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Livro conta a brevíssima história da epidemia do vírus da zika

O Ministério da Saúde confirmou a terceira morte provocada pelo zika em adultos no Brasil. Foto: Fernanda Carvalho/ FotosP Públicas
O Ministério da Saúde confirmou a terceira morte provocada pelo zika em adultos no Brasil. Foto: Fernanda Carvalho/ FotosP Públicas

Foto: Fernanda Carvalho/ FotosP Públicas

REINALDO JOSÉ LOPES
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
03/08/2016 02h02

Será que não é cedo demais para tentar contar a história da epidemia de zika? Talvez, mas o americano Donald McNeil Jr., 62, repórter de ciência e saúde do “New York Times”, fez um belíssimo rascunho dessa saga em seu novo livro, batizado de “Zika: The Emerging Epidemic” (“Zika: A Epidemia Emergente”).

Veterano da cobertura de doenças infecciosas pouco conhecidas em países pobres, McNeil Jr. conseguiu produzir uma mistura habilidosa de drama humano, história de detetive e retrato dos bastidores da saúde pública internacional. Apesar do ponto de vista assumidamente americano –pesquisadores, funcionários públicos e mochileiros dos EUA são os principais personagens de carne e osso usados para humanizar a história–, brasileiros também têm muito a aprender com a obra.

O livro contextualiza as notícias cada vez mais alarmantes dos últimos dois anos (a começar pela onda de bebês com microcefalia em maternidades do Nordeste) com o avanço do conhecimento sobre a zika, que engatinhou durante décadas após a descoberta inicial do vírus em Uganda, nos anos 1940.

O leitor atento será capaz de entender como um novo vírus é descoberto, como sua possível ação no organismo de seres humanos é testada em células e animais de laboratório –e como todo esse conhecimento pode precisar ser revisto de uma hora para outra, quando a natureza do vírus e as condições para sua propagação mudam de repente.

A obra mostra ainda como o avanço da zika é uma consequência das conexões globais que se intensificaram nos últimos anos –paradoxalmente, um vírus africano, que só precisaria ter atravessado o Atlântico uma vez para aportar por aqui, teve de dar a volta pela Ásia e pela Oceania antes de chegar ao Brasil, provavelmente durante a Copa das Confederações de 2013.

E, falando em grandes eventos esportivos e suas consequências para o avanço da doença, McNeil Jr. não pinta a Olimpíada do Rio como um prelúdio do apocalipse da zika. Faz questão de lembrar que a competição acontece no inverno, quando o Aedes aegypti é bem menos ativo. Por outro lado, destaca, o inverno carioca ainda é relativamente quente para os padrões americanos.

Resumo da ópera, segundo ele: se você está grávida ou pretende engravidar, o mais seguro é nem pensar em colocar os pés no Rio. E, se seu marido ou namorado vier e tiver sintomas da doença, ele tem de usar camisinha durante toda a gravidez, já que o vírus também pode ser transmitido pelo sexo.

INCÊNDIO DE BOATOS

Um dos pesquisadores citados no livro, especialista em história da medicina, lembra que boatos estapafúrdios e/ou preconceituosos sempre acompanharam as grandes epidemias (para citar um exemplo tristemente previsível, no auge da Peste Negra, no século 14, muitos europeus achavam que a doença estava sendo espalhada pelos judeus). O avanço do vírus zika confirmou essa escrita, com o agravante de que a boataria foi impulsionada pela caixa de ressonância planetária das redes sociais.

“Parecia que eu estava tentando apagar vários incêndios ao mesmo tempo”, recorda McNeil Jr. ao falar de sua luta diária para esclarecer os rumores que supostamente traziam a “verdadeira explicação” para o aumento assustador dos casos de microcefalia: a culpa era das vacinas estragadas de rubéola (ou de uma nova vacina), dos “inseticidas da Monsanto” usados contra o Aedes aegypti (os quais, na verdade, nem da Monsanto eram), dos mosquitos transgênicos etc. Pelo menos ninguém tentou culpar os comunistas ou os ETs.

Essas e outras teorias conspiratórias estavam completamente equivocadas, lógico, mas isso não significa que a estratégia de comunicação dos governos e organizações de saúde mundo afora não tenha sido responsável por escorregadas também, diz o jornalista do “New York Times”.

Sem medo de deixar a confortável posição na parte de cima do muro frequentemente ocupada pelos profissionais da notícia, o repórter americano critica a falta de clareza das autoridades quando parecia razoável aconselhar que as mulheres das regiões atingidas pelo vírus adiassem seus planos de ter filhos.
O medo de ferir susceptibilidades políticas à direita e à esquerda –de grupos que, por um motivo ou outro, abominam qualquer intervenção governamental nessa área– teria levado a uma postura pusilânime, escreve ele: “Os especialistas ficavam repetindo que engravidar é uma questão complexa e altamente pessoal. Bem, quando uma mulher tem câncer de mama e é preciso fazer uma mastectomia [retirar os seios], isso também é uma questão altamente pessoal, o que não impede os médicos de recomendarem o procedimento”.

A falta de coragem para abordar outro tema tabu também disseminou informações incompletas para o público: as autoridades de saúde do Texas relataram um caso de transmissão da zika por via sexual, mas demoraram meses para esclarecer que a infecção tinha acontecido após o coito anal entre dois homens –um dado que é claramente relevante para gays que querem se proteger da doença.

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