Opinião

“Um dia para se pensar”, por Dell Santos

Dell-Santos.jpgQuem presenciasse o dia de hoje no que concerne à igualdade de condições entre as etnias sem ter sabido de todo o passado ou ter tido um mínimo de instrução histórica como pano de fundo dificilmente diria que já se passaram tantos anos desde os fins da escravidão.

A condição das etnias escravizadas, e aqui falo especificamente do negro, a quem a data de hoje se refere, melhorou desde então até os dias de hoje, isso é incontestável. Mas poderia e deveria ter mudado muito mais. Em primeiro lugar, não consigo entender por que se celebram datas de libertação dos escravos em vários países do mundo, pois cada país libertou seus escravos em uma data diferente, mas não existe o Dia Mundial do Fim da Escravidão, ou o Dia Mundial da Igualdade Étnica, ou mesmo o Dia Mundial do Combate à Escravidão, porque não podemos esquecer que a escravidão, por incrível que pareça, ainda existe nos dias de hoje e, o que espanta ainda mais, em países ricos como o Brasil. Seria muito importante que o mundo todo se unisse e envidasse esforços no combate às relações subumanas de trabalho e à desigualdade de oportunidades entre as diferentes etnias.

O ano de 2015 vive acontecimentos muito importantes e que nos fazem refletir sobre a igualdade étnica. Logo no início do ano ficamos surpreendidos e boquiabertos com o atentado sanguinolento de um grupo radical islâmico à sede do periódico francês Charlie Hebdo. É de fato inconcebível e inaceitável que intelectuais e jornalistas tenham suas vidas ceifadas por uma gente intransigente e sanguinária. No entanto não consigo calar quando comparo a repercussão mundial que isso tem com a repercussão que tem o seqüestro de centenas ou milhares de meninas indefesas na Nigéria pelo Boko Haram, outro grupo radical islâmico cuja barbárie em nada deve aos absurdos do Estado Islâmico. Mas o que são essas meninas pobres, negras, algumas talvez até analfabetas? O mundo tende a separar humanos em categorias, alguns mesmo em subcategorias. Quando dezenas ou centenas de europeus morrem num avião pilotado por um louco suicida isso tem muito mais repercussão, muito mais eco na imprensa mundial do que quando africanos negros e árabes morrem numa embarcação que adernou no Mediterrâneo, entre a Líbia e a Itália. O mundo mede suas perdas humanas com dois pesos e duas medidas. Acho ótimo vestirmos camisetas dizendo “Je Suis Charlie”. Mas que tal vestirmos, também, “Je Suis Afrique” ou “Je Suis Nigeria”?

Hoje devemos fazer uma profunda reflexão sobre o que vem acontecendo, em pleno século XXI, com as outras etnias que não a branca, e em especial com os negros. É inadmissível que em plena era da tecnologia de ponta, da internet, da velocidade exacerbada da informação presenciemos cenas de tamanha atrocidade como as vistas nos assassínios de jovens negros por policiais brancos facínoras nos Estados Unidos. A comunidade negra tem a verdadeira obrigação de transformar o país em um barril de pólvora enquanto esses casos não forem devidamente esclarecidos e resolvidos.

Após mais de um século de libertação, temos sim muito o que comemorar: o fato de um negro ter galgado à cadeira presidencial do país mais rico do mundo, de os negros não sofrerem mais a segregação que sofriam em sua própria casa na África do Sul, de negros estrelarem papeis principais em novelas brasileiras, serem capas de revistas ou mesmo de negras serem laureadas com a coroa de Miss Universo.

Mas isso tudo ainda está muito longe de ser o suficiente. Apenas começamos nessa longa trajetória. Devemos, temos a obrigação de ficar cada vez mais vigilantes quanto às oportunidades e ao tratamento dados aos negros. Só assim seremos capazes de, num futuro próximo, ser tratados com a devida dignidade e o devido respeito.

*Dell Santos é coordenadora de Eventos do PSDB Mulher da Capital, 2ª Vice Presidente Tucanafro Municipal e diretora de eventos do Tucanafro Estadual.