O anúncio do governo, ontem, veio com atraso e é insuficiente. A maior parte do ajuste está na recriação da CPMF, que ainda depende de aprovação do Congresso, e os cortes não corrigem as principais distorções do Orçamento que estão nos gastos obrigatórios da União. Os investimentos foram afetados, haverá encarecimento da exportação, e o aumento de impostos vai diminuir a confiança na economia.
Dos R$ 66,2 bilhões de esforço anunciado, R$ 26 bilhões são cortes de gastos enquanto R$ 40,2 bi são aumento de receitas. Ou seja, o ajuste está sendo feito da pior maneira, com aumento da carga tributária e redução de competitividade da economia.
Ao invés de apresentar ao Congresso um projeto de reforma da Previdência, o governo encaminhou a recriação da CPMF, para ajudar a tapar um rombo que cresce de forma assustadora: sairá de R$ 58 bilhões no ano passado para R$ 88 bi este ano e R$ 116 bilhões no ano que vem. Essa alta tem relação direta com a indexação do salário mínimo, que terá reajuste de 10% em 2016, mesmo com a economia em recessão. Quando sugeriu rever a regra no início do ano, o ministro Nelson Barbosa foi desautorizado pela presidente Dilma.
O economista Gil Castelo Branco, do Contas Abertas, lembra que o governo ainda conta com R$ 37 bilhões de receitas atípicas para conseguir chegar à meta. A ideia da equipe econômica é arrecadar com o programa de concessões e vender ativos, mas a estratégia é incerta porque a recessão diminui o interesse do mercado, e a perda do grau de investimento está encarecendo o crédito. As empresas já estão voltando às planilhas para incorporar maiores taxas de retorno aos projetos.
A meta de superávit primário do ano que vem começou em 2% do PIB, caiu para 0,7%, foi reduzida para déficit de 0,5%, e ontem voltou novamente ao superávit. O que fica cada vez mais claro é que o governo não tem um plano definido para recolocar as contas públicas no azul. O anúncio aconteceu apenas porque o país perdeu o grau de investimento na semana passada. O pior ajuste fiscal é aquele feito com atraso e de forma improvisada. É isso o que tem feito o governo.
Duplo impacto na exportação
Em uma semana, o setor exportador está tendo que contabilizar o risco de um duplo aumento de custos. A perda do grau de investimento vai encarecer o Adiantamento sobre Contratos de Câmbio (ACC), que antecipa receitas de vendas e aumenta a competitividade das empresas. Além disso, ontem o governo anunciou um corte de R$ 2 bilhões no Reintegra, programa que reduz impostos cobrados em duplicidade. Nem parece que impulsionar a exportação é uma das saídas para a crise.
Visão de fora
A análise da consultoria inglesa Capital Economics foi que o anúncio não muda o quadro mais amplo ( Big picture ) das contas públicas do país. O economista Neil Shearing, responsável pela análise de mercados emergentes, ainda projeta déficit primário de 1% do PIB este ano e novo déficit de 0,3% no ano que vem. “Nessas circunstâncias, a dívida bruta como proporção do PIB vai continuar subindo, e novos rebaixamento da nota de crédito continuam prováveis”, escreveu em relatório.
Expectativa interna
O economista-chefe do Banco Modal, Alexandre de Ázara, avalia que o novo ajuste não garante a manutenção do grau de investimento pelas agências Fitch e Moody”s, principalmente pela incerteza política, que dificulta a aprovação dos projetos pelo Congresso. Mas ele afirma que o número divulgado veio maior do que o esperado pelo mercado. “A reação dependerá dos políticos”, disse Ázara. O que realmente faria a diferença seriam as reformas que aumentassem a competitividade.
Desânimo.
Foi o que provocou a resposta de Levy sobre o período de vigência da CPMF, com a previsão de que “não dure mais que quatro anos”.
A VOLTA.
Com a proposta de congelar o reajuste dos servidores por sete meses, o imposto inflacionário retorna ao cardápio da política econômica.
CADA UM NA SUA.
No site do Ministério da Fazenda, apenas a apresentação de Joaquim Levy. No do Planejamento, só a de Nelson Barbosa.