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“Reflexões sobre as ‘cotas de gênero’ na política brasileira”, por Nancy Thame

De acordo com o “Mapa Mulher na Política 2016” e dados da Inter-Parliamentary Union, no ranking de 174 países o Brasil ocupa a 154ª posição da participação das mulheres no Legislativo e a 167ª posição em participação de mulheres no Executivo.

Atualmente, os baixos percentuais dos cargos eletivos ocupados por mulheres advertem sobre a necessidade de democratização dos espaços de poder: vereadoras, 12,4%; prefeitas, 11,6%; parlamentares no Congresso, 10,7%; senadoras, 14,8%. Nos Ministérios repete-se a baixa representação feminina, sendo de apenas 15%. E quanto às 27 unidades federativas, tão somente em Roraima há uma governadora.

Diante das prerrogativas de efetivação de uma sociedade justa e igualitária, as discussões sobre a participação da mulher nos espaços de decisão têm girado em torno da paridade de gênero, ou seja, de ocupação dos espaços em condições de igual proporcionalidade para homens e mulheres.

Há 20 anos, em 1997, a Lei Eleitoral nº 9.504 definiu em 30% o percentual mínimo de mulheres candidatas a cargos proporcionais e, em 2009, a Lei nº 12.034 determinou que os partidos deveriam preencher, e não só reservar 30% nas chapas eleitorais para as candidatas.

Em 1995 foi instituído o primeiro sistema de cotas para candidaturas de mulheres nas chapas partidárias, com a aprovação do projeto de lei da então Deputada Marta Suplicy, definindo que o mínimo de 30% das vagas de candidaturas partidárias em pleitos proporcionais, em todos os níveis da federação, seriam destinadas às mulheres. Mas, inicialmente, deu-se a incorporação de no mínimo 20% de candidatas, e nas eleições de 1996 muitos partidos não conseguiram atender ao percentual mínimo.

Ainda que os resultados tenham sido progressivamente melhores que os anteriores às cotas, verifica-se a ineficácia da Lei, pois essa também aumentou o número de vagas para cada sexo, não estabelecendo sanções efetivas aos partidos que não preenchem a cota mínima, resultando na baixa participação feminina.

Avançando um pouco, a Lei Federal 12.034, de 2009, dispôs sobre a exigência mínima de 30% para cada sexo. Não obstante, na prática, essa definição tem sido entendida como “o mínimo de 30% para as mulheres”, de modo que muito partidos recorrem a candidaturas sem a menor expressão, ou apenas para cumprir a cota e beneficiar a sigla ou a coligação.

É imprescindível que as causas dessas problemáticas sejam investigadas e que tenhamos respostas para perguntas latentes, como a existência ou não de desinteresse, os motivos sociais, partidários, etc. que poderiam explicar as causas, e quais as perspectivas futuras no sentido de superar esse quadro. Também merecem respostas as indagações sobre a qualidade das candidaturas, quanto ao preparo das candidatas e as condições concretas para que desempenhem as atividades de campanha, se elejam e assumam seus mandatos.

Desde o início dos anos 2000, as normativas e os acordos internacionais têm auxiliado na implantação da paridade entre os gêneros e em muitos países da Europa, África e América Latina, tem vigorado o sistema de cotas.

Nos partidos políticos europeus a garantia de percentual de mulheres nos quadros executivos e eletivos representa uma ação afirmativa importante e exemplar, inspirando outros países do mundo a adotar medidas no mesmo sentido, como o caso do Brasil, que foi o quarto país da América Latina.

Mas a trajetória tem sido longa e as mudanças lentas. Em 1932 as brasileiras foram autorizadas a votar, direito que passou a ser exercido parcialmente em 1938, e somente a partir da Constituição de 1946 é que passou a vigorar a obrigatoriedade plena do voto para todas as mulheres nos mesmos termos que para os homens. Refiro-me, até aqui, apenas à possibilidade de votar.

O direito ao voto foi uma conquista efetiva para a emancipação social, cultural, profissional e econômica da mulher, que passaram a ter maior espaço para atuar, se manifestar e reivindicar melhores condições de saúde, controle reprodutivo, educação, trabalho, moradia e ampliação dos direitos.

Com as mudanças sociais e políticas e mais representatividade dos segmentos, também as mulheres passaram a ter maior visibilidade, ocupando os espaços e as leis. Nas últimas décadas, o slogan “Lugar de Mulher é na Política” tem sido difundido, tornando-se uma bandeira de oposição à tradicional afirmação de que “lugar de mulher é na cozinha”, ou “no tanque”, ou “no fogão”, que são formas provocativas de desqualificar a mulher e sua capacidade para propor medidas, leis, formas de organização ou mudanças no Estado e na sociedade.

As percepções preconceituosas têm reflexos na formação das identidades, resultando em práticas sociais excludentes que comprometem o desenvolvimento socioeconômico e cultural.

Política é uma atividade idealista e construtiva. É o lugar de atuação, onde podemos mudar a história e criar oportunidades para todos e, portanto, deve ser feita por todas as pessoas. Mas, mesmo diante de garantias constitucionais, o direito de se candidatar e de ser votada exigiu e tem exigido maiores esforços por parte da mulher, e também de todos que almejam uma sociedade mais justa, democrática e igualitária.

A concretização da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, da Organização das Nações Unidas, que prevê a consolidação de espaços mais democráticos de poder e atuação e a paridade entre os gêneros, é um caminho a ser construído.

É preciso ampliar a efetiva participação feminina nos diferentes âmbitos de atuação, em condições de igualdade, como almejado pela Agenda ODS (Objetivos do Desenvolvimento Sustentável) e Agenda 2030, que alertam para a necessidade de “construção de uma consciência sobre a centralidade da mulher para o desenvolvimento das comunidades e países” e “combate às discriminações e violências baseadas no gênero e na promoção do empoderamento de mulheres e meninas para que possam atuar enfaticamente na promoção do desenvolvimento sustentável, por meio da participação na política, na economia, e em diversas áreas de tomada de decisão”.

 

 

* Nancy Ferruzzi Thame é presidente do PSDB Mulher de São Paulo, vice-presidente do Secretariado Nacional da Mulher/PSDB e vereadora no Município de Piracicaba-SP.