O maior problema da Educação pública no Brasil está na descontinuidade das políticas públicas bem sucedidas para o setor. Essa atitude dos governantes, em todas as esferas, penaliza uma geração de pessoas. E o prejuízo é relevante, porque o intervalo entre gerações, que antes era de 25 a 30 anos, e hoje se fala em uma geração a cada 10 ou 15 anos, representa perdas no aprendizado e na produção, ampliando o fosso na convivência em ambientes como o trabalho, a escola e em sua própria família.
Começo essa constatação para refletir sobre um fato recente, admitido pelo Ministério da Educação (MEC), ao divulgar, dia 16 de setembro, a proposta da Base Nacional Comum Curricular com o objetivo de nortear o Ensino Básico no País. A iniciativa está prevista no Plano Nacional de Educação (PNE) para 2014-2023, buscando a contribuição em consulta pública até o dia 15 de dezembro, para determinar o que cada aluno deve saber em 60% dos conteúdos na Educação Básica do ensino público e privado, com os 40% restantes determinados regionalmente, com valorização das peculiaridades locais, considerando escolhas de cada sistema educacional sobre as experiências e conhecimentos a serem oferecidos aos estudantes ao longo do processo de escolarização.
Relembro os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), elaborados durante o governo FHC, na gestão do ministro Paulo Renato Souza (Educação). Os PCNs definiam que os currículos e conteúdos não podiam ser trabalhados apenas como transmissão de conhecimentos, mas que as práticas docentes deveriam encaminhar os alunos rumo à aprendizagem. E que essa reflexão da prática docente deveria ser feita através de reuniões com todo o grupo da escola, direção, coordenação, orientação, psicopedagoga, psicóloga, professores, dentre outros profissionais, ligados à rotina da instituição e de sala de aula.
Da transição dos governos FHC para Lula e Dilma Rousseff, a herança da universalização do acesso de 97% das crianças de 7 a 14 anos nas escolas, desafio consagrado por Paulo Renato graças às motivações contidas no Fundo de Desenvolvimento da Educação e Valorização do Magistério – Fundef, entre outras medidas, da redistribuição de recursos para os Estados e Municípios, não completou a segunda etapa. Restou para os governos pós-FHC, a melhoria da qualidade da Educação, mas em 13 anos essa meta não foi alcançada, por conta das trocas de ministros da Educação e de projetos e programas descontinuados. Cada titular petista assume sem projeto, sugere um caminho e o foco é distorcido.
Os PCNs haviam sido amplamente debatidos no país, principalmente com professores e especialistas em Educação, graças ao programa ‘PCNs em Ação’, mas o que vemos é a desconsideração desse movimento, que aconteceu em conjunto com a chegada de mais recursos para os municípios, a definição de um piso salarial mínimo para os professores (em alguns Estados, havia pagamentos de R$ 28,00/mês), a avaliação do livro didático, a formação continuada de educadores, a TV Escola, a bolsa escola federal para manutenção das crianças nas escolas, a organização dos ciclos de aprendizado, o resgate do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais – Inep para ter o censo, a estatística e a avaliação do aprendizado etc.
Li uma entrevista do atual ministro Renato Janine Ribeiro, que atesta o atraso pela parcialidade de sua informação. Ele atribui simplesmente a Lula e Dilma a universalização do ensino fundamental. E quando se oferece ao desafio de melhorar a alfabetização das crianças nos três primeiros anos do ensino, de recuperar a qualidade da escola pública e conquistar a convivência das pessoas de classes mais diferentes na mesma instituição, não tem proposta, senão cumprir a retórica e metas assinaladas no PNE. Esse passo pode ser impossível, assim, como foram nesses 13 anos por conta da descontinuidade das políticas desenhadas por Paulo Renato e uma equipe técnica preparada e bastante integrada.
Afora isso, mesmo com a Educação alçada à prioridade de todas no slogan governamental de Dilma Rousseff, com a hashtag #PatriaEducadora – o Ministério da Educação foi o mais afetado pelos cortes de gastos “não obrigatórios”, anunciados pela presidente da República, no início de seu novo mandato.
As avaliações internacionais com o Brasil sempre nas últimas colocações, assim como nos resultados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), mostrando que nem as metas definidas pelo próprio MEC são atingidas, impõem um compromisso com a Educação acima das diferenças partidárias. Reflito que o círculo vicioso de omissão e vaidades políticas no MEC decreta prejuízos às gerações futuras. A Educação devia ser exceção ao que me parece uma regra de conduta dos últimos titulares do ministério.
Confesso que gostei quando soube da nomeação de Janine para o ministério, mas começo a achar que ele é bom só em filosofia política, mesmo não concordando com ele, na maioria das vezes. A continuar assim, sem uma receita de foco na Educação básica do Brasil, como prosperar na missão de formar cidadãos conscientes para a construção de um mundo melhor, frente às novas realidades e constantes mudanças?
*Raul Christiano é professor, poeta, escritor, jornalista e diretor do ITV.