Opinião

“Mulheres e o mundo líquido”:Yeda Crusius

Yeda-e-o-chimarrão-acervo-pessoalEm livro de 1982, seu autor, o arquiteto norte-americano, Marshall Berman, de Nova York, usou para dar o título ao livro e descrever o que acontecia com o mundo nos tempos finais da modernidade a frase: “Tudo que é Sólido Desmancha no Ar”. Frase de Marx e Engels no Manifesto Comunista, de 1848, à época da Revolução Industrial que mudaria o mundo, teve o seu tempo. A frase do mundo de hoje é de Zigmunt Baumann, sociólogo polonês, dita em entrevista à Isto é em 2016. Baumann já vive há 84 anos, escreveu mais de 50 livros, já viu esse mundo mudar, mudar, mudar. Por isso pode afirmar que nada mais é sólido, como nos tempos de Marx e Engels, e sim que vivemos numa “modernidade líquida”, na qual nada é feito para durar. Concordo. Só que não.

É líquido o ambiente no qual estamos mergulhados. Percebo mais uma vez isso quando leio agora pelo Twitter, rede social poderosa, que comandos de dentro de presídios de Boa Vista, Roraima, e Porto Velho, Rondônia, estão promovendo desde ontem, 16 de outubro, massacres um em resposta a outro por parte de facções que os lotam. Degolados ou queimados, como tem acontecido em Porto Alegre nos bairros, são mortos dentro dos presídios por seus “pares”, em dia de visita. Sim, hoje não é Rio de Janeiro, não é Porto Alegre, nem São Paulo ou São Luís. É no norte do país, fronteira com os países produtores de coca e fornecedores de armamento por este imenso território de passagem em que se transformou o Brasil com o crime se organizando em todo lugar há décadas. Já foi em outros presídios. Em outros momentos. Hoje é lá. Enquanto isso Fernandinho Beira Mar e Nem da Rocinha continuam presos em presídios de segurança máxima em outros estados. Comandam ainda de lá o que acontece nas ruas por onde passamos todos nós brasileiros de 2016, nas escolas onde estudam nossos filhos e netos, nas igrejas.

Já no distante 1996, eu candidata a prefeita de Porto Alegre, levei à minha equipe uma estatística que me assombrava: no Brasil nascem mais homens que mulheres. Quando chega na faixa etária de 18 aos 24 anos, inverte. Como? Os meninos e jovens vão morrendo, a maioria de morte violenta. Que horror, há que se enfrentar! Pois me disseram “não é sobre isso que os eleitores querem ouvir ou saber, é sobre saúde, saneamento, transporte, educação”. Hoje, 20 anos depois, é esse o assunto que assombra a cidade, claro, o mundo é líquido e não mais sólido, dos presídios para as ruas e vice-versa, insegurança e violência inundando as cidades, de Bogotá ou Caracas ou Havana a Porto Alegre ou Paris ou Aleppo ou Londres. O que fazer? Campanhas eleitorais? Huummm… Duram pouco, e depois a realidade bate à porta dos eleitos, hoje em tempos agudos de crise. Mais tarde, como governadora, em 2007, pude colocar em ação meu PPV – Programa de Prevenção à Violência, que obteve resultados significantes na redução dos índices de criminalidade.

Tem um livro muito bem escrito que conta isso a partir do RJ: de 2015, do britânico Misha Glenny, sobre nosso tempo, a partir das entrevistas com Nem da Rocinha, seu fio condutor: O Dono do Morro: um Homem e a Batalha pelo Rio. Tem de Beltrame a manifestações, das mudanças dos anos 1990 e FHC até a Copa de 2014 e seus 7 a 1 e Dilma. Fascinante. Figuras de mulheres e sua realidade dura, como em todo canto – é só imaginar o que sentem hoje as mulheres ligadas aos degolados e queimados dos presídios. Com as tintas do RJ.

Dados os resultados das eleições até agora, sem contar o segundo turno, com a redução do número de eleitas, afirmo: se dos eleitos 50% fossem mulheres, as estatísticas como a que levei à equipe em 1996 resultariam em políticas públicas menos economicistas ou ideológicas, e mais transformadoras, pois já teria mudado a própria política para que um resultado como esse se materializasse. Como nos mostraram, dentre outros, Franco Montoro e Ruth Cardoso. Sólido ou líquido, sempre é tempo. Ao trabalho.

*Yeda Crusius é presidente de honra do Secretariado Nacional da Mulher/PSDB, ex-deputada federal e ex-governadora do Rio Grande do Sul