Sou fascinada pela Linha do Tempo. E por números. A Linha do tempo é um instrumento poderoso para descrever a História. Só que o tempo não anda em linha reta. Nem a vida. Pelo andar do tempo, começamos num ponto até completar a roda da vida– ou ciclo – e voltar ao ponto de origem. Não estou falando de andar para traz, de saudade do passado. A geração jovem de hoje, ao viver seu ciclo, passa a ir nos entendendo melhor conforme o tempo – que lhe permite experimentar a vida, passa. Tá. O tempo é senhor da razão. Disse. Acompanho bem de perto os movimentos de uma juventude que nasceu depois do Real de 1994, e não sabe o que é uma fila de banco. Tendo interesse de saber como vivíamos nós quando eles nasceram, vão ler nos livros de História, pesquisar no Google, ou ouvir dos que viveram antes do nascimento deles, os da geração Y.
A esses que pensam e sentem os desafios do século por um dever de geração damos aulas presenciais junto com o EAD da vida. Ainda se fala de inflação ou de um tipo de guerra chamada de Guerra Fria, do passado, mas o assunto da hora é o lançamento do smartfone 5.0, canta-se Caneta Azul, joga-se por horas na internet, identifica-se o último fake ou vazamento do Intercept. Há uma nova incubadora numa tecno-algo, um coworking à disposição, um coliving que facilita a vida e aproxima as pessoas. Curte-se o roteiro de viagem programado pelo airbnb, marca-se encontro para a data da próxima manifestação de rua. Notícias são frequentes de mais uma professora agredida, uma igreja incendiada, um tiroteio de estudante, um desastre ambiental, um ataque terrorista. Decide-se cinema ou NetFlix, vão de Uber, chamam o iFood
Perguntam sobre um conhecido que passou a ser mais um registro no crescimento vertiginoso da depressão, do autismo, de ataques de pânico, doenças incomuns para jovens do “meu tempo”. Tudo pelo celular. Ou smartfone. Qual o espírito deste tempo, que os pensadores alemães chamam de zeitgeist? O que esperam deste mundo vasto mundo, como dizia o poeta? Como tomam suas decisões? Eu sou você amanhã. Sempre gostei de ouvir os mais velhos. “Reclamando do que, para nós era muito mais difícil”. Tudo bem, mas para cada tempo suas dificuldades, não? Eu, jovem nos anos 1960, queria era viver as opções que aquela década maravilhosa nos dava – e descobrir novas e minhas próprias. Guerrilha ou paz e amor, participar dos festivais de música, tomar ou não a pílula recém-descoberta, chorar impactada com os assassinatos de Martin Luther King e dos Kennedy enquanto se vibrava com a conquista da tecnologia americana que colocou o Man on Moon. Cenas das barricadas nas ruas de Paris enquanto ia à passeata na Maria Antônia, deplorando os tanques nas ruas de Praga na sua primavera – e os revoltosos se comunicavam por radioamadores, que coisa! A Era de Aquarius era o sonho de uma Sociedade da Paz. Se tinha música, liberdade, até LSD para os que queriam experimentar o céu e o inferno (ver Huxley), para que armas? Cabia tudo.
Não avaliávamos muito os riscos – impossível calcular sobre o novo. Só incluindo o acaso, a variável aleatória dos meus modelos econométricos. Os riscos eram imensos. Logo a liberdade sexual viria se transformar em AIDS, em nome da liberdade se morria. Meu fascínio era entender pela Economia os novos tempos. O que acontecia – e acontece, foi escrito por visionários do século passado e suas impactantes tecnologias em ficções baseadas nos horrores das guerras nas quais participavam. Apaixonei-me pela imagem de Jano e pela representação da vida pela moeda e suas duas faces. Entendi que o bem e o mal eram a mesma pessoa, em Jano, e que a tecnologia atômica da “energia limpa” virou a arma que trouxe como possível a própria extinção da espécie se comandada por um Estado opressor. Cada autor que vou citar havia participado ao seu modo, como soldado ou artista ou crítico, das guerras que opunham dois mundos da era industrial: comunismo ou capitalismo.
Os“ismos”representavam as ideologias do “eles” contra “nós”. Rupturas tomam tempo e duram séculos. As nações nasceram quando o feudalismo se rompeu, e formaram grandes impérios colonizadores globalizando o mundo através do comércio. Depois novos impérios industriais vieram na esteira da Revolução Industrial, e na ruptura tem o seu espaço a Revolução Russa de 1917, I Grande Guerra, 1914/1918, Grande Depressão de 1929, Guerra Civil da Espanha (1936/1939), II Grande Guerra, 1939/1945. Os autores e suas proféticas distopias nas quais a tecnologia se desenvolvia a serviço do poder totalitário como fio condutor. (O que transcrevo aqui é editado da Wikipédia, a enciclopédia livre). “Começou com Nós , um romance distópico escrito entre 1920 e 1921 pelo russo Yevgeny Zamyatin. A história narra as impressões de um cientista sobre o mundo em que vive, uma sociedade aparentemente perfeita mas opressora, e seus conflitos ao perceber as imperfeições dele, ao travar contato com um grupo opositor que luta contra o “Benfeitor”, regente supremo da nação. Parte dela é baseada nas experiências do autor com as revoluções russas de 1905 e 1917 e no período em que trabalhou em 1916 supervisionando a construção de navios na Inglaterra. Nós foi publicado pela primeira vez em 1924, em Nova Iorque. O livro só adentrou legalmente a pátria-mãe do autor em 1988, com as políticas de abertura do regime soviético. Nós é considerada o berço do gênero (mas há outras, como A Nova Utopia, de Jerome K. Jerome, de 1891, e O Tacão de Ferro de Jack London, de 1900).
O livro leva a extremos os aspectos mais totalitários e o conformismo da sociedade industrial moderna, descrevendo um Estado que acredita que o livre-arbítrio é a causa da infelicidade e que a vida dos cidadãos deve ser controlada com precisão matemática baseada nos sistemas de precisão industrial criados por Frederick Winslow Taylor. O controle vinha pela transparência, pela invasão da privacidade, que me lembra muito as redes sociais de hoje (grifo meu). Zamyatin inclui um ambiente de casas de vidro e outros materiais transparentes, onde todos estão visíveis e um cidadão é o vigia do outro. O vídeo do celular, êpa (idem). Há influências de Zamyatin no trabalho mais conhecido do gênero: 1984 de George Orwell, que começou a escrevê-lo alguns meses após ler uma tradução francesa de Nós e ter escrito uma resenha da obra e disse que “iria tomá-la como modelo para seu próximo romance”. Na introdução à tradução em inglês de 1993, o tradutor Clarence Brown diz que, para Orwell e outros autores, Nós “parece ser ‘a’ experiência literária crucial. Jerome K. Jerome foi citado como uma influência no romance de Zamyatin. Em 1891 Jerome publicou o conto-ensaio A Nova Utopia descreve uma cidade—quiçá um mundo—abarcada por um pesadelo do igualitarismo, onde os habitantes são quase indistintos em seus uniformes cinza (como as “unifas” de Nós) e todos têm cabelos pretos e curtos, naturais ou tingidos.
Ninguém recebe nomes, apenas números costurados nas túnicas: pares para as mulheres, ímpares para os homens, o mesmo esquema da obra russa. É significativa é a apreciação da parte de ambos os autores do amor familiar, e por extensão do individual, como uma força disruptiva e humanizante. Já Huxley era humanista e pacifista. Em seu romance mais famoso Admirável Mundo Novo (1932) e seu último romance A Ilha (1962), ele apresentou sua visão de distopia e utopia, respectivamente. Viveu a maior parte dos anos 20 na Itália fascista de Mussolini que inspirou parte dos sistemas autoritários retratados em suas obras. No ano de 1937 Aldous Huxley mudou-se para Los Angeles, chegou a Hollywood, como um de seus mais bem remunerados guionistas. O cinema para Huxley foi uma aventura tão fascinante quanto as suas descobertas e experiências com a mescalina, iniciadas em 1953 em correspondência com o psiquiatra Humphry Osmond e narradas em “As portas da percepção” (The Doors of Perception), de 1954, livro que exerceu certa influência sobre a cultura hippie que florescia, dando nome por exemplo à banda The Doors.
Os Beatles escolheram seu rosto entre algumas dezenas de grandes personalidades que figuram na capa do mais marcante álbum do quarteto, Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band, com faixas polêmicas cujas letras evidenciavam afinidade com estados alterados de percepção. Ele morreu às 17:21 do dia 22 de novembro de 1963, aos 69 anos. A cobertura midiática a respeito de sua morte foi ofuscada pelo assassinato de John F. Kennedy, no mesmo dia, assim como a morte do autor irlandês C. S. Lewis. Essa coincidência foi a inspiração para Peter Kreeft no seu livro Between Heaven and Hell: A Dialog Somewhere Beyond Death with John F. Kennedy, C. S. Lewis, & Aldous Huxley. Eric Arthur Blair , mais conhecido pelo pseudônimo George Orwell, foi um escritor, jornalista e ensaísta político inglês, nascido na Índia Britânica. Sua obra é marcada por uma inteligência perspicaz e bem-humorada, uma consciência profunda das injustiças sociais, uma intensa oposição ao totalitarismo e uma paixão pela clareza da escrita. Apontado como simpatizante da proposta anarquista, o escritor faz uma defesa da auto-gestão ou autonomismo.
Era hostil ao stalinismo e ao socialismo soviético, um regime que Orwell denunciou em seu romance satírico A Revolução dos Bichos. A influência de Orwell na cultura contemporânea, tanto popular quanto política, perdura até os dias de hoje.” No momento em que esses artistas viviam, com suas experiências únicas, se perguntarem sobre o futuro, como o imaginavam. Seres humanos se perguntam, na sua pequenez frente ao céu e ao universo, desde a antiguidade, seja aos oráculos ou aos filósofos, pajés, cientistas, psicanalistas, horóscopos, sobre o incerto futuro. Os números me fascinam.
No ano de 1894 nasce Huxley, e Orwell dá o nome invertido ao seu grande livro, 1984. Que aliás deu esse título porque escreveu em 1948, e escolheu um ano no futuro em que o seu Grande Irmão seria uma realidade. Aldous Huxley nasceu em 26 de julho de 1894. O 26 de julho é o aniversário de meu pai (1911), meu (1944), e de Huxley. E a data da Revolução Cubana. Forte. Quando tive em 1994 que escolher um número para pedir o voto dos eleitores na célula impressa para deputada federal, escolhi o 4544: 45 (partido) e 44 (nascimento). Foi no ano do Real, 1994. Um estudioso de números enviou-me a análise baseada em meu horóscopo e afirmou ser um número para os melhores resultados possíveis. Foram. “Orwell andou o mundo. Em outubro de 1922, navegou a bordo do SS Herefordshire via Canal do Suez e Ceilão para assumir o seu posto na Polícia Imperial Indiana em Birmânia. Em abril de 1926, mudou-se para a Birmâmia, onde morava a sua avó.
A sua experiência como policial em Burma inspirou o romance Burmese Days (1934) e os ensaios “A Hanging” (1931) e “Shooting an Elephant” (1936). Depois em Londres, Blair começou a fazer expedições exploratórias nas favelas. Na primavera de 1928, mudou-se para Paris. Na Espanha juntou-se à luta no POUM (Partido Operário de Unificação Marxista. Orwell morreu em Londres vítima de tuberculose, aos 46 anos de idade. Tendo solicitado um funeral de acordo com os ritos anglicanos, Na lápide “Aqui jaz Eric Arthur Blair, nascido em 25 de Junho de 1903, falecido em 21 de Janeiro de 1950″); nenhuma menção é feita a seu célebre pseudônimo.” Saltando para nosso distópico 2019, o escritor Yuval Harari nos brinda, como historiador, com uma linha do tempo muito rica na qual as rupturas se dão quando o comando das sociedades passa de um sistema de poder para outro, definido por um ativo que se pode acumular. Apontar para os perigos de nossa época, onde o ativo é a informação, os dados, que tem proprietários – sempre poucos. Os bilionários do século XXI. As redes criam uma liberdade nova, mas podem ser uma arma também, como a energia atômica já o foi. Sim, a nova tecnologia das redes como face book e a Inteligência Artificial também pode ser uma arma.
Como controlá-la é uma questão de ação e escolha políticas. “Yuval Noah Harari é especializado em História mundial e processos da macro-história: Qual a relação entre a História e a Biologia? Qual a diferença fundamental entre o Homo sapiens e outros animais? Existe justiça na História? A História tem uma direção? É um comunicador. Como Huxley (grifo meu). No final de julho de 2018, Yuval Noah Harari recusou-se a participar de uma festividade do consulado de Israel em Los Angeles, numa atitude de protesto contra a adoção da polêmica Lei do Estado-nação, pelo Parlamento de Israel, qualificando-a de “erosão das normas liberais de base de Israel”. Harari reitera assim suas opiniões anteriores, sobre o conflito israelo-palestino : “A verdadeira anomalia do conflito israelo-palestino é que a ordem global tem permitido o agravamento dessas anomalias ao longo de décadas, como se fossem perfeitamente normais.” Por Yuval a ruptura do sistema feudal se deu com a concentração de ativos gerados pelo comércio mundial, e a consequente Era Colonial. A ruptura do sistema colonial se deu com as Revoluções Industriais, quando a concentração do poder se deu pelo comando das máquinas. A ruptura do mundo das nações se deu na globalização pela atual concentração do novo ativo que é a Informação e a posse dos Dados, um perigo para a perda das liberdades e para a tomada de decisões.
O Facebook sabe mais de mim do que eu mesmo, pelo uso tecnológico da massa de dados que ele manipula, e que é privada, dele Facebook. Com o uso do bigdata, induz-se onde e o que vou comprar, se manipula eleições, se derruba governos. Seleciona-se a informação para os fins desejados pelas grandes corporações e seus modelos de negócios. Quem regula tudo isso? Um novo totalitarismo previsto nas distopias citadas? A revolta se manifesta nas ruas. “Não me representa”. “Chega de corrupção”. “Lava Jato sim!”. Em meio a essa alimentada descrença – serve a poderosos interesses sim – nas instituições políticas e nos políticos, o debate ferve. A juventude se posiciona e faz suas escolhas. Inclusive pelo voto. Não há alternativa para a Política como processo de decisão para as sociedades. Jovens e mulheres, ainda minorias nas organizações políticas, assumem essa responsabilidade nada fácil de tomar decisões que dão concretude ao futuro, definem o futuro, e fazem Política. É um bom modo de abrir as portas da percepção.
*Yeda Crusius é presidente Nacional do PSDB-Mulher. Ministra do Planejamento no governo Itamar Franco (1993), Governadora do RS (2007/2010), deputada federal por quatro mandatos.