A importância do reconhecimento social, em relação ao trabalho desenvolvido, é inegável. Por este motivo, as propostas de gestão para resultados incluem sempre, entre seus pontos-chave, um sistema de reconhecimento dos avanços alcançados.
Reconhecer é preciso, ser reconhecido é reconfortante.
Aliás, na linha do reconhecimento, queria ressaltar que, sem dúvida alguma, nada do que foi feito naqueles quatro anos seria possível sem a existência de uma equipe competente, comprometida e aguerrida, da qual eu fazia parte. No decorrer do relato, muitos já foram citados e eu não ousaria fazer uma listagem nominal, pela certeza de que cometeria o erro imperdoável de deixar de incluir alguém. É fácil imaginar que implantar uma política pública, num país da dimensão e do nível de complexidade do Brasil, só é possível por meio de um trabalho colaborativo, envolvendo servidores públicos de diferentes setores e níveis de governo, organizações da sociedade civil, universidades, setor privado, segmentos religiosos, imprensa e voluntários.
Assim, foi muito importante, para mim, para a equipe e para os parceiros, não apenas os resultados, refletidos na melhoria dos indicadores sociais (alguns deles mensurados somente algum tempo depois), mas também nos prêmios obtidos, em função destes avanços.
A ONU reconhece os avanços das políticas sociais brasileiras
Talvez o melhor exemplo seja a premiação a que fez jus o presidente Fernando Henrique Cardoso, ao final de seu mandato. Tratava-se do prêmio Mahbub ul Haq, concedido pela primeira vez pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), e entregue no dia 9 de dezembro de 2002, em Nova Iorque (EUA).
Este prêmio visava reconhecer o chefe de Estado do país que tivesse conseguido obter maior êxito na implementação de políticas públicas, visando o desenvolvimento humano de sua população mais pobre.
A escolha de Fernando Henrique para receber o prêmio da ONU foi feita por uma comissão de cinco especialistas internacionais no tema do desenvolvimento, entre eles Joseph Stiglitz, prêmio Nobel de Economia em 2000.
A comitiva presidencial era composta por diversas autoridades, como os ministros das Relações Exteriores, Celso Lafer, e da Educação, Paulo Renato Souza, o presidente do IPEA, Roberto Martins, a deputada Yeda Crusius, e eu, como ministra de Assistência Social.
O prêmio levava o nome do economista paquistanês Mahbub ul Haq, como forma de homenagear um dos criadores, ao lado de Amartya Sem, do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH).
Segundo relatório divulgado pelo governo brasileiro, entre os avanços alcançados pelo país, e que contribuíram diretamente para a escolha de Fernando Henrique para o prêmio, estavam, dentre outros, a implementação do Projeto Alvorada, a presença de quase 100% das crianças na escola, a redução do trabalho e da mortalidade infantis, o pagamento de indenização para familiares de vítimas da ditadura, o aumento em 27% do salário mínimo, a redução das mortes por Aids, e o assentamento de quase 600 mil famílias,.
Não sei se dá para imaginar minha emoção ao participar da cerimônia da entrega deste prêmio, na sede das Nações Unidas. Para mim, representou o coroamento do trabalho colaborativo na dura tarefa de implantar políticas e programas voltados para o enfrentamento dos principais problemas que afetam nosso país: a pobreza e a desigualdade.
Reconhecimento pessoal
Apesar do mantra de minha avó, de que “elogio em boca própria é vitupério”, não posso deixar de mencionar que, além deste incrível reconhecimento internacional do trabalho desenvolvido pelo Brasil na área social, tive a honra de receber uma série de comendas e títulos de cidadania que me enchem de orgulho.
Sem dúvida, o mais importante foi o de Grande Oficial da Ordem de Rio Branco.
Além deste, o exército me distinguiu com mais duas comendas: a Medalha do Pacificador e a Medalha do Pacificador com Palma. Em 1997 já havia recebido a Grã Cruz de Ordem ao Mérito do Exército Brasileiro.
Devo confessar que os reconhecimentos que mais me tocaram foram os títulos de cidadania. A oferta da condição de cidadã de um estado ou de uma cidade, me parece ser um ato de extrema fraternidade, com alguém considerada como amiga daquela sociedade.
Foi com grande orgulho recebi os títulos de cidadã dos estados de Goiás, Sergipe, Paraíba e Alagoas, além da cidade de João Pessoa e de Goiânia. Bem mais tarde, recebi também do estado do Pará, por conta de minha atuação no Pacto pela Educação do Pará, que teve um sabor especial, por ser a terra de minha mãe. Mas isto é outra história!
Fui agraciada também com as comendas mais importantes dos estados de Alagoas (Palmares), Piauí (Independência), Brasília, Tocantins e Paraná (Ordem Estadual do Pinheiro).
O day after
No início do governo Lula, apostava-se no Fome Zero, como principal estratégia de diminuição da pobreza. Os dados de pesquisa, realizada pelo Partido dos Trabalhadores, estimavam em 40 milhões o número de desnutridos. Voltava-se à ideia da pobreza como fenômeno natural, cujo principal sintoma – a fome – precisava ser aliviado, como na primeira geração de políticas de combate à pobreza.
Quando foi anunciada a decisão de focalizar a política de combate à pobreza no Fome Zero, obtendo aprovação nacional e internacional (BID e Banco Mundial aplaudiam a iniciativa), comecei a ser foco do interesse da imprensa, para que expressasse minha opinião sobre o tema. Entrevistada pela Folha de São Paulo, acabei sendo instada a declarar que o país já havia avançado muito na concepção das políticas públicas, com o Projeto Alvorada e a Rede de Proteção Social. Além disto, dispúnhamos de um Cadastro Único das Famílias Pobres, que propiciava a integração dos programas da Rede de Proteção Social e a expansão de sua cobertura. Não tinha, portanto, sentido, voltar a distribuir cestas básicas para os pobres. No dia seguinte, a manchete: Ex Ministra considera Fome Zero um retrocesso! Parecia que eu era a única voz dissonante!
As primeiras avaliações do Cadastro Único foram muito negativas. Com base na identificação de alguns casos, como o de uma prefeitura, que havia colocado o endereço de sua sede em todos os cadastros, ou de um homem, erroneamente cadastrado como grávido, o CadÚnico foi “reprovado”.
Na verdade, havia sido um processo realizado “no atacado”, que deveria ser aperfeiçoado “no varejo”. Não houve tempo para isto.
Depois de um período, patinando com o Fome Zero, o governo Lula resolveu ressuscitar o CadÚnico. Ricardo Henriques, então secretário executivo do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, que havia acompanhado a implantação do cadastro, concebeu uma estratégia de integração dos programas de transferência já existentes, com base neste instrumento. Com isto, surgia o Bolsa Família.
Durante muitos anos foi negado o fato de que o CadÚnico houvesse sido concebido e implantado na administração Fernando Henrique.
Já no governo Dilma, a ministra Tereza Campello, em solenidade de lançamento do “Brasil sem Miséria”, fez questão de ressaltar a pré-existência do cadastro e sua importância para a gestão das políticas públicas. Ufa!
Para mim, a mudança de governo representou a abertura de uma nova oportunidade – a de ser contratada como funcionária do Banco Interamericano (BID), em Washington. Isto me possibilitou uma extraordinária experiência de ampliação de minha área de atuação, sem sair de meu foco profissional. Lá, durante 4 anos, quando tive de me aposentar por conta da idade, trabalhei inicialmente na Unidade de Pobreza, passando depois a chefia da Divisão de Políticas Sociais. Mas isto é também uma outra história, da qual vamos tratar na Temporada 3.
O período como Ministra de Assistência Social me fez compreender que a “cadeira” do executivo de políticas públicas de superação da pobreza talvez seja uma das mais poderosas do serviço público, neste país tão desigual.
Quando se tem um período de gestão ininterrupto, de 4 anos; quando se conta com o apoio de um chefe de estado e de uma primeira dama (desculpe chamá-la assim, D. Ruth), que acreditam na necessidade estratégica e na urgência de se enfrentar o problema da pobreza e da desigualdade; quando se tem a autonomia necessária para constituir uma equipe e para decidir sobre os princípios e diretrizes da política pública, sem interferência da política partidária; só assim é possível contribuir efetivamente para melhoraria da vida de milhões de famílias pobres neste país.
Muito obrigada, Fernando Henrique, pelo convite e pelo apoio, nestes anos em que tive o prazer e a honra de sentar-me naquela “cadeira”.