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Mara Gabrilli: Ser mulher e cadeirante agregou valor a meu trabalho político

25116266822_0b05421b10_zBrasília (DF) – Mara Gabrilli sempre foi muito especial para o Secretariado Nacional da Mulher/PSDB. Sua história de vida, que conjuga tragédia e resiliência em uma mesma frase; o otimismo que jamais permitiu que se deixasse abater; a coragem com que assumiu causas e posições políticas na Câmara dos Deputados, tudo nela nos inspira a prestar atenção em sua trajetória.

A biografia de Mara Gabrilli na Wikipédia registra um drama, entre suas muitas vitórias. Um acidente de automóvel que, em 1994, a deixou tetraplégica; impossibilitada de se mexer do pescoço para baixo. Não mais. Essa mulher determinada, 21 anos depois do diagnóstico, contrariando todos os prognósticos médicos, acaba de recuperar os movimentos parciais dos braços e agora se locomove pela Câmara em carrinho motorizado. Ganhou autonomia e liberdade.

Por ser esse furacão de força e determinação, Mara Gabrilli é a nossa personagem neste Dia Internacional da Mulher. Que todas nós, em algum momento da vida, sejamos um pouco Mara também.

PSDB Mulher – O Dia Internacional da Mulher deste ano terá um gosto diferente para você. Além de marco das conquistas femininas será, também, registro de sua conquista pessoal. Dá para falar um pouco sobre isso?

Ah, é uma sensação de satisfação gigante na crença e na saúde do corpo, na intuição, na perseverança, nos pensamentos, na alimentação. Meu corpo está muito bem, estou muito bem fisicamente e no geral comigo mesma. Acho que a recuperação do movimento parcial dos braços é um reflexo de todo esse processo. De trabalho árduo, disciplinado, corajoso em acreditar até onde ele pode chegar.

PSDB Mulher – A maior parte das pessoas não consegue imaginar 21 anos sem sequer mover as mãos. Da mesma maneira não devem conseguir avaliar o seu momento atual. Como você o descreveria em uma palavra?

Se fosse só uma palavra, eu diria que é um momento de “gratidão”. Foi um trabalho de amor mesmo, e não só de amor próprio. Estou me sentindo como se eu tivesse mudado de época, como um jovem que fez 18 anos e tirou carta, numa fase em que tudo muda. Mas é uma situação muito mais forte. Com a cadeira motorizada, passei a me conduzir. Minha vida parece que multiplicou, seja sob o ponto de vista da minha visão, do ponto de vista de espaço, das pessoas, as sensações… Por exemplo, era muito difícil descrever, para quem empurrava minha cadeira, em que posição exata eu queria ficar. E agora eu simplesmente movo a cadeira até essa posição. Tem vários momentos do dia que sou invadida por um sentimento de amor à vida, de gratidão mesmo. E gratidão envolve muita coisa. Tudo que eu tive, tudo que eu passei, a fé que tenho, a disciplina que adquiri, tenho gratidão por tudo isso. O trabalho que eu desenvolvo, que tira qualquer egoísmo de tudo isso. Porque se eu ficasse trancada o dia inteiro trabalhando meu braço, não teria o mesmo efeito. O fato de ser deputada e poder ajudar a melhorar a vida das pessoas, de compartilhar, me dá mais força ainda para lutar por mim.

PSDB Mulher – Aqui na redação recebemos muitas mensagens de cadeirantes, geralmente moradores de cidades pequenas, sem acesso a fisioterapia e tratamentos de ponta, que ajudem na reabilitação. Que tipo de conselho você daria a essas pessoas, para que não se deixassem abater com o abandono estatal?

Uma pessoa nessas condições não pode se conformar que esse é o tipo de vida que tem que ter, que é assim, pronto e acabou. O desleixo estatal chega a ser um crime diante de tudo que essas pessoas precisam. Acima de tudo, as pessoas precisam conhecer e buscar seus direitos. Essas pessoas têm direito à reabilitação, têm direito à educação, ao transporte, tudo isso já é lei. E tem direito ao trabalho, à dignidade, à felicidade. O que eu digo é que procurem a defensoria pública, que corram atrás de seus direitos.

24785379874_798cbb3a20_zPSDB Mulher – Sua coragem é famosa – ainda está na memória de todos o seu embate com Gilberto Carvalho, em 2014, na Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado e, mais recentemente, sua cobrança a Eduardo Cunha, para que deixasse a Presidência da Casa, em 19 de novembro de 2015. Em sua opinião o que pesou mais, na recuperação dos movimentos dos braços: destemor, otimismo ou determinação?

Acho que de tudo um pouco. O otimismo recheia tudo. A perseverança e a determinação são importantíssimas para continuar os exercícios diários, para construir massa muscular, adquirir movimentos e ficar saudável, mas se não tiver o destemor, você fica estagnado. O maior desafio, muitas vezes, é me levantar de novo da cama e ficar em pé para tomar choques, os exercícios à base de eletroestimulação. E mais difícil ainda foi ter a coragem e ousadia de pensar que eu poderia pilotar uma cadeira. Chegar em uma loja de cadeiras de rodas e perguntar: “posso tentar pilotar uma cadeira motorizada?”. Porque se eu não tivesse feito isso, eu estaria na outra cadeira até hoje e sem saber que eu podia pilotar uma motorizada.

PSDB Mulher – Qual foi o maior desafio que teve que enfrentar nesses 21 anos de imobilização total? Ego, dependência?

No princípio foi a dependência. Acho que nunca fui uma pessoa com o ego inflado. Pôxa, de uma hora para outra você perder o controle do intestino, por exemplo, te mostra que… Que ego? Isso te deixa numa situação de mais humildade perante tudo, te faz pensar: que diferença existe de mim para outra pessoa qualquer? E isso é um ponto que também demanda coragem. Coragem de enfrentar a situação, de sair de casa mesmo assim, de tentar desenvolver um controle interno, mesmo que seja de uma forma completamente diferente. Com relação ao ego, acho que o fato de ficar super vulnerável de saúde, de reações do corpo… Às vezes fico em uma situação em que sei que vou ter um espasmo e vou desmontar tudo. Agora pilotando a cadeira motorizada, por exemplo, tem hora que se eu tiver um espasmo posso atropelar alguém, posso causar um desastre (risos). São coisas involuntárias que acontecem e que a gente deixa de controlar do corpo. Isso dá uma dimensão diferente, aguça a humildade. Imagina só o quanto você não percebe que você é um humano como qualquer outro quando você perde aquilo de mais primitivo que julgava controlar. De repente, de uma hora para outra, você não controla, você depende de alguém pra tudo, não controla intestino, não controla sua bexiga, movimentos das pernas, movimentos dos braços, não consegue falar e respirar. Uma situação dessas é um exercício que te ajuda a perceber que você não é mais do que ninguém.

PSDB Mulher – De onde veio essa certeza, que nunca a abandonou, de que, a despeito das opiniões médicas, voltaria a se movimentar?

Acho que sempre tive muita fé. Sempre fui muito espiritualizada, mas durante esses anos eu passei a ter uma visão diferente, fiquei muito mais devota do divino. O primeiro livro que ganhei quando ainda estava na UTI após o acidente, foi “A Cura Quântica”, que explicava através da física quântica como você transforma energia em matéria. Isso nunca saiu da minha cabeça. Independente de qualquer religião, do Deus que eu já acreditava, mas não com a força que acredito hoje, tive ali a justificativa científica de como uma cura pode acontecer. Além disso, sempre fui muito intuitiva e nunca recebi uma informação do meu corpo de que uma paralisia nele seja irreversível. Eu não tenho essa informação do meu corpo, nunca senti isso dentro de mim mesma.

25141334871_293eee4826_zPSDB Mulher – Mulher, cadeirante e política, em um país que fica atrás do Oriente Médio em presença feminina no Parlamento. Ocupamos o 116º lugar em um ranking de 190 nações, segundo o último boletim da União Interparlamentar (UIP). Sua condição e gênero já foi motivo de discriminação?

Da forma como sempre conduzi minha vida e mesmo nos últimos 12 anos, em que comecei a trabalhar na política, sempre enxerguei essas condições como um plus. São duas questões que só agregaram valor ao meu trabalho. Nunca fui discriminada, nem por ser mulher, nem por ser cadeirante. Talvez sim pela diferença de pensamentos, que existe em todo lugar. Meu foco sempre foi melhorar a vida das pessoas, principalmente aquelas com uma deficiência, e às vezes nos deparamos com alguém que está preocupado simplesmente com seu curral eleitoral. Aí, as diferenças aparecem…

PSDB Mulher – Estamos passando por um momento marcante no Brasil, com denúncias de corrupção, investigações e uma crise como há muito tempo não se via. Como você enxerga esse cenário e o que espera para nosso país?

Espero que o Brasil passe a limpo tudo que está acontecendo. As três maiores autoridades do país, ou seja, os presidentes da República, da Câmara e do Senado, estão sendo investigados.

Estamos precisando de bons exemplos. O que eu espero é que a gente passe isso a limpo e recomece com outra conduta. Com mais responsabilidade, com mais ética, com mais transparência e mais compromisso com a coisa pública. Tenho esperança de que isso vá acontecer. As investigações estão acontecendo, as verdades aparecendo. O povo brasileiro merece mais. Tenho muita fé de que dias melhores virão.