Após três anos e meio de tramitação, o Senado Federal aprovou por unanimidade o Marco Legal das Ferrovias. Projeto de minha autoria (PL 261/2018), o texto regulamenta o dispositivo constitucional que prevê a exploração de ferrovias por autorização da União. A matéria ainda vai à Câmara dos Deputados, mas, diante do elevado consenso construído no Senado, deverá ser aprovada ainda neste ano.
O PL resultou de uma preocupação com o baixo crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) dos anos anteriores à sua apresentação (2018). Em 2015, a soma de todas as nossas riquezas havia recuado 3,5%, com nova queda (-3,3%) em 2016. No ano seguinte, um avanço de apenas 1,3%. O contexto não deixava dúvidas: passava da hora de apresentarmos uma alternativa aos gargalos logísticos do País.
Ainda no recesso de janeiro de 2018, nos debruçamos em uma agenda fundada na revisão periódica de gastos e limite da dívida como âncora fiscal, além de medidas para aumentar a produtividade da economia. Nesse contexto, apresentei projetos para melhorar a regulação de setores estratégicos para atrair investimentos em petróleo, gás, saneamento básico e ferrovias.
Preocupou-me a excessiva dependência brasileira em relação ao modal rodoviário e seus custos associados. Por isso, focamos a pesquisa em um entendimento mais amplo dos gargalos do nosso setor ferroviário e em modelos internacionais bem sucedidos. Às vésperas da finalização do texto, o Brasil foi surpreendido com a greve dos caminhoneiros, e se viu paralisado de 21 a 30 de maio daquele ano, enfrentando desabastecimento de insumos básicos, inflação e queda do PIB de abril.
Enquanto o governo da época se debruçava em estudos para reduzir a tributação dos combustíveis, responsáveis por 45% do preço do produto, para debelar a greve, o projeto começou a tramitar. Curioso notar que, passados mais de três anos, o atual governo também luta para baixar o preço dos combustíveis com medidas insustentáveis e tenta jogar a culpa pela alta nos impostos estaduais.
O novo Marco Legal das Ferrovias é estruturante, cria um arcabouço regulatório atrativo para o investimento privado em ferrovias e fomentar a competição entres os modais, como forma de controlar os preços de transporte no Brasil. Pus atenção na legislação dos Estados Unidos adotada nos anos 80, que reduziu o preço do frete ferroviário pela metade, além de proporcionar o aumento do volume de cargas e produtividade que cresceram, respectivamente, 100% e 150%.
Atualmente, as nossas ferrovias são exploradas nos regimes de concessão e permissão. Processos burocráticos, que não conseguem atender a demanda do mercado, principalmente em linhas de curta distância. Nestes modelos, a regulamentação impõe de restrições à atividade econômica da concessionária, e em contrapartida, reduz as incertezas de seu investimento.
No regime de autorizações os riscos são maiores para o investidor, mas este sofre menos controle estatal sobre suas atividades, o que implica em mais oportunidades de retorno sobre o capital investido. A nova legislação desburocratizará o acesso ao mercado ferroviário e criará incentivos para a interconexão da malha ferroviária nacional.
Outro aspecto fundamental será a inserção do setor privado na coordenação de ações e na normatização técnico-operacional por intermédio da autorregulação, dando maior celeridade à modernização da indústria ferroviária.
Além disso, as empresas poderão explorar economicamente o entorno das estações, experiência exitosa do Japão. A ideia é criar sinergia entre a exploração ferroviária e imobiliária, por meio da criação de estacionamentos, quiosques, restaurantes, lojas, entre outras áreas comerciais, para aproveitar o grande fluxo de passageiros. Será um poderoso instrumento dos prefeitos para revitalização de áreas urbanas e criação de novos bairros.
Outras importantes inovações foram acrescidas pelo relator do meu projeto no Senado, o senador Jean Paul Prates. Destaco a inclusão de mecanismos para resgate e viabilização de ferrovias abandonadas. A medida permitirá a recuperação de 8 mil km abandonados na malha brasileira. A reutilização da faixa de domínio dessas ferrovias pode representar a economia de 33% no custo total dos novos projetos.
A votação unânime do projeto foi alcançada com a inclusão de dispositivos importantes, como a adaptação dos contratos, para permitir a migração das concessionárias de regime público para regime privado, em condições específicas; o investimento cruzado, que garantirá a aplicação de pelo menos 50% dos recursos nos estados em projetos ferroviários; e o compartilhamento da infraestrutura ferroviária, motivo de acalorados debates, ficou assegurado para as ferrovias concedidas em regime público e restrito para as autorizações em regime privado.
Tenho certeza que esse Marco Legal das Ferrovias trará um novo vigor para indústria ferroviária nacional e será um divisor de águas para a nossa infraestrutura. Agora, caberá à Câmara dos Deputados dar celeridade na sua aprovação, afim de colocar o Brasil nos trilhos do crescimento.
*José Serra é senador pelo PSDB em São Paulo (SP)