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“Existem cotas de gênero na política brasileira? Parte II”, por Nancy Thame

Nancy Thame
Nancy Thame

Nancy Thame

Escrevi, recentemente, um artigo sobre cotas de gênero na política brasileira e prometi uma segunda reflexão. No referido texto, comentei que apesar de alguns avanços, no que se refere ao exercício efetivo do poder político, a mobilização feminina não tem sido suficiente e as razões para isso são diversas e muitas vezes apenas especulativas, como o fato da desmoralização da política ou porque os partidos políticos são historicamente redutos masculinos; ou ainda porque permanecem adormecidos no inconsciente feminino alguns resquícios de uma cultura que inferioriza a mulher e a desqualifica para o exercício do poder político.

As últimas décadas foram marcantes para a história das mulheres do mundo e também para as brasileiras na esfera política. Há, no entanto, uma questão histórica básica na sub-representação e também de justiça que precisa ser reparada. Voltamos ao debate: há desinteresse das mulheres em participar do processo político ou ainda existem freios sociais e partidários à expansão do espaço feminino? Sabemos que respostas absolutas não são possíveis, mas muitas pesquisas já apontam alguns caminhos.

Primeiramente, o total de candidaturas cresce de forma consistente com a implementação da lei de cotas. Entre 1986 e 1994, por exemplo, o volume não chegava a 200, atingindo mais de duas mil candidatas em 2014. Isso representa um incremento superior a 1.000%, o que pode ser explicado por avanços culturais e também por ajustes legais e pela efetiva implementação do sistema de cotas. Entretanto, o segundo fenômeno não carrega o otimismo do primeiro olhar. Por mais que exista um avanço persistente no total de eleitas para a Câmara dos Deputados, o percentual de vagas conquistadas pelas mulheres nunca superou 10% do total de cadeiras do parlamento. Nesse sentido, persistem as dúvidas: falta de preparo? Candidaturas ditas “laranjas”? O que seria capaz de explicar esse fenômeno?

“As ações afirmativas na política desnudaram a sub-representação feminina, colocaram-na como um problema da democracia e conseguiram trazer para a agenda os desafios da inclusão democrática. Não há, no plano legal, obstáculos, assim como não podemos falar de uma ausência de mulheres em espaços públicos” (Araújo, 2011).

A legislação brasileira não limita a 30% o número de mulheres que disputarão o pleito, ao contrário, este é o patamar mínimo para qualquer um dos gêneros. Desde que o regime de cotas, uma conquista histórica dos movimentos de mulheres, foi implantado, os partidos, quando cumprem a regra, o fazem, em sua maioria, com candidaturas pró-forma, sem competitividade e, via de regra, sem recursos para fazer campanha – apesar de um crescimento discreto no número de eleitas.

Assim, fica claro o peso de um sistema mais democrático e igualitário para o avanço das mulheres. Nesse sentido, seria possível afirmar que países que não têm cotas, mas têm tradição igualitarista e democrática incluiriam mulheres em posições significativas nos seus parlamentos de forma mais eficiente. Entretanto, nota-se também que a adoção de cotas tem sido fundamental para países em fase de democratização, como foram os casos da Argentina ou mesmo do Peru.

De maneira muito evidente, dois motivos se destacam para justificar o pequeno número de eleitas: baixa participação das mulheres nos partidos políticos, como espaços de poder e decisão, e a falta de recursos para financiamento de suas campanhas.

Realmente notamos uma presença muito pequena de mulheres nos espaços de decisão partidária, sendo que em muitos partidos, como é o caso do PT e PSDB, movimentos internos das mulheres conseguiram inserir, recentemente, cotas de participação em seus regimentos. No PT, de 50% e no PSDB, de 30% – apesar de entre os petistas o percentual chegar a 45% e no PSDB a 19%. São avanços, porém ao que tudo indica os resultados só virão com intensa mobilização e pressão das mulheres dos segmentos nas eleições internas, para que realmente sejam cumpridos seus regimentos. Em outras legendas o quadro é ainda mais desolador: PMDB e DEM não chegam, sequer, a 10% de mulheres em seus órgãos colegiados maiores no plano nacional, a despeito de todos terem grupos para mulheres. Qual o peso de tais integrantes no comando da legenda?

Cabe ainda destacar o financiamento de campanha e o seu impacto sobre a eleição das mulheres, aspecto que vem sendo objeto privilegiado de atenção por debates em curso sobre a Reforma Eleitoral. Já se discute há muito tempo sobre as características financeiras dos processos eleitorais brasileiros e sua natureza elitista, na medida em que se constitui num verdadeiro mercado que favorece aqueles com maior poder financeiro, ou com capacidade de angariar grandes recursos. “Até há pouco tempo não existiam estudos abrangentes ou com mais evidências sobre o peso deste aspecto nas eleições das mulheres, a não ser pesquisas mais localizadas” (Alvares, 2004 ). O desafio é adensar tais discussões, tornando possível verificar, inclusive, se a dificuldade de entrada das mulheres no campo político-eleitoral-partidário é questão de gênero ou faz parte de crise associada às dificuldades em formarmos novas lideranças em sentido mais amplo.

“Assim, é evidente, que as mulheres devem ocupar espaços de poder e tomada de decisões, espaços eletivos ou não, primeiramente por seus atributos de competência e adequação às funções propostas e não por serem mulheres. Mas deve ser igualmente evidente, e incorporado à paisagem social, que as mulheres não podem ser excluídas destes mesmos espaços só por serem mulheres” (Freire, 2011), e mais: que a democracia tem como preceito oxigenação, alternância e participação ampla da sociedade.

*Nancy Ferruzzi Thame é vice-presidente do PSDB Mulher Nacional e presidente do PSDB Mulher SP