O Senado aprovou ontem projeto de lei que abre perspectivas extremamente favoráveis para o país. Um desavisado poderia pensar que se trata, enfim, de alguma iniciativa positiva do governo, parte de algum de seus “pacotes”, para nos tirar do atoleiro. Mas não: a proposta que retira da Petrobras o fardo da obrigatoriedade de explorar toda e qualquer reserva do pré-sal é de iniciativa da oposição, esta mesma que o discurso oficial acusa de não apontar saídas para o Brasil e rezar pela cartilha do “quanto pior, melhor”.
O projeto é de iniciativa do senador José Serra (PSDB-SP) e sobreviveu a intenso bombardeio de Dilma Rousseff, do Palácio do Planalto e da bancada petista no Congresso. Obteve 40 votos favoráveis e 26 contrários. Ainda terá de passar pela apreciação da Câmara e pela sanção da presidente da República. Oxalá, a vanguarda do atraso, que ontem continuou estrilando nas tribunas do Senado, não interponha suas tropas retrógradas no caminho da mudança.
A proposta aprovada altera um dos cernes do marco regulatório do pré-sal, baixado em dezembro de 2010: a obrigatoriedade de a Petrobras, querendo ou não, ter participação de pelo menos 30% em todos os consórcios interessados em explorar as reservas ultraprofundas, bem como ser a operadora única das reservas. Para uma empresa alquebrada por uma gestão ruinosa e uma pilhagem sem precedentes na história, era quase como estar condenada ao pelourinho da escravidão, açoitada até a morte.
Hoje, a Petrobras simplesmente não ter a menor condição de fazer frente a esta imposição. Não tem dinheiro, tem dívidas demais, está com seus preços desequilibrados e em meio a uma crise mundial de queda recorde nas cotações do barril de petróleo. Seus investimentos tiveram de ser cortados pela metade. Numa situação com esta, carregar, querendo ou não, podendo ou não, o fardo do pré-sal nas costas é um pouco demais.
Durante mais de oito anos, graças à política populista de controle dos preços dos combustíveis para segurar artificialmente a inflação, a Petrobras ficou com fluxo de caixa negativo. Seus últimos balanços têm brindado os acionistas com prejuízos atrás de prejuízos – o mais recente de R$ 3,8 bilhões no terceiro trimestre de 2015.
A Petrobras é, de longe, a mais endividada das petrolíferas do mundo. Deve R$ 506 bilhões (o equivalente a 10% do PIB nacional). A empresa vale hoje apenas 13% do que chegou a valer no seu auge, alcançado em maio de 2008. Suas metas de produção jamais são atingidas – a traçada para 2020 foi recentemente reduzida em 35%, dada a incapacidade da estatal de fazer o que é sua obrigação: explorar petróleo, refiná-lo e distribuir combustível.
Consequência desta condição, ontem, junto com o rebaixamento da nota de crédito do país, a Moody’s também cortou novamente o rating da Petrobras. Mas o fez de uma forma muito mais abruta: a empresa caiu simplesmente três degraus de uma só vez. Para voltar a obter grau de investimento, terá de subir seis níveis. A distância que a separa da classificação de “default”, ou seja, de empresa com risco de calote é menor: cinco níveis.
É esta empresa em pandarecos que ainda tem, pelas regras vigentes, que encarar todos os investimentos do pré-sal. Como isso não é possível, a exploração de novas áreas nas camadas ultraprofundas do Oceano Atlântico estão congeladas. E reservas inexploradas só servem para duas coisas: gerar discursos patéticos e disseminar pobreza.
Sem a estatal, a indústria do petróleo simplesmente parou no país nos últimos anos, levando centenas de municípios à quebradeira e milhares de empregos para o fundo do poço – vide o que acontece no Rio de Janeiro e na indústria naval. Não há novos leilões, nem novos investimentos e o ritmo de exploração de novos poços retrocedeu ao nível de 1970, como mostrou o Valor Econômico ontem. Uma perda estimada pela Firjan em uns R$ 45 bilhões por ano.
Os opositores do projeto aprovado ontem acusam a oposição de querer vender a empresa “a preço de banana”. Curioso isso. Quem está rifando ativos da Petrobras na bacia das almas – há perspectiva de alienação de US$ 14,4 bilhões neste ano – é o governo que esta gente defende. Mais: entre estes ativos estão, surpresa, várias áreas do pré-sal que estes arautos do atraso dizem ser intocáveis, como mostrou O Globo em julho passado.
Na realidade, a concentração de poder derivada das regras originais do pré-sal só serviu para uma coisa: alimentar o petrolão, girar a engrenagem de dinheiro sujo da corrupção que moveu a perpetuação do PT no poder. Nem para gerar recursos para educação e saúde, como sustenta o discurso oficial, prestou: mais de R$ 31 bilhões de royalties que deveriam ter tido esta destinação em 2015 foram usados para pagar pedaladas. O único leilão sob o novo regime realizado até agora não obteve uma gota de ágio e não atraiu mais que um concorrente.
O projeto aprovado ontem no Senado tem o cuidado de reservar à Petrobras a prerrogativa de, quando entender que pode e deve, avocar a si o direito de preferência na exploração de novos poços do pré-sal postos em leilão. Como qualquer empresa que vise gerar lucros e benefícios à sociedade, a estatal poderá escolher se deve ou não arriscar e investir. Quando não quiser, não faz. Simples assim. “No novo marco que proponho, a Petrobrás recuperaria o direito de selecionar os seus investimentos, de acordo com a sua capacidade econômica e seu interesse estratégico”, resume Serra em artigo publicado hoje n’O Estado de S. Paulo.
É possível que ontem tenha sido um dia de festa na Petrobras. Seu corpo técnico, seus operadores, seus funcionários devem ter comemorado a perspectiva de algum alento para a empresa. Salva pela oposição, a estatal pode, enfim, começar a sonhar com dias melhores. Surge no horizonte o fim do tempo em que a outrora maior empresa do país foi posta de joelhos, escrava do projeto de poder de um partido político e dos paladinos da vanguarda do atraso.