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Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa: Líderes religiosos defendem coexistência e compartilham ensinamentos para combater a intolerância

G1 ouviu padre, pastor, médium, mães de santo e rabino sobre como combater a intolerância religiosa — Foto: Fábio Tito/G1; Jorge Soares/G1

No Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, reportagem especial do G1 ouviu representantes das principais religiões do Brasil. Padre, mães de santo, médium, pastor e rabino veem nas próprias crenças caminhos para o respeito e o convívio.

No Dia Nacional do Combate à Intolerância Religiosa, o G1 dá voz a seis líderes das principais religiões do Brasil. Eles explicaram alguns preceitos que definem cada fé, e buscaram dentro dos ensinamentos de suas religiões a sustentação para defender a coexistência pacífica, combatendo o preconceito religioso (veja vídeo acima).

Na quarta-feira (20), o Instituto de Segurança Pública do Rio divulgou que o estado do RJ contabilizou 1.355 crimes em 2020 que podem estar relacionados à intolerância religiosa.

Os dados mais recentes do Ministério dos Direitos Humanos em balanço sobre denúncias telefônicas, de 2019, não têm registro da religião da vítima em mais de 65% dos 354 casos. Dos 121 restantes, 73 eram de religiões de matriz africana, sendo 26 da Umbanda e 18 do Candomblé. Espíritas também aparecem como vítimas de 18 denúncias. Católicos registraram 12 denúncias, e evangélicos, 8.

Pesquisa publicada no ano passado aponta que o país tem metade da população composta por pessoas que se declaram católicas. Evangélicos representam 31%; espíritas, 3%; Umbanda, Candomblé e outras religiões afro-brasileiras somam 2% da população, e judeus são 0,3%. Além disso, 10% dizem não ter religião, 2% se identificam com outra religião e 1% se define como ateu.

Catolicismo

O padre Renato Gentile na Diocese de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, após entrevista ao G1 sobre o combate à intolerância religiosa — Foto: Jorge Soares/G1

Uma das peculiaridades do catolicismo é a crença na Santíssima Trindade, conforme explica o padre Renato Gentile. “Como católicos, nós somos monoteístas. Cremos em um só Deus que se manifesta em três pessoas divinas: Pai, Filho e Espírito Santo”.

Renato Gentile tem 51 anos e é padre da Diocese de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, desde 1999.

Evangélicos

O pastor evangélico Ricardo Gondim, da Igreja Betesda de São Paulo — Foto: Fábio Tito/G1

As figuras de Jesus e da Bíblia definem a fé evangélica, segundo o pastor Ricardo Gondim, da Igreja Betesda de São Paulo. “Basicamente eu diria que todas as igrejas que se dizem evangélicas confessam Jesus como senhor e salvador, e creem na Bíblia como sendo a revelação de Deus, ou contendo a revelação de Deus para nós”, afirma.

O líder religioso reforça que Jesus Cristo foi o grande exemplo e modelo de coexistência para seus seguidores, pois conviveu com pessoas de outras religiões de forma pacífica. “Jesus disse a respeito de um centurião romano, de origem pagã, que ele nunca tinha visto em Israel uma fé semelhante à daquele homem”, exemplifica o pastor lembrando de uma passagem bíblica.

“A coexistência é possível quando eu não vejo o outro como um inimigo a ser ganho. Eu vejo o outro com as suas peculiaridades, as suas diferenças. Ele é diferente de mim. Eu não preciso concordar com tudo dele. Mas eu respeito as opções, as escolhas que ele faz. Não só no campo da espiritualidade, mas no campo da convivência humana”, resume o líder evangélico.

Ricardo Gondim tem 67 anos, é pastor da Igreja Betesda de São Paulo e líder das igrejas Betesda no Brasil. Ele é formado em teologia e em administração de empresas, e é mestre em ciências da religião.

Espiritismo

O médium Paulo Roberto Matos, no Centro Espírita Lar de Frei Luiz, em Jacarepaguá, Zona Oeste do Rio de Janeiro — Foto: Jorge Soares/G1

O Kardecismo foi fundado pelo pedagogo francês Hippolyte Léon Denizard Rivail, no século XIX, que, ao publicar O Livro dos Espíritos, adotou o pseudônimo Allan Kardec. De acordo com a Federação Espírita Brasileira, a doutrina proposta pelo professor Rivail tinha um caráter não apenas religioso, mas também “científico e filosófico”.

O médium Paulo Roberto Matos explica que o espiritismo tem quatro fundamentos principais: a existência de uma única divindade, a imortalidade da alma, a comunicação com os desencarnados (que ocorre através de pessoas com um dom chamado mediunidade) e a evolução espiritual. “A evolução ocorre através de sucessivas reencarnações. Com isso, eles (os espíritos) vão evoluindo até alcançar o patamar próximo ou igual a, por exemplo, o Cristo”, afirma Matos.

Segundo a doutrina kardecista, as diferenças sempre existiram e são parte da sociedade. Mas, por acreditar em um único Deus, todo caminho que leve a ele é válido. “Preconceito é uma coisa mais do homem do que propriamente da instituição religiosa. Nós entendemos que todas as religiões têm seu lado positivo”, defende o líder espiritual.

Além de médium, Paulo Roberto Matos é vice-presidente do Centro Espírita Lar de Frei Luiz, localizado em Jacarepaguá, na Zona Oeste do Rio de Janeiro. Também é médico e ex-professor da Uerj.

Umbanda

A ialorixá de Umbanda Dayse de Freitas, do templo Cabana Pedra Verde, no Rio de Janeiro — Foto: Jorge Soares/G1

A Umbanda surgiu com esse nome em 1908. O culto teria sido criado pelo Caboclo Sete Encruzilhadas, entidade que, segundo a religião, manifestava-se através do médium Zélio de Morais. Ao fundar a religião, o espírito teria reunido práticas de diversas culturas.

A ialorixá Dayse de Freitas explica que a Umbanda é uma religião cristã, uma vez que considera Jesus Cristo o maior de todos os médiuns. “Jesus Cristo, para nós, é Oxalá. Ele é considerado o primeiro e grande médium da Umbanda. Nós acreditamos muito na força de todos os orixás, que têm seus sincretismos com os santos católicos”, diz a líder espiritual. Segundo ela, o culto à natureza também é um fundamento da crença.

Os ritos da religião são todos voltados para a caridade, que é a principal finalidade da Umbanda, assim como o respeito a todos os indivíduos. “Respeito é tudo nessa vida. Eu posso não amar, mas eu tenho que respeitar”, diz a mãe de santo.

A ialorixá de Umbanda Dayse de Freitas tem 57 anos, é líder do templo Cabana Pedra Verde, no Rio de Janeiro, diretora social e professora da Federação Brasileira de Umbanda. Também dá aulas em cursos de extensão na Universidade Estadual do Rio de Janeiro.

Candomblé

A ialorixá Cláudia de Oya, do Ilê Axé Alaketu Ifá Omo Oya, em Guarulhos — Foto: Fábio Tito/G1

O Candomblé tem sua origem ligada ao fim da escravidão no Brasil, quando as casas de axé funcionavam como base para “os velhos, que não serviam mais para trabalhar; as crianças, que eram ventre livre e ficavam na rua”. É o que explica a ialorixá Cláudia de Oya, da casa Ilê Axé Ifá Omo Oya.

“As casas de axé foram uma maneira de preservar o nosso povo. E digo que isso acontece até hoje, as casas de axé são polos de resistência. Quando está mais difícil, quando a pessoa não tem dinheiro mais para comer, é na casa de axé onde eles encontram abrigo. Aqui nesta casa eu já abriguei oito famílias de uma vez só, dentro deste espaço”, conta a líder espiritual.

Mãe Cláudia diz ver uma “falta de respeito ao ser humano, ao seu próximo” em situações de intolerância não raras na atualidade. “Nós não cultuamos livros, nós cultuamos nossa ancestralidade. Mas nós sabemos respeitar o outro, respeitar a fé do outro. E dentro da fé desse outro, tem um livro sagrado em que existem 10 mandamentos. E eu gostaria que respeitassem pelo menos um só: honrar ao seu próximo como a si mesmo”, diz a ialorixá.

Mãe Cláudia de Oya tem 48 anos, é educadora social, ialorixá há 27 anos e criou a casa Ilê Axé Alaketu Ifá Omo Oya em 1999. Atuante no combate à intolerância na sociedade civil, foi presidente do Conselho Municipal de Promoção da Igualdade Racial de Guarulhos.

Judaísmo

O rabino Ruben Sternschein, da Congregação Israelita Paulista, após entrevista ao G1 sobre intolerância religiosa — Foto: Fábio Tito/G1

O Judaísmo não define a si próprio como uma fé, “se concentra na vida e no mundo aqui e agora, acreditando que todo o restante, embora importante, é especulativo”. É assim que define o rabino Ruben Sternschein, da Congregação Israelita Paulista (CIP). “O urgente no Judaísmo é a injustiça, o sofrimento, o sentido, a busca pela paz, a busca pela realização. O mendigo é urgente, é concreto, ele está lá, não é uma especulação. Deus, uma vida anterior e uma vida posterior são”, define.

A incerteza da fé é um dos três motivos que o líder religioso lista para justificar a necessidade da pluralidade religiosa. O segundo é a complementaridade. “Justamente porque eu não posso acreditar em tudo e fazer tudo, que bom que existem outros que fazem. E desse modo conseguimos nos enriquecer a todos”, diz.

“E a terceira coisa é a mais básica. É um direito básico e inalienável, permitir que qualquer pessoa acredite em qualquer coisa, desde que essa crença não atente contra a possibilidade de outro acreditar”, completa Ruben. E complementa com uma maneira de ver o divino. “Deus é a soma dos ideais. É o modelo de imitação que desafia constantemente os valores, as aspirações e as ações de cada ser humano.”

Rabino da CIP desde 2008, Ruben Sternschein tem 54 anos, é formado em Educação, mestre em Filosofia Judaica e em Ciências Judaicas e doutor em Filosofia Judaica. Atuou como representante judaico no grupo inter-religioso da Unesco que desenvolveu o documento “Uma Ética Universal”.

Lei e como denunciar

No Brasil, o direito à liberdade de religião ou crença é garantido pelo artigo 5º da Constituição Federal, que estabelece ser “inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e suas liturgias”. A Lei brasileira também define como crime a prática de discriminação ou preconceito contra religiões, com pena de reclusão de um a três anos, além de multa.

É possível denunciar casos de intolerância religiosa pelos canais do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, seja por telefone pelo Disque 100, pelo aplicativo Direitos Humanos Brasil ou pela ouvidoria do ministério no e-mail ouvidoria@mdh.gov.br. Crimes de injúria racial, ultraje a culto e racismo podem ser denunciados em qualquer delegacia.

Reportagem Fábio Tito, Jorge Soares e Túlio Mello, G1
Com informações do G1