Opinião

“Destravando o mercado de gás”, por Elena Landau e Adriano Pires

* Publicado na edição desta terça-feira (24) do jornal Valor Econômico

Industria-de-gas-Foto-Divulgacao1-e1380026026736Foi publicado no Diário Oficial da União de 27/08 o decreto nº 8.082, da presidente Dilma Rousseff, reduzindo para zero a alíquota de PIS/Pasep e Cofins para carvão mineral destinado à geração de energia elétrica. Mais uma vez, o governo optou por desonerar um combustível poluente, prejudicando a competitividade de outro concorrente mais limpo, como é o caso do gás natural. Ainda assim, nenhuma térmica a carvão fechou contratos de venda de energia no leilão A-5 ocorrido em 29/08, apesar de vários projetos terem sido habilitados. Representantes do setor alegam que o preço-teto foi baixo para a remuneração do investimento e a recente alta do câmbio foi um ingrediente a mais na diminuição da atratividade. É mais um exemplo dos improvisos do atual governo: estabelecer um preço-teto incapaz de viabilizar os projetos, conceder incentivo fiscal sem planejamento e, nem assim, viabilizar o investimento.

Não se trata de ser contra desonerações fiscais. Elas são legítimas e devem ser utilizadas como forma de incentivar novas fontes. No entanto, esses incentivos devem ser concedidos de forma planejada, no âmbito de um plano geral para o setor energético brasileiro. É evidente a desorientação do governo na política energética.

O governo já havia cometido este mesmo equívoco ao desonerar a gasolina por meio da zeragem da alíquota da Cide, com o objetivo de minimizar o impacto dos reajustes do preço de tal combustível na inflação. As consequências para o setor todos já conhecem. Segundo dados da Unica, nos últimos cinco anos, 43 usinas foram desativadas e outras 36 entraram em recuperação judicial. Desde 2008, nenhuma decisão de instalação de nova usina foi tomada no país. Só quatro unidades estão previstas para entrar em operação até 2014, mas são projetos que foram decididos antes da crise. O resultado é que em vez de nos tornarmos a “Arábia Saudita Verde”, passamos a não ter etanol, nem mesmo para suprir as necessidades domésticas.

Voltando ao mercado de gás natural, as políticas intervencionistas de curto prazo e a falta de planejamento amplo para o setor energético no Brasil também já vêm prejudicando o setor, antes mesmo da desoneração do carvão mineral, fazendo com que o Brasil passe ao largo da “revolução do gás”, que acontece em outras partes do mundo.

Nos últimos dez anos, o mercado mundial de gás natural passou por uma série de mudanças, como o desenvolvimento da produção de gás não convencional e o aumento do comércio internacional de Gás Natural Liquefeito (GNL). Essas mudanças transformaram a dinâmica mundial do mercado de gás natural, com aumento da oferta e redução do preço do produto. No Brasil, o caminho tem se mostrado bem diferente. A produção encontra-se quase estagnada e o preço elevado, sendo mais um ingrediente para a perda de competitividade da indústria, que acaba se refletindo no crescimento baixo do PIB, observado nos últimos trimestres. Pode-se observar que determinados segmentos da indústria estão trocando o gás natural por outro energético mais barato, ou que estão deixando o país para se estabelecer em países nos quais o gás natural tem preço mais competitivo.

No setor de gás natural a falta de planejamento e de regulação é total. Sequer existe uma política especifica para o gás Os motivos são bastante conhecidos. O monopólio desregulado da Petrobras; um mercado totalmente verticalizado; uma política de preços onde convivem cinco preços diferentes: gás boliviano, gás nacional, gás para térmicas, gás para fertilizantes e GNL; uma política de livre acesso a gasodutos que não funciona e a presença de um único ofertante.

Adriano Machado/Bloomberg / Adriano Machado/Bloomberg
Por causa desse monopólio de fato, a matriz elétrica brasileira é totalmente dependente da Petrobras e foi exatamente a indisponibilidade de gás para os leilões de energia que trouxe o carvão de volta para nossa matriz, como também já obrigou, em tempos de hidrologia negativa, o uso de térmicas a óleo. Não é por acaso que ao longo dos últimos anos observa-se o crescimento de fontes poluentes, numa matriz até então exemplarmente limpa.

Com menos intervenção, mais planejamento, menos monopólio e mais mercado no setor de gás natural poderíamos aumentar a oferta de forma diversificada, criando um mercado de concorrência, em que o livre acesso aos dutos existiria de fato e as concessões de todas as distribuidoras de gás natural poderiam ser entregues a empresas privadas. Assim, finalmente, promoveríamos a desverticalização da indústria de gás no Brasil, política adotada em todos os países que possuem um mercado maduro e competitivo de gás. Neste sentido, a Petrobras poderia incluir em sua política de desinvestimento seus ativos na área de gás, como suas participações em distribuidoras e mesmos dutos, em vez de vender participações em campos de petróleo, que é o seu core business e compromete o futuro da empresa. Não faz sentido uma petroleira do tamanho da Petrobras possuir ativos no dowstream da indústria de gás, o que faz sentido é, por meio de contratos, assegurar a passagem do seu gás. Calcula-se que os ativos de downstream de gás natural da Petrobras possam valer algo em torno de R$ 30 bilhões.

Os efeitos da política míope curto-prazista estão produzindo estragos e criando grandes esqueletos em todas as áreas do setor energético brasileiro. A falta de políticas de longo prazo e de incentivos corretos está gerando distorções e desequilíbrios nos diferentes mercados. O principal efeito tem sido o desalinhamento entre demanda e oferta internas, que se traduz no aumento das importações, desequilíbrio de preços relativos e redução de investimentos. Além disso, estamos desperdiçando uma enorme vantagem comparativa que é a diversidade e abundância de fontes energéticas. A correta exploração dessas riquezas, certamente, nos tornaria um país mais competitivo e eficiente.

* Elena Landau é economista, advogada, sócia de Sérgio Bermudes Advogados, presidente do Instituto Teotonio Vilela do Rio de Janeiro

* Adriano Pires, doutor em economia, é diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE)