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Pesquisa retrata a gravidez nos tempos de vírus zika

Foto: Corbis
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Um terço das entrevistadas não teve orientação no pré-natal sobre como evitar a doença

por Renan Rodrigues

03/08/2016 4:30 / Atualizado 03/08/2016 10:53

RIO – Pesquisa divulgada nesta terça-feira pelo Instituto Patrícia Galvão, organização social sem fins lucrativos voltada à comunicação e direitos das mulheres, mostrou que 33% de 3.155 gestantes entrevistadas em todo o país, entre abril e julho, não tiveram orientação no pré-natal sobre como evitar zika. Entre as grávidas que fazem o acompanhamento no Sistema Único de Saúde (SUS), esse índice chega a 42%; e na rede privada, a 28%. O objetivo do levantamento era entender como a gravidez vem sendo vivenciada em meio à preocupação com o vírus.
O projeto tem o apoio da ONU Mulheres e da Fundação Ford. Entre os assuntos abordados, como a necessidade de mais exames durante o pré-natal, o ponto mais polêmico surgiu quando as entrevistadas foram confrontadas com a afirmação “quem decide se o bebê vai ter microcefalia ou não é Deus, por isso não adianta muito me cuidar”: 25% das entrevistadas disseram concordar.

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A diretora-executiva do instituto, Jacira Melo, avalia que a resposta é fruto de desinformação. Ela destaca, porém, que “o ambiente de epidemia em que a própria ciência tem poucas respostas para as mulheres” precisa ser levado em consideração para o argumento:

— Vimos que 64% não concordam com essa afirmação, embora 25% digam que sim. Acho que nesse momento em que vivemos, em que as pessoas se sentem desamparadas, em um país religioso, vem esse sentimento de resignação.

Apesar do medo, os dados mais recentes mostram uma redução de novos casos. Do início do ano até o dia 12 de julho, cerca de 56 mil casos suspeitos de zika foram notificados no Estado do Rio. Nas duas últimas semanas epidemiológicas (de 26 de junho a 2 de julho e de 3 de julho a 9 de julho), porém, não houve registro de casos da doença, de acordo com a Secretaria estadual de Saúde. Os casos de zika estão em curva descendente.

Em todo o país, de acordo com o último boletim divulgado pelo Ministério da Saúde, na quarta-feira da semana passada, foram 165.932 casos prováveis de infecção pelo vírus zika do início do ano até 11 de junho. Segundo a pasta, quatro óbitos pelo vírus foram confirmados desde 2015.

Ainda de acordo com o órgão, foram confirmados 1.749 casos de microcefalia e outras alterações do sistema nervoso, sugestivos de infecção congênita, até o dia 23 de julho.

BUSCA POR INFORMAÇÃO

Segundo a diretora-executiva do Instituto Patrícia Galvão, o destaque do levantamento é a necessidade de informações mais precisas sobre o vírus, como formas transmissão e prevenção:

— As mulheres estão muito atentas à zika e exigem informações. Elas se sentem pouco informadas.

A sensação de que o sistema de saúde ainda tateia no universo do vírus, porém, não é restrito às gestantes. Infectologista do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (Fundão), Celso Ramos Filho lembra que o vírus é novo:

— O zika é um problema extremamente novo. Está chegando muita informação, mas é claro que há muita coisa que ainda não se sabe e perguntas que ainda não foram feitas sobre o assunto.

Algumas questões apresentadas
Pesquisa reuniu a opinião de 3.155 mulheres grávidas

Quem decide se o bebê vai ter microcefalia ou não é Deus, por isso não adianta muito me cuidar

Eu entendo uma mãe que opta por interromper a gestação ao saber que o bebê tem microcefalia
Você já teve alguma orientação no seu pré-natal sobre como evitar pegar zika?*

Você gostaria de ter feito mais exames de ultrassom até o momento?**

Se tivesse acesso ao exame para saber se tem ou teve Zika durante a gravidez, você gostaria de fazer?

*Entre as entrevistadas que tiveram acompanhamento no SUS, 42% das mulheres responderam não ter recebido qualquer informação. Na rede particular, 28% das gestantes deram resposta semelhante.

**Entre as gestantes que tiveram acompanhamento no SUS, o índice de quem respondeu “sim” subiu para 70%. Na rede privada é de 43%.

Fonte: Instituto Patrícia Galvão

Para ouvir mulheres grávidas de todo o país, a pesquisa se baseou em métodos qualitativos (a partir de grupos de discussão em São Paulo, Recife e João Pessoa) e quantitativos (respostas on-line, no site BabyCenter). A reação ao aborto também foi testada na pesquisa. A afirmação “eu entendo uma mãe que opta por interromper a gestação ao saber que o bebê tem microcefalia” foi aprovada por 27% das entrevistadas. O índice chamou a atenção.

— Nós sabemos que é muito complexo a mulher que está grávida falar de aborto. É uma discussão quase sempre evitada. Pareceu que, diante de toda a apreensão que estão vivendo, elas foram generosas ao olhar outras mulheres, independentemente da crença e da opinião pessoal. É surpreendente ver que 27% compreendem o aborto. É significativo pela complexidade cultural no Brasil — avalia Jacira.

Das entrevistadas, 90% afirmaram que, se tivessem acesso, fariam o exame para saber se têm ou tiveram zika durante a gravidez; e 52% disseram que gostariam de fazer mais ultrassons durante o pré-natal.

INDICAÇÃO MÉDICA

Apesar de concordar com a importância do acompanhamento médico, Ramos Filho explica que exames como o ultrassom demandam recomendação médica.

— As pessoas querem exames que, muitas vezes, não têm indicação clínica. Exames desnecessários aumentam o custo da assistência médica, e isso ninguém quer. O ultrassom não é uma medica terapêutica. Já a reivindicação por exames sorológicos (para descobrir se a gestante possui o vírus zika) tem mais lógica, e o resultado pode inclusive exigir outros exames — reforça.

*Publicado originalmente em O Globo no dia 03/08/2016