A comissão especial da Câmara dos Deputados que discute a proposta de Reforma Política começou, hoje, a ouvir os presidentes dos partidos políticos. O primeiro a falar foi o presidente do PPS, deputado Roberto Freire, que surpreendeu positivamente ao colocar na discussão o tema do parlamentarismo. Roberto Freire lembrou que proposta de emenda constitucional do então deputado Eduardo Jorge está pronta para a pauta do plenário desde 2001 e que teve votos favoráveis da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania e da Comissão Especial destinada a proferir parecer à PEC.
É inevitável que nossas análises sejam feitas por uma ótica do sistema de governo que hoje impera no Brasil. O Presidencialismo é um sistema introjetado não apenas na norma, mas também na mentalidade social e política do país. Isso não é à toa. Até os pouco institucionalistas vão reconhecer que as instituições têm influência na forma como analisamos a política, principalmente quando uma instituição vigora por muito tempo. Esse é o caso do Presidencialismo. No entanto, me parece muito limitado que não possamos discutir sistemas de governo alternativos, principalmente em um momento de grave crise política vivida pelo país.
Eu nunca tive muito apreço pelo Presidencialismo, e muito menos pelo presidencialismo brasileiro. Nossa constituição foi construída para o parlamentarismo, mas infelizmente o país perdeu essa batalha na constituinte e escolheu o presidencialismo em um plebiscito mal organizado em 1993. O Presidencialismo brasileiro é imperial, pode muito e acaba por sufocar as prerrogativas dos outros poderes. Basta nos reportarmos aos estudos de Argelina Figueiredo e Fernando Limongi que demonstram que o Poder Executivo domina cerca de 80% da pauta congressual, o que não é um absurdo para sistemas parlamentaristas, mas o é para presidencialismos.
Mas afinal de contas, o que é o parlamentarismo? Bem, existem vários tipos de modelos parlamentaristas pelo mundo, não havendo um modelo rígido e fixo a ser seguido. Podemos, no entanto, concordar que o parlamentarismo é o sistema de governo onde o foco da ação política e governamental está no Poder Legislativo, isso porque é à partir do Legislativo que o governo é construído. É de dentro do Legislativo que nasce o governo. Vários países adotam esse sistema, sendo os maiores exemplos o Reino Unido e a Alemanha, mas também Canadá, Austrália, Espanha, Itália e vários outros. Vamos tentar analisar o parlamentarismo através de um exemplo prático já existente e também sob a luz da PEC 20/1995 que está pronta para a votação do plenário da Câmara.
Bem, vamos tentar aqui fazer um panorama rápido e superficial de como funciona o parlamentarismo no Reino Unido. Bem, como sabemos o Reino Unido tem uma monarca, Rainha Elizabeth II que é a chefe de Estado, ou seja, é ela quem representa o Reino Unido perante os outros países, podendo, no entanto, delegar algumas dessas funções para o governo.
O primeiro passo no parlamentarismo inglês são as eleições distritais. Cada distrito elege um representante apenas, tendo um candidato de cada partido. Os eleitores vão às urnas e escolhem os seus representantes. Considerando os eleitos vê-se a proporcionalidade dos partidos na Câmara dos Comuns. O partido que obtiver a maioria das cadeiras forma o governo. Às vezes nenhum partido obtém a maioria das cadeiras e aí existem duas soluções: 1) dois ou mais partidos se juntam em uma coalizão para formar o governo ou 2) dissolve-se o parlamento e convocam-se novas eleições. Na última eleição no Reino Unido, por exemplo. Nenhum partido obteve a maioria das cadeiras então os conservadores e os liberais democratas se uniram para formar um governo.
Numa primeira olhada pode parecer que as coisas ficam muito ao acaso quando a eleição de centenas de deputados individuais é o que determina a formação ou não de um governo. De fato, mas há mecanismos que fazem uma ligação estreita entre a eleição distrital e a eleição nacional.
O Reino Unido está passando por eleições e cada partido tem um líder. Esses líderes fazem a campanha nacional, eles são o rosto do projeto nacional do partido. Isso porque esse ou essa líder será o provável primeiro-ministro caso seu partido obtenha a maioria das cadeiras. Nesse sentido, o eleitor que quer reeleger o David Cameron sabe que ele tem que votar em um representante distrital do partido conservador, pois assim ele estará contribuindo para garantir que os conservadores tenham mais cadeira na Câmara e, portanto, estejam mais próximos de atingir a maioria.
A lógica com certeza não é simples como é a do Presidencialismo, mas a instituição é muito mais sólida e muito menos sujeita à crises. No Reino Unido é simples, o governo que não conta mais com a confiança do parlamento cai através do voto da maioria dos representantes e um novo governo do mesmo partido ou coalizão é formado. Se a coalizão se dissolver e não for possível constituir uma nova maioria então dissolve-se o parlamento e convocam-se novas eleições. Cai o governo, mas não cai o partido, o partido tem a oportunidade de apresentar uma nova equipe, um novo primeiro-ministro.
Feito esse panorama podemos começar a discutir algumas das principais vantagens desse sistema e como isso se relaciona não apenas com o caos político que vive o Brasil, mas com as discussões acerca da Reforma Política.
Bom, tendo como foco a proposta do então deputado Eduardo Jorge, a primeira vantagem que vemos é que o governo nasce de dentro do Legislativo. O Primeiro-Ministro e os Ministros de Estado viriam do corpo dos deputados eleitos. Isso faz com que o governo tenha que constantemente estar prestando esclarecimentos perante o Congresso. O poder fiscalizatório do Congresso é elevado e a sociedade só tem a ganhar com isso. A PEC inclusive obriga o primeiro-ministro a comparecer mensalmente ao Congresso para levar o relatório do andamento das ações previstas no plano de governo, sendo crime de responsabilidade deixar de comparecer sem motivo justificado. No caso do Reino Unido, o primeiro-ministro comparece semanalmente ao parlamento para responder às perguntas dos demais representantes e, principalmente, do líder da oposição.
A proposta de Eduardo Jorge não extingue a Presidência da República. O país ainda teria um presidente que seria um Chefe de Estado e não Chefe de Governo. O Presidente teria atribuições focadas nas áreas de defesa nacional, relações internacionais e no controle do governo, afinal, pela proposta, é o Presidente quem nomeia ou exonera o primeiro-ministro e os demais ministros.
A proposta visa criar no país a figura do Presidente que está fora dos embates cotidianos e partidários da política. Alguém que seja capaz de sair da polarização partidária para auxiliar o país a encontrar soluções ponderadas. O autor da proposta inclusive veda que os presidentes sejam filiados ou vinculados à partidos políticos.
Algumas pessoas levantam alguns pontos importantes de serem respondidos sobre o parlamentarismo. Por exemplo, alguns chamam de eleição indireta. Isso é uma meia verdade. É uma meia verdade porque de fato o caminho para a eleição de um primeiro-ministro começa na eleição parlamentar, mas é uma meia mentira porque, como no caso inglês, o cidadão sabe que votando em um deputado conservador ele vai estar ajudando a eleger um primeiro-ministro conservador, no caso dessas eleições, ajudando a reeleger o David Cameron. O parlamentarismo é inclusive uma forma de solucionar a personificação e a paroquialização do debate político em modelos distritais de voto.
Outra crítica feita é que o Chefe de Estado seria uma figura meramente simbólica sem poder nenhum. Isso tampouco é verdade. É fato que os sistemas parlamentaristas tendem a chegar, através do tempo, a uma harmonia institucional onde chefes de Estado não necessitam utilizar suas prerrogativas de dissolução de parlamento, de exoneração de ministros e primeiro-ministro e assim por diante, mas isso é fruto do exercício contínuo da democracia parlamentar.
A proposta de Eduardo Jorge deixa ainda à cargo do Presidente as indicações dos magistrados das altas côrtes e do TCU; chefes de missões diplomáticas; Procurador-Geral da República; comando do Exército; declaração de guerra ou paz (deliberadas pelo Congresso) e várias outras funções. A proposta garante mais sistemas de freios e contrapesos que divide o poder que hoje é muito concentrado no Poder Executivo. No Parlamentarismo o Executivo é constituído de duas forças que dividem atribuições e poderes, o Estado e o Governo.
Sei que esse debate parece coisa de louco quando estamos tão acostumados com o Presidencialismo e que muitas vezes o parlamentarismo parece uma coisa muito confusa. E é mesmo. Essa é uma grande desvantagem para quem defende o parlamentarismo. O Presidencialismo segue uma lógica muito linear e muito simples, enquanto o parlamentarismo exige de nós explicações mais elaboradas. Creio que esse foi um dos motivos da derrota no plebiscito de 1993.
O que eu tentei fazer aqui foi um breve (por mais que isso seja quase impossível em se tratando do tema e do autor) relato dessa importante discussão que não estava sendo feita e que, felizmente, foi trazida pelo deputado Roberto Freire. Não podemos ter medo dessa discussão e não podemos aceitar que quem queira fazê-la seja chamado de golpista.
Eu não tenho dúvidas de que a saída para a crise política é o parlamentarismo, mas sei que as chances de conseguirmos mobilizar a maioria qualificada do Congresso para sua aprovação são mínimas. No entanto, não vou me furtar a fazer esse debate como nunca me furtei de debater a Reforma Política.
À partir de agora vou começar a me manifestar mais acerca da defesa do parlamentarismo porque é nisso que eu acredito e porque esse foi um dos principais motivos da minha filiação ao PSDB. Eu convido todos vocês para que se juntem à nós nesse debate e na luta pela implementação do parlamentarismo no Brasil. Não é uma luta fácil e nem sei se vamos conseguir, mas o debate é importante para que consigamos construir uma democracia mais sólida e mais madura.
Estudante de Ciência Política na UnB e filiado ao PSDB-DF