Opinião

“As mulheres na política brasileira: dos objetivos idealizados à realidade distante”, por Nancy Ferruzzi Thame

Nancy Thame
Foto: PSDBMulher-SP

Foto: PSDBMulher-SP

A história do feminismo está dividida em quatro grandes blocos: o primeiro é o do feminismo pré-moderno, em que podemos encontrar as primeiras manifestações da polêmica feminista. Depois, surgem três outros momentos, chamados de primeira, segunda e terceira ondas. O feminismo moderno, ou primeira onda, começa com a obra de Poulain de la Barre (1647-1723). A segunda está associada ao movimento de mulheres da Revolução Francesa (1789-1799), que ressurge com toda a força nos grandes movimentos sociais do século XIX. Por último, o feminismo contemporâneo – ou terceira onda – que abarca o movimento dos anos 60 e 70 e as novas tendências que nasceram no final dos anos 80.

Os movimentos de mulheres na luta pela democracia se intensificaram no século XX, onde podemos identificar fases bastante significativas. Uma delas, a mais relevante para os fins desse trabalho, foi a da luta para que as mulheres tivessem o direito de votar e serem votadas, quando a maioria dos países aprovou a participação feminina, o que propiciou o acesso das mulheres ao mundo da política representativa (Rodrigues, 2005). A conquista já contara com reflexões filosóficas relevantes. John Stuart Mill, no século XIX, escrevera o livro “A sujeição da mulher”, e como deputado apresentou a primeira petição a favor do voto feminino no Parlamento Inglês. Juntamente com Harriet Taylor fundou as bases da teoria política sobre a qual o sufragismo cresceu e se moveu.

A despeito da relevância da história global da movimentação feminina, para os fins desse trabalho vamos nos concentrar em compreender a inclusão política da mulher no Brasil. Em 1910, registra-se a fundação do Partido Republicano Feminino, e a criação, em 1922, da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino. Ambas as iniciativas, desencadeadas no Rio de Janeiro, são anteriores à participação política formal das mulheres em processos eleitorais e tinham, justamente, a finalidade maior de lutar pelo sufrágio feminino e pelos direitos políticos das mulheres. Mediante estas mobilizações e o apoio de inúmeras lideranças, o voto feminino foi assegurado pelo Código Eleitoral de 1932, que previa o direito de voto apenas às mulheres casadas, com autorização dos maridos e às mulheres solteiras ou viúvas, com renda própria.

A medida foi incorporada à Constituição Federal de 1934, eliminando as restrições e colocando a obrigatoriedade apenas para as mulheres com funções remuneradas em cargos públicos. Apenas a Constituição de 1946 garantiu a obrigatoriedade plena do voto para todas as mulheres nos mesmos termos exigidos aos homens (Plataforma Política Feminista, 2002).

Além de tais dificuldades históricas associadas à participação política das mulheres, parece possível afirmar que apenas na Constituição Federal do Brasil de 1988 a igualdade de direitos e deveres entre homens e mulheres foi efetivamente conquistada. Ela foi, sem dúvida, um avanço ao estabelecer, no art. 5º, inciso I, que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações. Mas, na verdade, a participação da mulher na esfera política, tanto no Legislativo como no Executivo, de forma ativa na tomada de decisões do País, não tem acompanhado, na mesma proporção, outras conquistas femininas. Justamente pela dificuldade e como forma de vencer estas barreiras é que foi criado o sistema de cotas de 1995, visando justamente à ampliação da participação feminina na política nacional, e respondendo a questão mundial.

Mesmo o Brasil integrando a sétima economia do mundo e a principal da América Latina, e buscando aprimorar sua democracia há duas décadas, a participação feminina na política do país ainda é insuficiente em termos proporcionais. Com presença expressiva no mercado de trabalho, nas fileiras escolares (com destaque para o ensino superior) e na política não institucional, em movimentos sociais e empresas, a participação das mulheres não se reflete nos espaços de decisão política, seja nos partidos políticos ou ainda nos espaços eletivos do Executivo ou do Legislativo – sem deixar de reconhecer que em tantos outros ambientes os desafios ainda são relevantes. Assim, “o Brasil ocupa o 121º lugar com relação à participação das mulheres na política em um ranking de 189 países”, destacou a socióloga Fátima Pacheco Jordão, diretora do Instituto Patrícia Galvão e integrante da Articulação de mulheres brasileiras. Quando o cenário são as Américas, estamos no 30º lugar, entre os 34 pesquisados (Gonçalves, 2013).

Se a paridade é uma meta ainda distante, a ampliação da presença das mulheres é uma possibilidade real. A distribuição e regulação de poder, como também de renda, de propriedade, de conhecimentos e dos meios de comunicação são elementos fundamentais nos sistemas democráticos, os quais têm o compromisso de enfrentar e eliminar as desigualdades e garantir os direitos humanos de todas as pessoas. Na política, o marco legal de cotas, enquanto direito positivado carrega garantias de participação. No entanto, tal perspectiva, por si só, não garante a plena efetivação de tais direitos. A desmistificação da concepção cultural da incapacidade feminina de representar a população se faz necessária em nossa sociedade (Freitas Silva, 2012).

Nesse sentido, as propostas dos movimentos feministas e de mulheres são todas convergentes para o aperfeiçoamento e aprofundamento da democracia, e a trajetória política das mulheres não foi uma luta solitária. Contou também – é verdade que em alguns instantes históricos com pequena parcela – com a colaboração de homens de visão avançada para suas épocas. Foi assim que, em 1928, o então Governador do Estado do Rio Grande do Norte, Juvenal Lamartine, buscou introduzir na Constituição de seu Estado o direito de voto às mulheres – as primeiras a votarem no país. No Brasil, desde 1982, foram criados importantes espaços institucionais de políticas públicas para mulheres, como os Conselhos de Direitos das Mulheres em São Paulo (Governo Franco Montoro) e a Secretaria Nacional de Políticas Públicas para Mulheres (governo Fernando Henrique Cardoso). Ao longo do tempo tais espaços têm aumentado de forma expressiva.

Trecho extraído do artigo científico “As mulheres na política brasileira: dos objetivos idealizados à realidade distante”, por Nancy Ferruzzi Thame (São Paulo/2015), presidente do PSDB-Mulher SP e 2ª vice-presidente do PSDB-Mulher Nacional