Professora do Departamento de Economia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), sócia-diretora da Galanto Consultoria e diretora do Instituto de Estudos de Política Econômica – Casa das Garças (IEPE/CdG)
A Presidente Dilma, que acompanha diariamente a evolução da inflação, como soubemos pela entrevista que concedeu à Folha de São Paulo há duas semanas, gostou muito do resultado do IPCA de julho. A inflação fechou o último mês em 0,03%, resultado da queda dos preços dos alimentos e dos transportes. Nas declarações que seguiram a divulgação do índice, a chefe da Nação afirmou que não há motivos para o “estardalhaço” feito por analistas e jornalistas nos últimos meses. Afinal a inflação está sob controle. Ou melhor, totalmente sob controle, para usar as palavras exatas de Dilma. Será? Será mesmo?
Vejamos. O resultado de julho foi bom. Trouxe a inflação medida em 12 meses para “apenas” 6,27%, portanto abaixo dos 6,5%, o teto da meta. Pausa para os suspiros de alívio – afinal, no mês anterior a inflação acumulada alcançara funestos 6,7%. Os núcleos da inflação, as medidas de disseminação das altas de preços, também sofreram quedas substanciais em julho. Isso também é bom. Significa que a inflação se espalha com menos facilidade do que no início do ano. Mas, nem tudo são flores. Diz um ditado em inglês que “if it walks like a duck and quacks like a duck, it’s a duck”. O controle da inflação alardeado pela Presidente tem jeito de manipulação. Quem paga o pato são todas as brasileiras e brasileiros que acabam sendo ludibriados pela incansável maquiagem que o governo faz, não importa o dado, o número ou o indicador.
O gráfico abaixo mostra a evolução, desde 2004, dos preços livres e dos preços administrados, as duas grandes categorias do IPCA. Os preços livres respondem por 75% do índice. Já os administrados comportam 25% dos seus componentes, dentre os quais estão: os preços dos combustíveis, as tarifas de energia elétrica, as passagens de ônibus e de outras modalidades de transporte, entre outras categorias de preços congelados, recentemente ou não. No passado os preços administrados seguiam uma regra predeterminada e conhecida de reajustes anuais. Por isso eram chamados de “administrados”. O governo Dilma, para dar uma mãozinha à queda inflacionária, resolveu dar outra interpretação aos preços administrados. Uma interpretação mais parecida com a usada por nossos vizinhos de porta, pela Argentina de Cristina Kirchner. Ao contrário da viúva, o governo brasileiro não é tão escrachado. Não congela todos os preços. Apenas aqueles que já são “geridos”, de uma forma ou de outra. Apenas 25% do IPCA…
Figura 1: Preços Livres e Preços Administrados
Vejam o gráfico. A inflação acumulada em 12 meses dos preços administrados está em 1,3% quando a sua média, desde 2005, é de uns 4%. Já a inflação dos preços livres, que comporta os alimentos, os serviços domésticos, grande parte dos bens e serviços consumidos pelas famílias brasileiras, está em 7,9%. Isso mesmo, 7,9%. Perto da máxima de 8% alcançada no início de 2008, quando o Brasil atravessava o auge da bonança internacional que precedeu a crise, o pico do aumento da renda, a inusitada expansão do mercado de trabalho. A inflação de preços livres só não superou a alta de 2008 por causa da reversão dos alimentos. Não fosse por isso, continuaríamos com os 8,2% de inflação atingidos no mês anterior – um recorde.
Uma conta rápida mostra que a “inflação sombra” no País, aquela represada pela manipulação do governo, está na faixa de uns 7,2%. Ou seja, não fosse o congelamento dos preços dos combustíveis que quebrou a Petrobras, o das tarifas de energia elétrica que abalou as empresas do setor, o dos transportes e as desonerações que enfraqueceram as contas públicas brasileiras, já fragilizadas, 7,2% seria a nossa inflação. Essa é a inflação condizente com o comportamento histórico dos preços administrados.
E daí, dirão alguns? Bem e daí que a Petrobras claramente já não aguenta a carga que lhe foi imposta para apresentar um bom desempenho inflacionário para a sociedade e salvaguardar a “popularidade” da Presidente. E daí que a manutenção dos demais congelamentos gera custos expressivos para os cofres públicos. No caso da energia elétrica, eles estão escondidos na emissão de títulos do Tesouro para a CDE, a Conta de Desenvolvimento Energético, o fundo criado para ressarcir as empresas do setor e que está fora do orçamento para não impactar a dívida bruta do País. Só em agosto o Tesouro emitiu R$ 800 milhões para a CDE. Em julho emitira R$ 518 bilhões – são R$ 1,3 bilhão em dois meses. Para acrescentar ofensa à injúria, a meta de superávit primário para o ano já está comprometida pelas desonerações e pelo ônus de custear a redução das tarifas de transporte. A corda já está esgarçada.
Quando arrebentará? Eis a questão. Pode não ser hoje, pode não ser no ano que vem. Mas um dia, contribuinte, um dia, consumidor, a conta vai chegar. Sobre isso a Presidente não fala. Isso é coisa para…para quem mesmo? Ah, para os velhos-jovens do Restelo. Aquela gente que se preocupa com o que vem pela frente, que não sabe viver o presente.