Opinião

“Comemorar e conscientizar”, por Solange Jurema

Foto:Arquivo da Fundação Konrad Adenauer
Foto:Arquivo da Fundação Konrad Adenauer

Foto:Arquivo da Fundação Konrad Adenauer

A cada 8 de março o mundo inteiro dedica a data para comemorar o Dia Internacional da Mulher, formalizada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1975. O intuito é que toda a humanidade reflita sobre a condição feminina nos diferentes povos, nos países, nas crenças e na realidade política, econômica, cultural e social em que vivem 3,5 bilhões de mulheres, quase a metade da população mundial.

E se a cada ano assistimos aos pequenos avanços, infelizmente, constatamos a manutenção de muitos atrasos, como atestam relatórios mundiais da ONU, divulgados no começo do ano. Segundo dados do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), não há nenhum país em que as mulheres são iguais aos homens no poder político ou econômico. Reitero: nenhum.

A situação piora nas comunidades mais carentes, onde a morte materna, o casamento precoce e arbitrário e o status da mu- lher na sociedade têm indicadores bem distintos das economias avançadas. Ainda segundo a ONU e o UNFPA, uma em cada três mulheres já sofreu algum abuso físico ou sexual e uma em cada três meninas em países subdesenvolvidos é obrigada a se casar antes de completar 18 anos.

No Brasil, o quadro não é distinto. Aqui, a cada duas horas, uma mulher é morta de maneira violenta. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) estima que no período 2001/2011 ocorreram mais de 50 mil feminicídios — cerca de 5 mil mortes por ano. Com 4,6 assassinatos por 100 mil mulheres, o Brasil ocupa a sétima posição mundial de assassinatos de mulheres, segundo o Mapa da Violência 2012 (Cebela/Flacso), entre 84 nações. Uma vergonha para o nosso país.

O Mapa da Violência nos fornece outro dado estarrecedor da realidade da condição feminina: em 42,5% dos casos, o agressor é o parceiro ou o ex-parceiro da mulher. E na faixa entre os 20 e os 49 anos, esse percentual salta para 65%. O terror vivido pela mulher brasileira apresenta agravante ainda mais perverso: em 71,8% dos atendimentos registrados, a violência aconteceu na residência da vítima, e 41% das mortes femininas foram dentro de casa, a maioria delas na presença de familiares. Então, alguém pode se perguntar: o que as mulheres podem comemorar?

A própria ONU tem dados que nos estimulam a comemorar e a continuar o trabalho de conscientização da condição feminina no mundo e no Brasil. Nos 20 últimos anos, a mortalidade materna foi reduzida à metade. Episódios como o da atriz Patricia Arquette, na entrega do Oscar deste ano, em que pediu igualdade salarial para as norte-americanas, estimulam e reforçam a ideia de que devemos aproveitar todas as oportunidades, todos os momentos, para lutar contra as mais variadas discriminações que a mulher sofre em todos os quadrantes do mundo.

No Brasil, também temos o que comemorar. No decorrer da semana passada, a Câmara dos Deputados aprovou projeto de lei que aumenta a pena para quem matar mulheres por razões de gênero, tipificado como feminicídio e com penas mais severas, além de torná-lo hediondo. O texto também prevê pena maior (de 12 a 30 anos) para mortes decorrentes de violência doméstica e para os casos em que a mulher é assassinada estando grávida, menor de 14 ou maior de 60 anos.

O projeto — resultado do trabalho da CP- MI que apurou a violência contra a mulher no Brasil — foi encaminhado para a Presidência da República para ser sancionado e mudar a legislação penal brasileira para atender melhor a condição feminina. A criação dessa tipificação penal atende aos novos padrões de proteção dos direitos da pessoa humana, como consagrados pela jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Caso Campo Algodonero, sobre o feminicídio de centenas de mulheres em Ciudad Juarez, México) e tratados internacionais de direitos humanos (Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher — Convenção de Belém do Pará, 1994).

Outra boa notícia veio do Ipea, sobre a efetividade da Lei Maria da Penha. Estudo da instituição indica que a lei fez diminuir em cerca de 10% a taxa de homicídio contra as mulheres dentro das residências. Um avanço relevante e importante. Portanto, há sim o que comemorar no 8 de março. Afinal, e nunca é repetitivo lembrar, as brasileiras são a maioria da população e do eleitorado, respondem sozinhas por 40% dos lares brasileiros e existe um universo a ser conquista- do. Vamos, sim, comemorar a data com mais certeza e convicção de que somente a conscientização de todos levará à efetiva igualdade de direitos entre mulheres e homens.

*Publicado na edição desta quarta-feira (11) do jornal Correio Braziliense (DF)