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“Reconstrução”, por Rosiska Darcy de Oliveira

Rosiska-Darcy-de-Oliveira-Foto-Divulgacao-.jpgUm amigo me diz que o país está acabando. Respondo que não, está recomeçando. Não vou morar em Portugal, como ameaçam fazer tantos desiludidos. Vou ficar no Brasil e espero ver o soerguimento deste país.

O pior já passou, o tempo da impostura, dos falsos heróis, quando o senador petista Delcídio Amaral, que já está preso, presidia a CPI do Mensalão. Quando o deputado petista André Vargas, que já cumpre pena de prisão por roubo, cerrava o punho “revolucionário”, afrontando o ministro Joaquim Barbosa, expropriando, em flagrante desrespeito à memória do país, o gesto de resistência dos que lutaram contra a ditadura.

Uma quadrilha que ocupou o Estado está sendo desbaratada, e esse fato, em si mesmo, já é um recomeço. Os tempos duros que estamos vivendo, com a economia destruída, a Petrobras à beira do abismo, as empresas corroídas pela promiscuidade corrupta com o governo, o desemprego e a violência crescendo nas cidades, são o preço que pagamos por ter, uma maioria de brasileiros, acreditado durante anos que o Partido dos Trabalhadores, nascido de nobres ideais, não poderia abrigar uma quadrilha. Caiu a máscara, já não é possível negar essa evidência. O partido que defendia os interesses dos trabalhadores acabou por objetivamente voltar-se contra eles, destruindo a economia e fazendo milhões de desempregados, como resultado da corrupção em que mergulhou e da gestão irresponsável da política econômica. O PT deixa uma legião de órfãos entre pessoas decentes que confiaram nele e foram ludibriadas.

Não podemos continuar sentindo como se a lama que se espalhou pelo país nos corresse nas veias. Para se reconstruir como nação, o Brasil precisa fazer o inventário de seus ativos que sobreviveram à debacle econômica e moral, voltar a acreditar em si mesmo, em sua sociedade, acreditar em suas instituições. Esses ativos existem e são valiosos.

Uma Justiça que funciona e pune lideranças do mundo político e empresarial é um ativo excepcional de que poucos países podem se orgulhar. Um tentacular sistema de corrupção que o PT, desde a era Lula, instalou como método de governo está sendo desmontado e deslegitimado pela Operação Lava-Jato. O Supremo Tribunal Federal tem confirmado, pela sequência de decisões contrárias às manobras de obstrução da Justiça, o respeito e a confiabilidade que já conquistara no julgamento do mensalão. O STF representa uma segurança contra o arbítrio do poder e do dinheiro.

Temos uma imprensa livre, competente e investigativa, que sempre se insurgiu contra as tentativas de implantação de um “controle social da mídia”, nefasto desígnio de calar os jornalistas. A sociedade brasileira sabe muito bem se informar, debate exaustivamente as notícias que recebe e ainda as põe à prova de outras versões que as redes sociais, com a autonomia e diversidade que lhes são próprias, produzem e difundem.

O Brasil tem uma população honesta, esmagadoramente majoritária, que ganha o seu sustento com trabalho e busca um bem merecido horizonte de melhoria de vida. É ela que aponta a corrupção como o maior problema do país, antes da saúde, da educação e da violência, como revela a pesquisa Datafolha. Acerta em cheio, porque é a corrupção que rouba os recursos da saúde e da educação e que alimenta a violência.

Temos uma opinião pública alerta, que está cobrando o fim do escândalo que é um Eduardo Cunha estertorando na presidência da Câmara de Deputados. Que se mobilizou exigindo que o Senado autorizasse a prisão do líder do governo na Casa. Sem a corrente de opinião que se formou nas redes sociais e interpelou o Senado, talvez os senadores não tivessem, quanto mais não seja por autoproteção, ousado autorizar a prisão de um colega, quiçá de um cúmplice. A vitalidade da opinião pública não está deixando o Congresso fazer o que bem entende. A posição da sociedade será decisiva nos desdobramentos do pedido de impeachment da presidente Dilma.

No momento dramático que estamos atravessando, o mais determinante ativo do Brasil, presente em todas as pesquisas de opinião, é imaterial, é a vontade de virar essa página da nossa história. É a indignação, a revolta, um querer coletivo, que cresce a cada dia e que não vai parar. Nesse querer coletivo vai amadurecer e dele emergir uma nova geração de lideranças, cujo denominador comum é a consciência aguda do drama social brasileiro, o amor à liberdade e o respeito inegociável à democracia. Esse é o perfil dos que, apoiando-se em nossos ativos, empreenderão, na política e na sociedade, a reconstrução do país.

*Rosiska Darcy de Oliveira é escritora

**Publicado originalmente na edição dominical (06/11) do jornal O Globo