Opinião

“A vida dos que não sabem se voltam para casa”, por Yeda Crusius

Nós, mulheres, os ouvimos quando estão no nosso ventre. Depois de nascidos, os ouvem primeiro os de casa, logo após os das creches e escolas, quando já aprenderam a falar e vão aprendendo a se expressar das mais diversas maneiras – e são essas diversas maneiras que vão além do falar. Precisamos aprender a “ouvir”, a nossas crianças e jovens, para os quais já está incorporada a noção de que podem não voltar para casa devido à epidemia de violência que grassa pelo país – e pelo mundo, segundo os noticiários que se sucedem pelas horas do dia.

O ser política é, para mim, a representação dos que não tem voz nas grandes decisões, aquelas que, paradoxalmente, são as que mais impactam suas vidas, e que estão sob nossa responsabilidade de políticos tomar. Meu foco sempre foi tomar o pulso dessa parcela da população, seja pelas estatísticas, seja em sala de aula, seja buscando saber como vivem, como pensam, o que desejam. E o que não desejam, o que querem mudar nessas que são as circunstâncias que tornam suas vidas mais incertas, mais perigosas, menos alegres.

Se todos, crianças e jovens estivessem na escola diariamente, e ali encontrassem um local seguro para aprenderem e viverem de forma integral, interagindo com os das casas onde vivem – como quis fazer o Bolsa Escola do prefeito Grama e depois do Ministro Paulo Renato – meio caminho já estaria andado, e o tráfico não as aliciaria nas ruas. Não tem sido assim.

Nada me aflige e preocupa mais do que o aumento da violência principalmente nas periferias das grandes cidades, onde são mortas, todos os dias, crianças e jovens que saem de suas casas para brincar, estudar, trabalhar ou fazer compras e simplesmente não voltam. Vidas interrompidas em um desperdício de talento e sonhos. Cada morte mata um pouco do futuro do Brasil. O país está em guerra urbana e são nossos jovens os grandes perdedores. Se continuar assim seremos, mais cedo do que a tendência etária normal apontaria, uma nação de velhos, como tenho alertado desde a minha primeira campanha à prefeitura de Porto Alegre em 1996, quando expus a triste realidade: no RS nascem mais meninos que meninas, mas ao chegar à faixa dos 25 anos, essa realidade se inverte. Brutal. É preciso agir rapidamente, para interromper essa escalada insana, com políticas públicas integradas, que tratem o ambiente em que a violência está instalada de modo completo, não apenas com repressão.

Ouvir é o primeiro passo para transformar a realidade

Quando governadora, convidei jovens das comunidades mais afetadas para atuar como agentes da paz, em uma das ações que compunham meu PPV – Plano de Prevenção à Violência, com resultados extremamente positivos. É importante que jovens adultos como Patrick Batista, morador de Satuba, a 22 km de Maceió, que aos 19 anos já perdeu a conta dos amigos que perdeu assassinados por envolvimento com o tráfico, participem para tornar saudável e seguro o ambiente em que vivem. E que moças como Nayara Moreira, 20, digam o que acham ser preciso para voltar a caminhar tranquilas pelas ruas de Eusébio, em Pernambuco, sem medo da truculência da polícia. Esforço conjunto pelo bem comum.

Durante um só fim de semana, no Rio de Janeiro, mãe e filha morreram tentando proteger uma à outra em meio a um tiroteio entre policiais e traficantes e, pouco depois, uma grávida de nove meses foi baleada em confronto exatamente igual. Duas balas atingiram seu bebê, que luta pela vida. Situações extremas. Não é natural mãe e filha morrerem no mesmo dia, a não ser em catástrofes. Um bebê prestes a nascer deveria estar seguro no ventre da mãe, é a Lei da Vida. Um passo fundamental para transformar a realidade em que vivem – e morrem – estas pessoas é conhecê-la, e ouvir os jovens é confirmar que estamos perdendo muitos, e muitos para o tráfico, que substitui o Estado principalmente nas comunidades mais carentes. E então agir para podermos construir o mundo que sugerem, que desejam, e para que bebês possam nascer em um Brasil que seja bom de se viver.

*Yeda Crusius é economista e deputada federal pelo PSDB/RS em seu quarto mandato. Já ocupou os cargos de Ministra do Planejamento e Governadora do RS.