Opinião

“O que houve, afinal”, por Míriam Leitão

São Paulo - Manifestantes comemoram o impeachment de Dilma Roussef em frente à FIESP, na Avenida Pailista( Rovena Rosa/Agência Brasil)
São Paulo - Manifestantes comemoram o impeachment de Dilma Roussef em frente à FIESP, na Avenida Pailista( Rovena Rosa/Agência Brasil)

São Paulo – Manifestantes comemoram o impeachment de Dilma Roussef em frente à FIESP, na Avenida Paulista( Rovena Rosa/Agência Brasil)

O fracasso de Dilma na administração do país não é a derrota das mulheres, da mesma forma que o impeachment de Fernando Collor não desqualifica os homens para o poder. O fim da era PT não pode enfraquecer bandeiras da inclusão e da redução da pobreza e desigualdades, da mesma forma que o fim da era tucana não representou o abandono do valor da estabilidade monetária pela sociedade brasileira.

Muita confusão é feita neste momento difícil, mas é preciso entender o que houve, afinal. Dilma errou e provocou uma crise econômica, e ela trouxe de volta inflação alta e recessão. Isso provoca rejeição a qualquer governo. O pensamento extremado, de um lado e de outro, considera que a partir de agora serão abandonadas as políticas sociais. Os petistas dirão isso porque se acham os donos dessas bandeiras. Conservadores pensam que a saída do PT do poder vai representar o silêncio das incômodas discussões sobre incluir brasileiros discriminados no progresso. Estão enganados. O Brasil tem enormes injustiças e qualquer projeto para o futuro inclui políticas para enfrentar as desigualdades.

O PT favoreceu os muito ricos com uma política econômica equivocada e muitos subsídios. Agora, na oposição, vai abraçar ainda mais a causa corporativista. Isso não é de esquerda. A esquerda nasceu para defender desprotegidos. O PT quando luta por aumento de salários de servidores, num contexto de desemprego crescente, está defendendo quem já tem privilégios.

A partir da saída da presidente Dilma muitos dirão que a democracia se enfraqueceu. Os petistas e seus aliados, porque perderam o poder e porque discordam da dinâmica dos eventos que a levou para fora do Planalto prematuramente. Os de pensamento autoritário tentarão desmoralizar a democracia, dizendo que os políticos são todos corruptos e ninguém os aguenta mais.

Duro momento este em que o pensamento extremo parecerá mais lógico do que o equilíbrio e a temperança. Dilma não caiu por ser mulher nem por ser petista. Há muita corrupção na política, mas um país com Congresso fechado e sem eleições está próximo da barbárie.

O país derrubou a ditadura, venceu a hiperinflação, tem reduzido a pobreza e combate de forma corajosa a corrupção. Esse processo representa avanços civilizatórios que não pertencem a um partido, a um grupo político, nem a um líder. Foram escolhas brasileiras, que precisam ser confirmadas agora, antes que, na confusão, percamos o melhor dos últimos anos.

Foi fundamental ampliar políticas de transferência de renda, discutir o racismo, abrir as portas para as mulheres nos espaços de poder e proteger o meio ambiente. Porque é assim que se faz o progresso. A questão ambiental tinha no governo do PT defensores da preservação e os aliados do desmatadores.

O Brasil não é simples. Basta ver que de um lado e de outro da luta travada nos últimos dias havia líderes do ruralismo. O senador Ronaldo Caiado entrou na política no Brasil através da União Democrática Ruralista. A senadora Kátia Abreu era presidente da CNA quando a organização defendia empresas apanhadas com trabalho escravo. Caiado é da base de Temer; Kátia Abreu, defensora de Dilma. Alguém dirá que um é conservador e a outra é progressista? O Brasil tem sido assim. Na luta da abolição, havia conservadores e liberais dos dois lados do embate.

Há muita confusão sobre o que é progresso na economia. No debate dos últimos dias, a ideia do “gasto meritório” foi defendida para justificar a gastança. E o aumento da despesa foi apresentado como forma de manter o crescimento. Esqueceram de combinar com o contribuinte. Progresso na economia é ter inflação baixa e estável para, sobre essa base, construir o projeto de país. A presidente Dilma produziu um surto inflacionário, uma recessão de dimensões históricas e perdeu o cargo. Quem desorganiza as contas públicas acaba machucando mais os mais pobres. Não existe o desequilíbrio fiscal do bem. Ele sempre provocará efeitos perversos.

O novo governo ainda não demonstra ter entendido a natureza das escolhas feitas pelo Brasil. Há muito risco de revogação de avanços sociais e de repetição de erros econômicos. Se isso acontecer, seu tempo no poder será mais curto do que imagina.

(Com Alvaro Gribel, de São Paulo)

*Publicado originalmente na edição do dia 04/09/16 de O Globo