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Sub-representação na política e violência: conheça iniciativas que estão enfrentando desafios da pauta das mulheres

Crédito: GIFE - Pelo Impacto do Investimento Social

Na semana do Dia Internacional da Mulher (8 de março), inúmeros coletivos, organizações e movimentos de mulheres estarão nas ruas para exigir direitos e dizer não às inúmeras violações e violências sofridas por essa parcela da população. Uma dessas pautas diz respeito à sub-representação da mulher nos espaços da política, um tema ainda mais importante em ano de eleições.

O eleitorado brasileiro é composto por 52% de mulheres. Essa representatividade, no entanto, não é acompanhada pela composição do quadro de parlamentares do país, composto por apenas 15% de mulheres. Entre as pessoas filiadas a partidos políticos, 44% são mulheres. Elas foram 31,6% das candidaturas nas eleições de 2018. Apenas 16,2% se elegeram. Uma desproporção que tem impacto direto na vida de milhões de brasileiras na medida em que determina políticas públicas específicas para a garantia de seus direitos.

Os dados são do TSE e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e estampam a página de abertura do site do Vote Nelas. O coletivo nasceu em 2018 do desejo de mudar o cenário de sub-representação das mulheres no Congresso Nacional.

Entre junho de 2019 e janeiro de 2020, o Vote Nelas entrevistou 34 mulheres, de todos os espectros ideológicos e de todas as regiões do Brasil, que disputaram as eleições em 2016 ou 2018 a vereadoras e deputadas (estaduais e federais). Participaram da pesquisa candidatas de 16 estados, 14 partidos, 10 eleitas e 24 não eleitas. As entrevistas foram realizadas individualmente e em profundidade.

Intitulada Jornada da Candidata, a pesquisa revela os desafios à entrada e permanência de mulheres no cenário político brasileiro e tem como objetivo fortalecer candidaturas femininas a partir dos aprendizados e experiências de quem viveu ‘na pele’ os desafios de uma campanha eleitoral.

“A sub-representação da mulher na política é um fenômeno mundial, mas, o Brasil, está muito distante da maioria dos países do mundo. Em um ranking de 190 países, ocupamos a 52ª posição. Somos ‘lanterninha’ atrás de países como Arábia Saudita. Na América Latina, temos apenas dois países atrás de nós. Nas últimas eleições aumentamos de 10% para 15% a participação de mulheres, um resultado ainda muito incipiente, haja vista que somos mais de 50% da população”, conta Gisele Agnelli, socióloga e co-fundadora do Vote Nelas.

Gisele observa o resultado dessa desproporção na vida das brasileiras. “Sem mulheres nesses espaços, políticas públicas importantes são postas de lado. Somos o quinto país do mundo em violência contra a mulher. O número de feminicídios e estupros só aumentam. Ainda existe uma sub-notificação grande desses crimes no país e políticas incipientes para lidar com a gravidade do problema”, alerta.

Os desafios são ainda maiores na jornada das candidatas

Gisele conta que a pesquisa aborda desde o processo de se pensar candidata até a experiência da campanha e a eleição ou não dessas mulheres.

Segundo a socióloga, o primeiro desafio constatado pelo estudo tem a ver com a dificuldade de se enxergar nesse espaço ainda tão masculino. “Há muitos relatos de situações vexatórias e comentários impróprios que ridicularizam a mulher por estar se colocando nesse lugar. Já dentro do partido, a mulher enfrenta o desafio de ser considerada uma candidatura competitiva e receber o financiamento adequado. Nos diretórios executivos dos partidos, aqueles que tomam essas decisões, temos 22% de mulheres apenas, um gargalo enorme. E quando eleitas, essas mulheres ainda sofrem com a ‘síndrome da impostora’ por serem desconsideradas dentro do jogo político.”, relata.

O que fazer

Para mudar esse cenário, o Vote Nelas acredita e defende o potencial de políticas afirmativas, como é o caso das cotas. Em maio de 2018, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ampliou para 30% o percentual de recursos do fundo especial de financiamento de campanha (FEFC) que os partidos devem destinar às campanhas femininas. A medida deve ser acompanhada ainda pela mesma proporção de financiamento e tempo de TV e rádio.

No intuito de aprimorar a legislação atual, o Vote Nelas participou, no ano passado, da construção de um Projeto de Lei (PL) de iniciativa popular junto ao Ministério Público de São Paulo e em parceria com outras organizações da sociedade civil. O instrumento propõe a reserva de 50% das cadeiras das Câmaras Municipais, Assembleias Legislativas Estaduais e Câmara dos Deputados para mulheres, sendo metade delas para mulheres negras. O projeto também estabelece que as candidatas mulheres tenham um peso maior do que os homens na distribuição do dinheiro do Fundo Especial de Financiamento de Campanha.

Gisele observa a inovação do projeto ao pedir a reserva de cadeiras e não de candidaturas, como define a lei hoje. Outra novidade é a introdução do quesito raça nas cotas eleitorais, algo que já é praticado no país para o ingresso em universidades.

O projeto deve ser apresentado como de autoria popular. A Constituição exige que projetos de lei de iniciativa popular tenham a assinatura de 1% dos eleitores, distribuídos por pelo menos cinco estados.

O Vote Nelas também vê com bons olhos o voto distrital misto com lista fechada e alternância de nomes entre homens e mulheres. “Alguns países da América Latina já adotam esse formato e nós achamos que seria positivo também para aumentar o número de mulheres”, observa.

Com tudo isso, Gisele reforça ainda a importância do voto em candidatas mulheres para aumentar essa presença nos espaços da política. “O primeiro voto no Brasil data de 1532. Nós mulheres só começamos a ter direito parcial ao voto em 1932. Estivemos 400 anos afastadas do primeiro voto e ainda seguimos sem o direito garantido a uma participação efetiva como cidadãs na vida política e pública desse país”.

A pesquisa Jornada da Candidata na íntegra pode ser baixada no site do Vote Nelas.

Juntas

O quesito violência é outro problema relacionado à luta das mulheres que precisa ser enfrentado no Brasil. Em seu site, o Vote Nelas também traz dados alarmantes sobre o desafio. O Brasil ocupa a 5º pior posição no ranking mundial de feminicídios. Em 2017, o país concentrou 40% dos casos na América Latina. A maioria dos estupros acontecem em ambiente doméstico/familiar. Em 2018, 27,4% das mulheres brasileiras com mais de 16 anos sofreram algum tipo de violência em 2018. Os dados são da Organização Mundial da Saúde (OMS) e da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD).

Segundo dados atualizados em tempo real no Relógio da Violência, plataforma do Instituto Maria da Penha, a cada dois segundos uma mulher é vítima de violência física ou verbal no Brasil.

Diante desse cenário, organizações e coletivos que atuam no tema têm desenvolvido soluções inovadoras que possibilitem que mulheres vítimas ou em situação de ameaça se organizem em redes de segurança para lidar com o problema.

Um desses aplicativos é o Juntas, uma plataforma da organização da sociedade civil Geledés. A ferramenta possibilita o cadastro de três pessoas de confiança pela vítima para se tornarem sua rede de proteção. Em caso de violência iminente, basta apertar o botão de pânico e imediatamente será acionada uma ‘sirene’ no telefone das ‘protetoras’, alertando para a situação de ameaça. Por meio do GPS, a rede também tem acesso à localização da vítima.

Maria Sylvia Aparecida de Oliveira, presidenta do Geledés, explica que a iniciativa deriva de uma ferramenta desenvolvida como proposta de política pública.

“No primeiro desafio social do Google, em 2014, apresentamos o PLP 2.0. A ideia era desenvolver uma ferramenta voltada às mulheres com medida protetiva, que poderiam acionar a Secretaria de Segurança em caso de ameaça iminente e contar com o envio prioritário de uma viatura da Polícia Militar. Apresentamos a proposta para várias autoridades e à época conseguimos implementar no Rio Grande do Sul apenas. Com isso, desenvolvemos o Juntas, que não é uma política pública, mas tem potencial para atender qualquer mulher que se encontre em situação de violência.”

O aplicativo pode ser baixado no Google Play e na App Store. O portal Juntas disponibiliza um conjunto de estudos, pesquisas e informações sobre o tema e da rede de serviços voltada ao enfrentamento da violência contra mulheres.

Fonte: GIFE