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“Existem cotas de gênero na política brasileira?”, por Nancy Ferruzzi Thame

Foto: Arquivo pessoal

Foto: Arquivo pessoal

As brasileiras foram autorizadas a votar em 1932 e começaram de fato a exercer tal direito em 1938. Porém apenas a Constituição de 1946 garantiu a obrigatoriedade plena do voto para todas as mulheres nos mesmos termos que para os homens. Mesmo assim, entre o exercício do voto e a possibilidade de ser votada há um grande salto.

“A bandeira – lugar de mulher é na política – vem sendo difundida na sociedade brasileira, desde as eleições municipais de 2000, ganhando maior visibilidade a partir de 2003. Esta bandeira é uma forma de desconstrução da colocação que circula no senso comum, ainda que de forma provocativa, de que lugar de mulher é em casa, no tanque e no fogão, cuidando das crianças e do marido. A resposta a esta provocação aponta também que a política é o campo privilegiado de luta contra as desigualdades e discriminações e de que é preciso que as mulheres ocupem este lugar, para aí, contribuir para a reconstrução do Estado e da sociedade”. (Nogueira, 2001).

A conquista do direito ao voto foi essencial para a emancipação social, cultural, profissional e econômica da mulher, pois somente com o poder do voto nas mãos as mulheres passaram a ter vez e voz para reivindicações em outros campos, como na saúde, no controle reprodutivo, na instrução e capacitação.

Já no que se refere ao exercício efetivo do poder político, a mobilização feminina não tem sido suficiente. As razões para isso são diversas e muitas vezes apenas especulativas, como o fato da desmoralização da política ou porque os partidos políticos

são historicamente redutos masculinos; ou ainda porque permanecem adormecidos no inconsciente feminino alguns resquícios de uma cultura que inferioriza a mulher e a desqualifica para o exercício do poder político. Na realidade, a ausência da mulher na política causa danos a sociedade e esta não é uma realidade apenas do Brasil e sim praticamente do mundo inteiro.

“Em alguns países, a paridade entre gêneros está sendo alcançada com a ajuda das leis. O sistema de cotas para as mulheres não é novidade. É um instrumento que já vinha sendo utilizado em vários países da Europa, África e América Latina”. (Maschio, 2003).

Por toda a Europa, os partidos políticos já vinham adotando ações afirmativas, entre elas a reserva de cotas, visando a garantir porcentagem de mulheres ou atender a certos objetivos de presença feminina em todos os níveis dos órgãos internos de decisão da estrutura dos partidos e nas listas de candidatos nas diferentes categorias de eleição.

Na América Latina, o Brasil foi o quarto país a adotar as chamadas ações afirmativas, buscando maior participação da mulher na esfera política.

Segundo a Inter-Parliamentary Union, estes países em ordem decrescente de participação feminina são: Ruanda (com forte influência de ações da ONU e vitimada por guerra civil que matou parte expressiva dos homens do país), Suécia, Dinamarca, Finlândia, Holanda, Noruega, Cuba, Espanha, Costa Rica, Moçambique, Bélgica, Áustria, Argentina, África do Sul, Alemanha, Guiana e Islândia. O Brasil amarga um 119° lugar.

Aqui, o sistema de cotas para candidaturas de mulheres nas chapas partidárias foi instituído ainda em 1995 – o mesmo ano do acordo global. O projeto de lei da então Deputada Marta Suplicy (PT/SP) propunha que no mínimo 30% das vagas de candidaturas partidárias em pleitos proporcionais em todos os níveis da federação deveriam ser preenchidas por mulheres. O primeiro passo dessa iniciativa foi a incorporação, no mínimo, de 20% de mulheres candidatas na Lei n. 9.100/1995. “Foi um grande marco na história da participação das mulheres nas eleições. Partidos que antes nem sequer tinham mulheres em seus quadros de filiados passaram a fazer campanhas de filiação justamente para atrair candidatas. O sistema de cotas refletiu ainda em outro aspecto: obrigou os partidos a incorporar em seus discursos preocupações com questões femininas ” ( Maschio, 2003).

Mesmo assim, foram muitos os partidos que não conseguiram preencher as vagas destinadas às mulheres nas eleições de 1996. No entanto, os resultados foram melhores que os anteriores.

Com o advento da Lei n. 9.504/1997, a Lei Eleitoral, o percentual mínimo de mulheres candidatas a cargos proporcionais passou para 30%. Em 2009, com Lei 12.034/2009, conhecida como mini reforma eleitoral, os partidos foram obrigados a preencher, e não só reservar, 30% nas chapas eleitorais para as candidatas. Mesmo assim, a baixa participação feminina nas candidaturas partidárias continuou e, em parte, pela própria ineficácia da lei, que ao prever um número mínimo de vagas para cada sexo, aumentou consideravelmente o número de vagas (150% do total de cadeiras disputadas) e também não estabeleceu nenhuma sanção efetiva ao partido que não preencher a cota mínima de candidatas mulheres. O inconveniente que o partido sofre ao não preencher o percentual mínimo de 30% das vagas com mulheres é tão somente que não poderá preenchê-las com homens. Sendo assim, a maioria dos partidos não conseguiu ainda preencher o percentual mínimo de vagas destinadas às candidaturas femininas.

Há um debate imprescindível sobre as causas da baixa participação das mulheres no processo político. Haverá realmente desinteresse? Se houver, ele é real ou criado pela sociedade? Existem freios sociais e partidários à expansão do espaço feminino?

Diante do exposto, nestes 20 anos da existência de cotas de gênero na política brasileira, cabem questionamentos pertinentes à qualidade das candidaturas, quanto à existência de reais propostas para um mandato, quanto à vontade de serem candidatas, quanto à capacitação e preparo para enfrentar uma campanha, além do conhecimento dos meandros dos partidos aos quais pertencem.

“Sabemos, por exemplo, que muitas mulheres atuam como laranjas, apenas para que os partidos políticos cumpram os 30% exigidos pela Lei Federal 12.034/2009 para cada sexo — na prática, o percentual mínimo de mulheres exigido nas chapas proporcionais. Para preencher a cota de 30%, pode ser a mãe de alguém, a secretária e mesmo uma laranja” diz o demógrafo José Eustáquio Diniz, que estuda o avanço das mulheres nas eleições.

Este é o debate: Os partidos brasileiros não têm mulheres competitivas para alistar como candidatas ou forçam o processo de laranjas para reverter leis e compromissos que o Brasil assinou nas conferencias mundiais (como a de Cairo, no Egito, em 1994, um marco na história dos direitos das mulheres, e a de Beijing, em 1995) das quais decorrem as leis compensatórias? Existe um chamamento real de mulheres, com cursos de capacitação e apoio para que ocupem espaços nos partidos? Mulheres que compõem os espaços de poder dentro da esfera partidária representam as mulheres ou interesses de outros grupos?

No próximo artigo trarei alguns dados pesquisados para uma segunda reflexão.

*Nancy Ferruzzi Thame é presidente do PSDB Mulher de São Paulo e vice-presidente do Secretariado Nacional da Mulher/PSDB