Opinião

“Violência à Brasileira”, por Edna Martins

Era 1988 e Araraquara ocupou as manchetes dos principais meios de comunicação do país. Um dos títulos, “Violência à Brasileira”. Revista Veja, Isto é, jornais de grande circulação.

O acontecimento foi o assassinato da estudante Lúcia Elaine, de 14 anos.

Já se passaram 32 anos, eu tinha 19 anos, estudante, desenvolvia um trabalho sobre violência. Registrei tudo. Fiquei com aquela dor no estômago, com um mal-estar que só aumentava. Queria compreender que mecanismos psicológicos podem sustentar tamanha violência. Acompanhei até o desenrolar dos fatos.

Logo em seguida, movidas pela percepção de que a violência contra as mulheres não se resumia aos casos e manchetes espetaculares, mas se envolviam no cotidiano de milhares de mulheres, fundamos o Cedro Mulher.

O projeto era mais amplo que o combate à Violência. O Cedro deveria se constituir num Centro de Defesa dos Direitos da Mulher.

Foi quando que abrimos as portas com uma modesta plaquinha escrita ‘Cedro Mulher’, a denúncia contra a violência foi como um estouro de boiada. O combate se impôs como nossa principal agenda.

Fizemos um longo trabalho, seja de atendimento, defesa de políticas públicas, projetos de orientação às mulheres, manifestações.

Nossa luta foi árdua, contra pensamentos atrasados, dificuldades de toda ordem. Eu pensava: o futuro será diferente! Não considerava a possibilidade de retrocesso, mas apenas de avanço para uma causa tão justa, viver sem violência!

Estamos em 2020, nosso presente não se parece com o futuro que sonhávamos há 32 anos. Ao contrário, se parece com o passado que pensávamos ter enterrado na vala dos absurdos históricos.

O Brasil é o quinto maior país do mundo em taxa de feminicídio, segundo o Mapa da Violência.

A Folha de São Paulo, do dia 22 de fevereiro de 2020, estampou “espancamento, estrangulamento, uso de machado, pedra, pau, martelo, foice, canivete, marreta, tesoura, facão, enxada, barra de ferro, garfo, chave de fenda, bastão de beisebol, armas de fogo, mas, em especial, facas”, são as armas usadas para matar mulheres. Ainda pergunto: que mecanismos sustentam tamanha violência?

O mesmo jornal mostra que “em 2019 a estatística do feminicídio trilhou a contramão dos demais crimes violentos e cresceu 7,2% no país, com expansão expressiva em alguns estados.”

Algo não vai bem no combate à violência contra as mulheres! Sabemos que o mecanismo que sustenta a violência é o machismo. Delegacias, legislação, casas abrigo, campanhas. Tudo muito importante para dar suporte às mulheres.

A mentalidade faz com que alguns homens acreditem que podem matar as mulheres. E infelizmente, sobre isso, vamos mal. Nos últimos tempos vemos autoridades se manifestarem sem o menor pudor seu comportamento e pensamento machista e, se as autoridades podem…

Convido-os, juntamente com as instituições, os meios de comunicação e toda sociedade para enfrentarmos essa violência nefasta. Ela afeta a vida de qualquer mulher, independentemente de raça, cor, etnia, idade ou classe social, especialmente as meninas que, no nosso presente estão ficando sem perspectivas de futuro.

* Edna Martins é cientista social e presidente do Secretariado de Mulheres do PSDB São Paulo.