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Especialistas falam da importância de pacientes assumirem que são doentes terminais

patrick-swayze_1217673cTexto de Oliver Sacks em que revela câncer terminal abriu debate

por Lauro Neto, em O Globo

21/02/2015 14:29 / Atualizado 21/02/2015 14:57

O ator Patrick Swayze revelou publicamente sua doença terminal – REUTERS

RIO – O texto publicado anteontem pelo neurocientista e escritor Oliver Sacks, em que revelou estar com um câncer terminal, chamou atenção para um paradoxo vital e mortal: a obviedade de que a morte é inevitável frente à dificuldade de aceitação da sua proximidade. Em seu artigo no “New York Times”, Sacks jogou luz sobre o fim do túnel, dizendo como pretendia aproveitar seus últimos meses de uma vida de 81 anos, após a constatação de que estava com um terço do fígado tomado por metástases. Médicos e especialistas ouvidos pelo GLOBO avaliaram a importância de figuras públicas assumirem que são doentes terminais como forma de desmitificar o desejo pela imortalidade.

Citando os livros de Sacks “Tempo de despertar” e “O homem que confundiu sua mulher com um chapéu”, o clínico geral e intensivista Fabio Miranda diferencia a perspectiva brasileira da internacional em relação à aceitação da morte. Coordenador do CTI do Instituto Estadual do Cérebro Paulo Niemeyer, Miranda diz que, enquanto nos EUA os médicos são obrigados a contar a verdade ao paciente, no Brasil, muitas vezes a família prefere escondê-la:

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— O que lemos em artigos científicos e vemos em congressos internacionais é que essa aceitação é mais comum no exterior. Aqui, é muito difícil. O artigo do Sacks é importante porque, geralmente, as pessoas preferem a negação da morte. Algumas reagem a isso tentando encontrar um bode expiatório, um culpado. Isso causa revolta e implica brigas familiares, com os médicos ou com pessoas que tentam ajudar.

Oliver Sacks despertou debate após texto publicado no NYT – Walter Carvalho

O médico ressalta a importância dessa aceitação para a qualidade de vida no fim dela:

— A partir da aceitação da terminalidade, não adianta fazer tratamentos mirabolantes, mas procurar aproveitar melhor os últimos momentos com a família e os amigos. Muitos pacientes me perguntam: “Doutor, eu não vou morrer não, né?” E eu respondo que claro que vai, que todos vamos morrer um dia, eu mesmo, e também meus filhos.

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Em sua última aparição na TV, em janeiro de 2009, sete meses antes de morrer, o ator Patrick Swayze fez um balanço dos 20 meses em que conviveu com um câncer pancreático. Em entrevista à ABC, ele disse que não seguiria cada tratamento experimental que surgisse. Segundo ele, se fosse “gastar tanto tempo perseguindo permanecer vivo”, não seria capaz de aproveitar o tempo que lhe restava. “A questão é quando você se cansa, quando a luta não se iguala à sua qualidade de vida”, comparou o ator, imortalizado no filme “Ghost”.

VIVÊNCIA DO SOFRIMENTO DE FORMA TRANQUILA

A psiquiatra e psico-oncologista Tula Chaves destaca a relevância de celebridades como Swayze admitirem que não são imortais na vida real. Ela diz que isso ajuda aqueles que estão passando por uma situação parecida:

— Como são vistas como pessoas que nunca vão ficar doentes, acho importante quando declaram publicamente. A doença faz com que entremos em contato com a ideia da finitude. Saber, todo mundo sabe. Mas quando um cara como o Sacks declara que somos todos finitos, a finitude passa a não ser vista mais como uma grande tragédia. O mais importante é a possibilidade da vivência do sofrimento sem ser uma coisa macabra, mas de forma consoladora. Talvez a publicidade tire o sofrimento desse lugar e traga para um lugar mais claro, em que você perceba que não está sozinho e há alguém que te entende.

No fim de 2014, o médico britânico Richard Smith, renomado profissional e ex-editor da revista “British Medical Journal”, publicou artigo argumentando que a morte por câncer é a melhor possível, pois permite que os pacientes se preparem e deem adeus aos entes queridos: “Você pode refletir sobre sua vida, deixar últimas mensagens, talvez até visitar lugares especiais pela última vez, ouvir músicas favoritas, ler poemas de amor e se preparar, de acordo com suas crenças, para encontrar o seu criador ou desfrutar do eterno esquecimento.

Foi mais ou menos o que vez a californiana Brittany Maynard, que, aos 29 anos, resolveu se mudar para o Oregon e recorrer a um suicídio assistido no último dia 1º de novembro, após chegar à conclusão de que não queria mais sofrer com um câncer terminal. “Adeus a todos os meus queridos amigos e parentes que amo. Hoje é o dia que escolhi partir com dignidade diante de minha doença terminal, este terrível câncer cerebral que tirou tanto de mim… mas que poderia ter tomado muito mais”, escreveu Brittany em sua última mensagem.

Diretor do CTI do Hospital São Vicente de Paulo, o médico Guilherme Ribeiro Aguiar ressalta que o assunto no Brasil ainda é um tabu e que, frequentemente, a família tenta esconder a proximidade da morte do paciente, às vezes até prolongando o sofrimento em casos de câncer terminal.

— Essa discussão é muito importante, mas ainda está atrasada no Brasil. O alerta do doutor Sacks é muito bem-vindo. Frequentemente, são mantidos tratamentos que poderiam ser classificados como “fúteis”, já sem objetivo de cura, quando seria mais indicado um tratamento paliativo para melhorar a qualidade de vida no final dela — diz Aguiar.

Steve Jobs, fundador da Apple, lamentou certa vez ter optado por vários tratamentos alternativos para tentar se curar de um câncer no pâncreas, detectado em 2004. No ano seguinte, após fazer uma cirurgia, ele disse que “a morte era provavelmente a melhor invenção da vida”, em um discurso na Universidade de Stanford: “Seu tempo é limitado, então, não o gaste vivendo a vida de outra pessoa”.

Professor de medicina intensiva da Unirio, Ricardo Correia Lima diz que a cultura anglo-saxônica é mais pragmática e cartesiana do que a latina na aceitação da morte. O especialista considera que é importante ampliar o debate levantado por Sacks:

— Ele está prestando um serviço à Humanidade e um bem a ele. É preciso separar o que é morte da prolongação da doença. Minha mãe tinha Parkinson e muitas vezes teve que ir para o respirador por causa de broncoaspiração e pneumonia. Houve um momento em que eu já não sabia mais se rezava para ela melhorar ou morrer. A morte tem que ser discutida desde criança nas escolas, bem como nos âmbitos jurídicos, médicos, jornalísticos e religiosos para saber o melhor a se fazer com a terminalidade.