Nas sociedades pré-internet o conjunto de valores que a guiavam fazia parte da tradição oral e estava escrito em seu conjunto de leis, o que dava sustentabilidade à sua organização. Todos falavam o que parecia ser a mesma língua quando se encontravam nos campos legal, jurídico, moral, religioso, partidário, político, sexual, e assim por diante. Parecia que todos “se entendiam”, que as regras do mundo eram conhecidas e respeitadas, e quem as feria sabia que pagaria um custo por isso depois que a verdade fosse escrita. Senão, como explicar a punição aos homossexuais aplicada por séculos no Reino Unido, tendo a lei mudado apenas nos anos 1970, vitimando inclusive gênios do bem como Alan Turing? Mudou a verdade ou mudou o mundo? O que é considerado crime muda com os tempos, e assim deve ser com as regras de convivência que norteiam as sociedades – com novas leis sobre cada campo, inclusive.
Com a liberdade da internet, comunicação pela palma da mão, a velha mídia vai sendo atropelada pela “nova mídia”, e hoje os fatos surpreendentes têm encontrado explicações a ponto de chamarem as sociedades de hoje como a da política “pós-verdade” para descreverem a capacidade de gerar fatos inesperados que tem a enxurrada de notícias falsas que escorre pelas redes sociais, a “nova mídia”. Brexit, Trump, e plebiscitos com os da Colômbia, são os fatos mais recentes. Considero essa explicação do “pós-verdade” algo – digamos assim para não ofender – forçado.
Toda a vez que um processo de decisão sobre algo relevante chama o voto, seja ele em conselhos pequenos ou universal numa eleição, a verdade que vale é a que emerge depois da contagem dos votos das urnas. Claro, se não houver fraude, ou tentativa de manipulação. Afinal, só se chama o voto para confirmar, ou não, se as conclusões a que chegou o grupo formulador das soluções para o problema em pauta são o que a sociedade quer, senão por consenso, por maioria.
Mas ela, a verdade para a maioria, já estava lá – só não tinha sido enxergada, inclusive pela velha mídia. Sempre foi assim, previsões falham, e no campo da política não adianta repetir o mantra de que o eleitor não estava preparado para a tomada de decisão porque não tinha informação suficiente para decidir sobre o que estava votando. Até isso, o acesso à informação que guia o voto, é parte do processo de decisão. Pode ser julgado importante, ou não. O menosprezo pelo eleitor segue como sempre. Hoje, quem não escuta a voz das ruas, ou pensa poder manipulá-la, vai ficar sem saber o que dizer na sua surpresa. Alô governos, alô Congresso, alô mídia e institutos de pesquisa, alô cidadãos!
No mundo tupiniquim da Lava Jato, a verdade sobre a existência da organização criminosa que comandou a partir da política a maior roubalheira que se conhece na história vai sendo desnudada utilizando a força-tarefa as leis/regras que temos. Então por que mudá-las como na proposta de iniciativa popular liderada pelos membros do MPF da Lava Jato? Vamos fundo, vamos ler a proposta, e confrontá-la com o arremedo que saiu em primeira votação na Câmara na madrugada da tragédia da Chapecoense. Senão, vamos dar razão aos criadores da política “pós-verdade”, e vestir o chapéu de burro. E se e quando chegar no seu jardim, como diz a fábula sempre repetida para alertar da necessidade de tomar posição quando algo que afeta a convivência social está se formando, não adianta reclamar.
Bom ler além do texto enviado ao Congresso com mais de 2 milhões de assinaturas, mais o monstrengo aprovado na última semana, mais o que corre nas redes sociais, e, como tem quem escreva melhor do que eu, sugiro fortemente lerem também a coluna de hoje, dia 5 de dezembro de 2016, de David Coimbra na O Que Há de Ruim nas “10 medidas”. A partir daí a autoria da crônica seguinte sobre o tema terá que ser sua.
*Yeda Crusius é presidente de honra do PSDB Mulher Nacional, professora Universitária, economista, comunicadora, consultora. Como política ocupou os cargos de Ministra do Planejamento e, como eleita, foi Deputada Federal por três mandatos, e Governadora do RS.