Opinião

“Esclerose múltipla e cannabis medicinal: vida plena é possível”, por Mara Gabrilli

Ela chega como uma visita inesperada e indesejada. Alguém que você não conhece mudando o ritmo da sua rotina, te atrapalhando em coisas que antes eram feitas organicamente. O que parece comum, como um formigamento nas mãos ou um borrão nas vistas, começa a te prejudicar no trabalho, nos afazeres corriqueiros e no levantar da cama. É assim que a esclerose múltipla bate à porta do nosso maior e principal refúgio: nosso corpo.

Para algumas pessoas, chegar ao diagnóstico da EM é rápido, para outras leva muitos anos. Mas fato é que os danos, sejam físicos ou emocionais, acontecem com todo mundo. E é sobre como superar esses obstáculos que quero falar hoje: é possível fazer da esclerose múltipla uma visita menos incômoda, utilizando a cannabis medicinal como tratamento de apoio.

É assim que tem feito a atriz Guta Stresser, que recentemente abriu para o Brasil o diagnóstico da EM e revelou fazer uso do CBD para atenuar os principais sintomas dessa doença que atinge pessoas no auge da vida.

O canabidiol e o THC (sim, ele também!) tem sido uma das alternativas encontradas por muitos pacientes para reduzir o impacto da doença e melhorar a qualidade de vida.

Relaxamento muscular, redução de náuseas e vômitos e estimulação do apetite são alguns dos benefícios do THC. Já o CBD, alguns dos efeitos são de ordem analgésica, anticonvulsionante e ansiolítica. Ou seja, ambos os canabinóides são benéficos. Negar o acesso à cannabis medicinal para esses pacientes é o mesmo que dizer: “pare a vida, você não consegue fazer mais nada!”.

Como alguém que perdeu os movimentos do pescoço para baixo, aos 26 anos de idade, sei o quanto ouvir isso pode doer. Tirar de uma pessoa a possibilidade de produzir é perverso – ainda mais quando falamos de pessoas no auge de suas trajetórias.

Sei que muita gente pensa que a esclerose múltipla é uma doença de velhinhos, mas isso não é verdade. No Brasil ela atinge cerca de 35 mil pessoas, em especial adultos com idades entre 20 e 40 anos – e 75% dos pacientes são como nossa eterna Bebel, mulheres.

Apesar de termos no próprio SUS uma gama de drogas eficientes para o tratamento das lesões que acometem o cérebro e a medula espinhal (sinais característicos da esclerose múltipla), há uma série de sintomas e pseudo-surtos da doença que atrapalham a qualidade de vida dos pacientes, como a fadiga, os espasmos, os problemas de memória, as alterações na visão, as mudanças de humor, entre outros. E tudo isso pode ser atenuado com o suporte da cannabis medicinal.

Conviver com a esclerose múltipla exige tolerância e energia para lidar com o intangível. O preconceito e a falta de informação ainda são barreiras a serem derrubadas. A outra muralha é içada pelo Estado brasileiro, que ainda não entendeu que regulamentar a cannabis medicinal é para ontem. Não faz sentido garantir tratamento apenas a quem pode pagar, assim como não é coerente a saúde pública entrar na esteira da judicialização.

Costumo dizer que a minha ideia de felicidade está intimamente ligada à vontade de produzir e realizar. A cannabis medicinal converge nesse pensamento. Para mim, para as pessoas com EM, assim como outras tantas patologias, é essa planta que dá a possibilidade de viver sem perder a oportunidade de se explorar, se desafiar, se reinventar.

E isso é o que motiva, movimenta e dá graça à vida.

*Mara Gabrilli é senadora da República pelo estado de São Paulo, representante do Brasil no Comitê da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e fundadora do Instituto Mara Gabrilli.