o sangue, o que pode gerar riscos à saúde.
Há de se lembrar ainda que, apesar de ser algo extremamente natural para as mulheres, a menstruação ainda é tratada como tabu. De acordo com o levantamento da Sempre Livre, 54% das mulheres entre 14 e 24 anos nada sabiam ou tinha poucas informações sobre no momento de sua primeira menstruação. Foi o que aconteceu com Patrícia Monteiro da Silva, 42 anos, filiada ao PSDB no Distrito Federal.
“Quando minha menstruação desceu pela primeira vez eu morava na fazenda, e não tinha a menor ideia do que estava acontecendo”, contou, em entrevista ao PSDB-Mulher.
“Eu ouvia as mulheres mais velhas conversarem sobre um tal de ‘Chico’, sorriam e falavam que um dia ia chegar a minha vez. Como elas tocavam no assunto como piada, e eu tinha vergonha porque não entendia do que elas estavam falando, eu tratava de sair de perto”, revelou.
A falta de informação e o tabu ao redor da menstruação levaram a tucana a esconder da família que havia menstruado. Ela passava pelas dores das cólicas às escondidas. Como não tinha acesso a absorventes, teve que improvisar.
“Tratei de arrumar uns ‘paninhos’ que eram lavados e cuidadosamente estendidos em esconderijos no canavial ou moitas para secar, pois eu não tinha opção de usar e jogar fora, porque era difícil conseguir outros bons. Claro que muita gente que estiver lendo um relato desses vai embrulhar o estômago. A nossa cultura é de que o sangue da menstruação é algo sujo e impuro. Mesmo assim, eu estava em situação privilegiada de ter um ou outro pano à disposição”, reconheceu Patrícia.
“No caso da minha mãe, quando passou por essa fase, ela tinha um único vestido feito de saco de algodão cru. No período menstrual, ela acordava antes de todos da casa e corria para o rio para se lavar, e ficava por lá quase todo o dia porque tinha que lavar o vestido de pano grosso que não secava com facilidade. Claro que eu soube dessa história apenas depois de grande”, relatou.
Precisamos falar sobre menstruação
Para Patrícia, o primeiro passo para se combater a pobreza menstrual no Brasil é deixar de tratar a menstruação como um tabu.
“A menstruação é o principal sinal de que nós mulheres estamos aptas a gerar vidas. Para nós, que vivemos na capital do Brasil ou nas cidades, é impensável imaginar que uma menina do interior ou até mesmo das cidades menos privilegiadas não tenham conhecimento sobre menstruação e suas implicações”, considerou.
A tucana destacou que discutir sobre a pobreza menstrual é inserir as mulheres em um contexto de pessoas conscientes do seu papel na sociedade.
“Enfrentar essa questão é causar uma ruptura do silêncio sobre um assunto que é natural a qualquer ser humano do sexo feminino, mas é tratado como algo proibido”, considerou.
“É uma forma de as meninas conhecerem o próprio corpo e terem consciência do que está acontecendo, e quais medidas devem ser tomadas para passar pelo período menstrual sem tantos solavancos. Conversar sobre menstruação é também uma forma de liberdade”, pontuou.
Políticas públicas para mulheres
O caminho para acabar com a pobreza menstrual no Brasil também passa por mais políticas públicas pensadas por mulheres e direcionadas a elas. Na opinião de Patrícia, o investimento em campanhas de conscientização sobre a menstruação ou até mesmo a distribuição de absorventes para as mulheres mais vulneráveis, por exemplo, não seriam tratados por um homem da mesma forma que é por uma mulher.
“Imagino que a visão do homem seria de que o recurso para aquisição de absorventes seria um gasto desnecessário. No caso da percepção das mulheres em relação ao mesmo recurso, seria tratado como um investimento na saúde e na liberdade da mulher”, ponderou.
“Se o SUS já distribui camisinhas, anticoncepcionais e outros métodos contraceptivos, vejo a inclusão dos absorventes como algo indissociável desse kit, por ser parte da saúde e bem-estar da mulher”, exemplificou ela.
Provando o ponto apresentado por Patrícia, são as parlamentares as principais proponentes de políticas que visam remediar o problema da pobreza menstrual no país. Entre as tucanas, diversos projetos já foram apresentados.
Tucanas à frente
A deputada federal Geovania de Sá (PSDB-SC) é autora do projeto de Lei nº 1.664/2021, que dispõe sobre a concessão de incentivos financeiros para que sejam distribuídos absorventes higiênicos gratuitamente a mulheres inscritas no Cadastro Único.
“O PL vai atender às necessidades básicas das cidadãs carentes para protegê-las de futuros problemas de saúde”, declarou a tucana, em suas redes sociais.
“A pobreza menstrual deve ser combatida. É uma questão humanitária, de saúde pública. Atender às necessidades básicas das mulheres carentes é nossa obrigação”, acrescentou Geovania.
Já a deputada estadual Cibele Moura (PSDB-AL) protocolou uma proposta que institui em Alagoas o programa “Liberdade para menstruar”, com o objetivo de conscientizar a população sobre a menstruação e o acesso a produtos higiênicos.
A parlamentar apontou que um dos maiores entraves para a universalização do acesso aos absorventes são os altos impostos praticados.
“Mais de 33% do que é pago em absorvente corresponde a imposto no nosso país. Um produto utilizado por todas as mulheres, todos os meses, que é essencial”, justificou.
O seu projeto visa classificar os absorventes, hoje vistos como itens de beleza supérfluos, como itens essenciais de higiene, compondo obrigatoriamente a cesta básica no estado.
Outra iniciativa de destaque é o PL 21/2021 da vereadora Juliana Pavan (PSDB-SC), de Balneário Camboriú, que institui o Projeto Borboleta de Menarca como um programa de prevenção a doenças e promoção da saúde de mulheres e meninas a partir dos nove anos de idade na Rede Municipal de ensino.
Além de promover campanhas educativas, a proposta também prevê a distribuição de kits de higiene menstrual de forma gratuita dentro das escolas e postos de saúde.
“O poder público precisa dar essa assistência, essa atenção para meninas e mulheres”, completou a tucana.