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Episódio 7: Uma experiência de Gestão para Resultados: a Agenda Social

Foto: Arquivo Pessoal

Eu diria que um dos principais desafios das políticas de redução da pobreza e da desigualdade é o de aumentar seu impacto. Cresce a consciência da necessidade de se enfrentarem estas questões, multiplicam-se iniciativas de governos, sociedade civil e empresariado, mas os problemas parecem se aprofundar. Por isso é tão importante introduzir, na área social, a proposta de uma Gestão para Resultados.

Ainda é muito comum que pessoas com atuação na área social, muitas extremamente comprometidas com o que fazem, avaliem os resultados de seus trabalhos através “do brilho dos olhos das crianças” ou do “sorriso nos lábios dos jovens”. É claro que estas manifestações são de grande importância, mas o que se deve buscar, concretamente, é a melhoria dos indicadores ligados à pobreza e à vulnerabilidade, tais como: a diminuição da morbimortalidade na primeira infância; a inserção, manutenção e bom desempenho das crianças e jovens na escola; a conclusão do Ensino Médio; a diminuição da gravidez na adolescência ou o aumento da renda dos membros de uma família pobre.

Neste sentido, foi concebida uma iniciativa, conhecida como Agenda Social, que visava promover a definição clara de indicadores e metas sociais, e orientar a gestão das políticas públicas, em função do alcance dos resultados. Em outras palavras, a Agenda Social propunha, para os governos dos estados, a adoção de uma Gestão para Resultados na área social.

Em tese, uma proposta de Gestão para Resultados deveria necessariamente partir de um conjunto de evidências sobre o fenômeno que se desejava transformar, pois “sem dados, não há problema, sem problema não há solução”.

As evidências deveriam ser fruto de uma análise sistêmica, que permitisse a identificação, tanto das causas e das tendências, quanto dos fatores subjacentes ao problema.

A seguir, seria necessário definir prioridades e metas, visualizar possíveis soluções, identificar parceiros estratégicos e programas existentes, que pudessem contribuir para as soluções, bem como lacunas, que deveriam ser alvo da criação de novos programas.

Finalmente, integrar esforços intersetoriais e multissetoriais, criar um sistema de monitoramento e avaliação, reconhecer avanços e “sair para o abraço” (ou não!).

Devo confessar que, nesta época, ainda não tinha tido contato com a totalidade deste conceito, e que, somente muito mais tarde, pude compreendê-lo melhor e utilizá-lo em minhas propostas de gestão.

Penso, entretanto, que eu já inferia estes pressupostos. Tanto que a proposta da Agenda Social era a de que cada estado, tomando por base o diagnóstico de sua situação, identificasse indicadores sociais prioritários, escolhesse dentre eles os três mais “inaceitáveis”, concebesse estratégias intersetoriais de ação para seu enfrentamento, mobilizasse diferentes setores sociais (governos de diferentes níveis, ONGs, empresariado local, voluntariado) e criasse um sistema de monitoramento e avaliação do processo e dos resultados.

Fazia também parte da proposta a existência de um Sistema de Reconhecimento, sob a responsabilidade da SEAS.

Assim, os estados, que mais avançassem nos indicadores de processo e de resultados, teriam direito a uma oferta suplementar de recursos financeiros, oriundos do Fundo Nacional de Assistência Social (FNAS). Na verdade, uma quantia bem modesta, da ordem de 5 milhões de reais para cada estado.

Concebida a proposta, visitamos os 27 estados para apresentá-la aos governadores e suas equipes.

Os indicadores escolhidos variavam de acordo com o nível de desenvolvimento do estado. Assim, enquanto em estados do Nordeste o foco era o analfabetismo, a mortalidade infantil e o percentual de crianças fora da escola, nos do Sudeste, a escolha recaía sobre a diminuição da violência, o aumento da taxa de escolarização no Ensino Médio e o incremento da oferta de trabalho para jovens. Note-se que os indicadores abrangiam políticas de assistência, educação, saúde, segurança pública e trabalho, dentre outros, reforçando o caráter intersetorial da proposta.

Contando assim, parece fácil, mas organizar visitas a todos os estados desta vasta nação não foi uma tarefa banal. Além de uma equipe que atuava “antes, durante e depois” do périplo, havia os que garantiam que as coisas funcionassem bem em Brasília.

Neste sentido, há que se destacar a contribuição de Wadel, meu “fiel escudeiro”, que se esmerava para que tudo desse certo nas viagens; Nívea Chagas, nossa assessora de comunicação, responsável pela relação com a imprensa local, e Edilene Rocha, minha secretária, que se encarregava de “manter a casa em ordem”. Tudo isto sob a supervisão de Marcelo Garcia, inicialmente como Chefe de Gabinete, e depois como Secretário Nacional de Assistência Social.

Além disto, havia a parte burocrática, da qual não se podia fugir. Eu deveria assinar e rubricar cada uma das centenas de páginas dos mais de 30 mil convênios que firmava anualmente com estados e municípios. As viagens faziam com que, a cada retorno, centenas de volumosos processos estivessem me aguardando (quanta árvore sacrificada!). Hoje entendo que gestores públicos possam colocar sua assinatura em processos, sem tê-los lido na íntegra, confiando em seus assessores. É realmente sobre-humano ler tudo o que se firma, o que faz com que muitos se neguem a ser “ordenadores de despesa”, o que não era o meu caso.

Apesar dos transtornos, me parecia essencial sair de Brasília e conhecer, de perto, a realidade social deste país. Além disto, havia que utilizar o papel mobilizador e motivador que pode representar a presença de uma “autoridade nacional” para as equipes locais, responsáveis, de fato, pela implantação dos programas de superação da pobreza.

Uma vez concebida, a Agenda Social de cada estado era lançada em concorrida cerimônia pública, com a presença do governador, secretariado, políticos, organizações da sociedade civil e público em geral.

Agenda Social em Alagoas com o governador Ronaldo Lessa

O processo da Agenda Social foi salpicado de situações, tanto emocionantes, quanto bizarras. Entre os muitos “causos”, gosto de lembrar os do Piauí e do Rio de Janeiro.

Normalmente eu começava o processo com uma conversa com o governador, para apresentar a proposta e ganhar o “apoio do chefe”. Com este aval, seguia para uma reunião com os secretários, para convencê-los sobre a importância de uma abordagem intersetorial e multissetorial, no enfrentamento dos complexos problemas sociais do estado.

O governador do Piauí, um médico famoso, conhecido como Mão Santa, parecia estar em um dia um tanto ácido. Acompanhado da esposa, que exercia a função de Secretária Estadual de Assistência Social, Mão Santa ouviu meus argumentos iniciais: problemas sociais cada vez mais complexos, dinheiro finito e necessidade de foco e integração dos esforços para alcançar as metas pactuadas.

Neste momento, o governador me interrompeu, argumentando que sempre vinha gente de Brasília dizer o que o estado deveria fazer. Segundo ele, tinha tido uma experiência negativa com as propostas do ministro da Casa Civil, Pedro Parente, ainda registradas em uma lousa, encostada na parede da sala. Por ter seguido as orientações do Planalto, só vinha amargando prejuízos. Toda as vezes em que eu tentava recomeçar meus argumentos, ele me interrompia, apontando para a “lousa do Pedro Parente” e insistindo na mesma história.

Temendo não avançar, resolvi dar uma de maluca e bradei: assim não dá, governador. Tirem, por favor, a “lousa do Pedro Parente” da nossa frente!

Vencida a surpresa, ele perguntou à esposa o que ela pensava da minha proposta. Com o apoio da primeira dama, fomos ao encontro dos secretários que acataram a iniciativa com entusiasmo.

Ao final, o governador me convidou para jantar na casa dele. Quando cheguei para o jantar, me recebeu com a pergunta: Você é carioca? Frente à confirmação, me disse: Você é melhor que o Cristo Redentor! Foi o maior elogio de minha vida profissional.

No caso do Rio, o governador Antony Garotinho não aceitou fazer a reunião prévia e, quando cheguei ao Palácio das Laranjeiras, já me esperavam os secretários, ao redor de uma imponente mesa de mogno. Ele ainda não havia chegado e, enquanto esperávamos, apareceu a primeira dama Rosinha Garotinho (posteriormente nomeada Secretária de Assistência Social), tendo ao colo o mais novo bebê, adotado pelo casal, de nome David. Frente às exclamações de carinho dirigidas e a um David choroso, Rosinha resolve, deitar a criança na mesa de mogno e trocar-lhe a fralda, frente às expressões de carinho do secretariado.

Neste momento surge o governador, muito animado, dizendo ter acabado de chegar de Brasília, onde conversara com o Ministro da Fazenda, Pedro Malan. Segundo ele, havia perguntado ao ministro o valor de nossa dívida interna e sugerido que fosse imediatamente quitada. Frente à surpresa do interlocutor, teria dito: Ora, emita, Malan, emita! Esta história de que emissão de moeda gera inflação é uma bobagem! Além disso, um pouco de inflação é essencial para o crescimento econômico do país! Os secretários aplaudiram enfaticamente a sugestão.

Ao final do primeiro ano, seria necessário realizar uma avaliação, para definir os estados que fariam jus aos recursos extraordinários do FNAS.

Evidentemente que, em apenas um ano só seria possível aferir os avanços no processo colaborativo: intersetorialidade, participação de diferentes níveis de governo e ações de parceria com a sociedade civil e com o empresariado, participação de voluntários. Foram então identificados os dez estados com maiores avanços e programada uma Cerimônia de Reconhecimento, em Brasília, com a presença do presidente.

Assim que foram divulgados os estados vencedores, os governadores não selecionados insurgiram-se tão enfaticamente contra os resultados e tanto pressionaram o presidente que ele desistiu de promover a cerimônia nacional de reconhecimento.

Os vencedores, entretanto, não abriram mão de realizar suas próprias cerimônias. Tive, então, de participar de eventos organizados em cada um dos dez estados, que promoveram enormes cerimônias de celebração.

E ainda tem gente que acredita que os avanços sociais não representam capital político!

No Episódio 8 você vai conhecer o Projeto Alvorada, um esforço integrado dos governos federal, estadual e municipal, voltado para as cidades de mais baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do país. O Alvorada reunia programas de 9 ministérios, ligados à educação, saúde e geração de renda – os componentes do IDH. Não percam!

*Wanda Engel é diretora do Instituto Synergos no Brasil e foi ministra da Assistência Social.

**O artigo foi publicado no blog pessoal de Wanda Engel.