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É a primeira vez na história que duas mulheres ganham, juntas, o Nobel de Química

Emmanuelle Charpentier e Jennifer A. Doudna, vencedoras do Nobel de Química de 2020 — Foto: Montagem/G1

Nobel de Química 2020 vai para Emmanuelle Charpentier e Jennifer Doudna pelo desenvolvimento do Crispr, método de edição do genoma

Emmanuelle Charpentier e Jennifer A. Doudna ganharam o Prêmio Nobel 2020 em Química, anunciou a Academia Real de Ciências da Suécia nesta quarta-feira (7), pelo desenvolvimento do Crispr, método de edição do genoma. É a primeira vez na história que duas mulheres ganham, juntas, o Nobel de Química.

– Emmanuelle Charpentier, francesa de 51 anos, é diretora do Instituto Max Planck de Biologia de Infecções em Berlim.

– Jennifer Doudna, americana de 56 anos, é professora da Universidade da Califórnia em Berkeley, nos Estados Unidos.

Charpentier falou com a imprensa logo após o anúncio do prêmio e respondeu a uma pergunta sobre ela e Doudna serem as primeiras mulheres a levarem, conjuntamente, o Nobel.

“Eu gostaria de passar uma mensagem positiva a meninas que gostariam de seguir o caminho da ciência. Acho que nós mostramos a elas que uma mulher pode ter impacto na ciência que elas estão fazendo. Espero que Jennifer Doudna e eu possamos passar uma mensagem forte às meninas”, declarou.

Emmanuelle Charpentier, uma das vencedoras do Nobel de Química de 2020, em coletiva de imprensa nesta quarta (7) em Berlim. — Foto: Tobias Schwarz/AFP

As vencedoras dividirão o valor de 10 milhões de coroas suecas (cerca de R$ 6,3 milhões).

Antes de Charpentier e Doudna, cinco mulheres já haviam ganhado o Nobel em Química: Marie Curie (1911), Irène Joliot-Curie (1935), Dorothy Crowfoot Hodgkin (1964), Ada E. Yonath (2009) e Frances H. Arnold (2018).

Para a geneticista brasileira Mayana Zatz, que usa o Crispr em seu laboratório – o Projeto Genoma da USP – a tecnologia descoberta por Charpentier e Doudna é “fantástica” (veja detalhes de como funciona mais abaixo nesta reportagem).

“É uma ferramenta absolutamente fantástica para estudar doenças genéticas, e que vai ter aplicação terapêutica num futuro muito próximo – já esta tendo, em doencas hematológicas e câncer”, afirma a cientista.

Com a vitória das duas cientistas, o Prêmio Nobel já tem três laureadas mulheres neste ano. A primeira foi Andrea Ghez, premiada em física com outros dois cientistas por sua pesquisa sobre buracos negros.

“Está na hora de as mulheres começarem a ganhar”, afirma Zatz. “Essa nova geração de mulheres que tiveram a possibilidade de fazer pesquisa nas mesmas condições que os homens vão mostrar para que vieram. Vão mostrar que têm capacidade de fazer pesquisas revolucionárias”, diz.

Emmanuelle Charpentier e Jennifer A. Doudna são as ganhadoras do Prêmio Nobel 2020 em Química, anunciou a Academia Real de Ciências da Suécia nesta quarta-feira (7), pelo desenvolvimento do Crispr, método de edição do genoma. — Foto: Nobel

Para a física Márcia Barbosa, diretora da Academia Brasileira de Ciências e professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a descoberta das cientistas é “muito bonita”, e a premiação simboliza uma vitória para as mulheres.

“Elas fizeram uma descoberta muito bonita, que é um processo que consegue fazer edição genética. Muita gente diz que isso não é química, [que] é biologia, mas, no fundo, esse é um processo químico que é uma ferramenta muito interessante não só para a gente entender o comportamento dos nossos genes, mas também como um instrumento de melhoria da vida das pessoas”, avalia.

“O Nobel envia convites para as instituições e algumas pessoas que eles selecionam, no mundo, para indicarem para o prêmio. E essas pessoas indicam o que vem à mente. E o que vinha sempre eram nomes de homens. Estamos vendo que, finalmente, as pessoas começam a pensar ‘mas, olhe, tem aquela cientista maravilhosa’. E, com isso, os nomes aparecem. E, com o aparecimento de nomes de mulheres, nós estamos vendo acontecer o que tinha que acontecer – que é ter uma representação mais diversa no Nobel”, diz Barbosa.

Emmanuelle Charpentier e Jennifer A. Doudna, vencedoras do Nobel de Química de 2020, em foto de 2015 em uma premiação na Espanha, — Foto: Miguel Riopa / AFP

“Esperamos que isso continue acontecendo e que também tenhamos, daqui a pouco, uma apresentação mais diversa na questão racial. Mas tudo isso é uma construção que precisamos fazer no nosso cotidiano. Ontem [com a vitória de Andrea Ghez] e hoje, para mim, como feminista, é um dia de grande satisfação, porque significa que a nossa luta conseguiu avançar um pouquinho”, afirma a diretora da Academia Brasileira de Ciências.

O que é o Crispr?

O Crispr/Cas9 é uma espécie de “tesoura genética”, que permite à ciência mudar parte do código genético de uma célula. Com essa “tesoura”, é possível, por exemplo, “cortar” uma parte específica do DNA, fazendo com que a célula produza ou não determinadas proteínas.

A pesquisa com a descoberta da ferramenta foi publicada na revista científica “Science”, uma das mais importantes do mundo, em junho de 2012.

Usando o Crispr, cientistas podem alterar o DNA de animais, plantas e microrganismos com extrema precisão. A tecnologia “teve um impacto revolucionário nas ciências da vida”, segundo o comitê do Prêmio Nobel, e está contribuindo para novas terapias contra o câncer. A ferramenta também pode tornar realidade o sonho de curar doenças hereditárias (veja infográfico).

Disputa pela patente

A descoberta do Crispr é motivo de uma disputa de patentes nos Estados Unidos entre Charpentier e Doudna e um terceiro cientista, Feng Zhang, do Instituto Broad, filiado a Harvard e ao MIT.

Zhang só publicou evidências de que a ferramenta poderia editar o genoma meses depois das cientistas, mas a pesquisa dele mostrava que a técnica podia ser usada em células eucarióticas – as de plantas, animais e de seres humanos –, o que não aparecia no trabalho de Doudna e Charpentier.

Em seu trabalho, publicado antes, elas mostravam que o Crispr podia editar o genoma de células procarióticas, como as de bactérias.

Todos os três cientistas pediram patentes sobre a descoberta – Doudna e Charpentier o fizeram antes, solicitando os direitos sobre o uso geral da tecnologia. Mas o pedido de Zhang, limitado ao uso em células eucarióticas, foi aprovado mais rápido, em 2017.

No último dia 10 de setembro, o Conselho de Julgamento de Patentes e Apelação dos Estados Unidos (PTAB, na sigla em inglês) determinou que o grupo liderado pelo Instituto Broad tem “prioridade” nas patentes já concedidas a ele para usar o sistema original do Crispr em células eucarióticas.

Mas a decisão também deu ao grupo de Doudna e Charpentier uma vantagem na invenção de um componente crítico do Crispr – a molécula que guia a “tesoura” para uma parte específica do DNA. A molécula desenvolvida por elas é a que é usada hoje. Mas a briga legal pelos direitos sobre o Crispr ainda não acabou.

Nesta quarta (7), o comitê do Nobel foi questionado se mais algum nome havia sido considerado para receber o prêmio. Em resposta, o presidente do comitê, Claes Gustafsson, disse que “essa é uma pergunta que nós nunca respondemos”. As informações sobre os candidatos ao prêmio são mantidas em segredo por 50 anos.

Reportagem Lara Pinheiro
Com informações do G1