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“Não há mais espaço para fraude com candidatas laranjas”, diz ex-ministra

Partidos que usam mulheres como candidatas laranjas para preencher a cota obrigatória de 30% estão na mira do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Na próxima quinta-feira (28), a corte julgará uma ação de investigação judicial eleitoral (Aije) sobre o tema. Segundo jornal Valor Econômico, tendência é que o tribunal confirme sentença do TRE do Piauí, levando à cassação de toda a chapa de seis vereadores do município de Valença do Piauí eleitos em 2016, numa coligação que registrou candidatas laranjas

O julgamento abrirá precedentes para outras decisões. Atualmente, tramitam 31 ações semelhantes, sobre casos de laranjas. “Acredito piamente que a Justiça brasileira vai ser muito firme na análise destes casos em razão das mudanças culturais que estamos vivendo. São novos tempos e é preciso que todos tenham essa compreensão. Não há mais espaço para essas fraudes eleitorais”, afirma a advogada Luciana Lóssio, ex-ministra do TSE.

No TSE, Luciana Lóssio foi uma das vozes mais contundentes em favor de revisão da jurisprudência que impedia o avanço de investigações sobre laranjas. Antes das eleições de 2012 só era possível investigar indícios de fraudes com laranjas cinco dias depois do registro da candidatura. “Cinco dias após o registro das candidaturas ninguém sabe se aquela pessoa ali é candidata de verdade ou de mentira, se é pra valer ou se é ficção. Por isso esse tipo de discussão nunca chegava à Justiça Eleitoral”, explica.

“Quando você lança uma candidata que não é candidata, que está ali apenas para preencher um percentual da cota, você está fraudando o sistema eleitoral. É isso que está surgindo hoje à tona”, constata a advogada.

A lei que estabeleceu a cota de 30% de candidaturas femininas é de 1997. “Por que essa cota de 30% nunca funcionou? Porque ela foi idealizada para nunca dar certo”, indaga e responde a ex-ministra. Luciana Lóssioenumera uma série de minirreformas eleitorais feitas pelo Congresso que tentaram minar a representatividade feminina.

A advogada sempre se perguntou, como ministra e advogada eleitoral, quais eram os entraves que levavam o país a ter uma política afirmativa de gênero, com maioria do eleitorado feminino, mas apenas 10% de mulheres na representação política.

Em 2015 foi aprovada uma lei que, segundo Lóssio, comprova a “audácia” dos partidos contra a representação feminina. Apesar da cota de 30% de candidaturas femininas, estabeleceu-se que “os partidos reservarão em contas bancárias específicas no mínimo 5% e no máximo 15% do montante do fundo partidário destinado a financiamento das campanhas eleitorais para as mulheres”.

“Ou seja, criaram um teto de gastos com mulheres, o que é manifestamente inconstitucional.” O assunto chegou ao Supremo Tribunal Federal e, em 2018, os ministros decidiram que a fixação de um teto financeiro do fundo partidário para as candidatas mulheres era inconstitucional.

“Se há uma cota mínima de 30% de registro de candidaturas femininas, também deve ser observado pelo menos 30% do dinheiro e pelo menos 30% de visibilidade nas propagandas eleitorais. Aí começamos a mudar um pouco o sistema e o funcionamento”, diz a ex-ministra.

Luciana Lóssio foi atrás de algumas deputadas e senadoras de diversos partidos em 2018 e propôs uma consulta ao tribunal perguntando se sobre essa decisão do Supremo em relação ao fundo partidário também deveria ser considerada a mesma premissa para o dinheiro do fundo eleitoral, criado.

Por unanimidade, em sessão presidida pela ministra Rosa Weber em 2018, o TSE determinou que de todo dinheiro do fundo partidário e do fundo eleitoral 30% dos recursos tinham que ser destinados a mulheres. “Foi outro passo muito importante para contribuir para candidaturas efetivas, e não laranjas”, diz.

As ações julgadas a partir de agora, enfatiza a ex-ministra do TSE, passaram a deixar os partidos políticos “amedrontados”. “Muitos cumpriram a cartilha direitinho, o dever de casa. Outros não. Mesmo assim o impacto real foi muito bom. Nas eleições de 2018 para a Câmara dos Deputados, houve um acréscimo de 50% de eleitas. Em 2014, foram eleitas 9,9% de mulheres (51 deputadas). Agora, em 2018, foram eleitas 77 entre 513, 15%.”

O fato de candidatas laranjas descobertas levarem à cassação de uma chapa inteira, como o caso do Piauí, é motivo mais do que suficiente para que os partidos reflitam sobre a propagação da fraude no pleito de 2020. “Constatada a fraude, que há candidatas laranjas, posso cassar a chapa inteira? Qual resposta a Justiça vai dar a essa ilegalidade?

Há quem diga: posso presumir que a candidata que teve zero voto e não teve gasto de campanha foi laranja? Digo eu: não estou presumindo, estou constatando”, conclui.

*Com informações do Jornal Valor Econômico.