Opinião

“Não mais um dia como tantos outros”, artigo de Leda Tâmega

Foto: George Gianni/PSDB

Artigo de Leda Tâmega, segunda secretária do PSDB-Mulher

George Gianni / PSDBO sol dourado no entardecer do Planalto Central vai-se despedindo de mais um dia como tantos outros, deixando atrás de si um braseiro ofuscante, cercado de todos os possíveis tons de vermelho, laranja e amarelo, colorindo com reflexos rosados as esparsas nuvens que o contemplam à distância. Um espetáculo que só Brasília consegue encenar. Aparentemente, a rotina da natureza se repete, sempre com novas formas e cores, envolvendo-nos numa aura de encantamento. É assim o figurino outono/inverno do céu do cerrado, que estou mais uma vez a apreciar e cuja fama já corre o mundo. Tudo igual, dirão. Apenas mais um dia como tantos outros… Será?

Não é. Impossível, depois das mobilizações de junho, contemplar com a mesma serenidade, o espetáculo rotineiro do céu brasiliense. Na verdade, estamos sob o impacto de um fenômeno ainda inexplicável. A lembrança do forte clamor vindo das cidades, de norte a sul do país, sacode-nos, arrebata-nos do mágico enlevo, confrontando-nos com uma realidade nova e inquietante. A explosão repentina e indomável de protestos, principalmente contra a má qualidade dos serviços públicos e a corrupção que grassa como erva daninha nas hostes estatais, mostrou que o Brasil acordou e quer se fazer ouvir. Não aceita mais ser comandado pela trupe de saltimbancos incompetente e predadora, que há mais de dez anos dispõe do país como um bem de sua propriedade, privilegiando os interesses de um partido político e de seus aliados, usando o dinheiro público para barganhar apoios na classe política, nos meios financeiro e empresarial e na vasta camada de pobres e desinformados, com o fito de se perpetuar no poder.

Essa desgraça que se convencionou chamar de “lulo-petismo”, qual um enxame de famintos cupins, vive de corroer o erário, a máquina administrativa, as instituições, os princípios e valores da convivência social, democrática e republicana, tornando-se muitas vezes uma ameaça frontal às liberdades individuais e ao estado democrático de direito. Enfim, um sistema que primou por atentar contra as regras mais comesinhas do “governar para o povo e pelo povo”.

Quando os brasileiros entregaram, simbolicamente, pelo voto, a faixa presidencial a Lula, em janeiro de 2003, esperavam ver cumpridos compromissos que defendia nas várias campanhas em que saíra derrotado. Na verdade, a extraordinária habilidade do “filho do Brasil” em se comunicar com o povo e a avalanche de propaganda que cercavam sua figura, suas ações e suas bravatas, aliadas à enxurrada de dinheiro distribuída à grande massa iletrada, criaram uma cortina de fumaça que toldou o entendimento dos menos esclarecidos, mas não impediu que abastados protegidos do soberano fechassem olhos, boca e ouvidos aos insistentes sinais de degradação moral do reino.

A tudo a maioria da população parecia assistir inerte, enquanto os desmandos, malfeitos e abusos de poder se multiplicavam, sem que os culpados fossem julgados ou punidos, até que, ao assumir o mandato, a sucessora/delegada de Lula ensaiou uma faxina moralizadora, ao demitir ministros apontados como cúmplices de graves irregularidades em suas pastas, o que significava, para muitos, um sinal de mudança. Hoje, sabe-se que a tal faxina era para inglês ver, já que alguns dos acusados voltaram a ocupar postos no governo. A sobrecarregar ainda mais o prato negativo da balança governamental somaram-se a volta da inflação e o fato de a “Presidenta” preocupar-se primordialmente com a reeleição em 2014.

Se já não bastassem as lambanças do Planalto, também o Congresso Nacional vinha provocando seguidamente a ira da população por abrigar grande número de políticos acusados de corrupção e outros graves delitos, sem falar nos mensaleiros contemplados com altos cargos em importantes comissões parlamentares. As tensões exacerbaram-se com a eleição de políticos “ficha-suja” para a Presidência das duas Casas. Esse feito inédito desencadeou o movimento “Fora Renan”, lançado a partir das redes sociais, que ganhou grandes proporções, culminando com uma petição, veiculada pela Internet, que recolheu mais de um milhão e seiscentas mil assinaturas contra a permanência de Renan Calheiros na presidência do Senado Federal.

Ainda assim, os ânimos da população mantinham-se serenos, talvez acalentados pela esperança de uma correção de rumo com a proximidade do último ato do julgamento da Ação Penal 470 e a conseqüente punição dos 25 réus condenados nesse processo – conhecido como “Mensalão” -, símbolo do estigma de corrupção que pesa sobre o Partido dos Trabalhadores e seus dirigentes, dentre os quais José Dirceu, apontado pelo Procurador Geral da República como o “chefe da quadrilha”.

Até quando, Catilina, …

Quando menos se esperava, eis que a inércia se rompe e multidões tomam as ruas do país. O coro dos indignados, que, a princípio, se manifestava como um protesto contra o aumento das tarifas de transportes urbanos, reverberou em todas as direções, assumindo proporção equivalente às incontáveis insatisfações que se acumulavam na cota de tolerância dos brasileiros. Era a gota d’água que faltava para transbordar o copo, liberando toda a santa ira há muito represada contra os abusos dos poderes públicos e suas danosas consequências para o bem-estar da população, a estabilidade das instituições e o desenvolvimento do país.

O Gigante acordou! Estão dizendo. Espantoso, mas é verdade. Simples, assim. Acordou e fez ecoar seu brado retumbante. É prudente que os governantes ouçam bem o que ele está a dizer, parem de agir com espertezas, e procurem atender as suas demandas, jogando limpo e aberto. Mas Dilma Rousseff parece não ter entendido bem o recado das ruas e, guiada por pesquisas e maus conselheiros, tem feito várias “barbeiragens”. Caso insista em seguir a cartilha do improviso e da marquetagem poderá pôr em risco a própria governabilidade, criando condições para que o céu flamejante do inverno de Brasília transforme-se num inferno negro de pesadas nuvens, prontas a fazer desabar violentas tempestades sobre os quatro cantos deste solo venerável, símbolo de independência e liberdade, que – em honra da democracia tão arduamente reconquistada – defenderão até a morte os filhos da mãe gentil e amada pátria.