Quando exercia a função de Arcebispo de Buenos Aires, o agora Papa Francisco costumava celebrar as tradicionais missas de Ano Novo, às quais compareciam invariavelmente os presidentes daquele país, e aproveitava a homilia para criticar os erros dos administradores públicos. Nunca se conteve, apesar presença deles entre os fiéis.
Frequentador dos subúrbios da capital e passageiro comum dos trens e ônibus argentinos que utilizava para se deslocar pela cidade, o papa falava na missa sobre o que observava e o que ouvia do povo em suas andanças.
Em uma dessas ocasiões, incomodado com as palavras ditas pelo arcebispo, o presidente Nestor Kirchner teve um gesto inusitado: se retirou da Catedral no meio da pregação, passando a hostilizar o então cardeal, no que foi seguido pela sua esposa e atual presidente Cristina Kirchner. As pazes da família com o religioso só foram celebradas quando Bergoglio se tornou papa e Cristina, depois de fazer muito suspense, compareceu à sua posse.
Francisco tem dito e escrito que a política, exercida com seriedade, “é uma das melhores formas de se praticar caridade” e nunca deixou de externar sua opinião sobre os malfeitos, sobretudo os casos de corrupção. Mesmo que corra risco, percorrendo terrenos espinhosos ou sendo vítima de incompreensões.
Foi assim no sábado passado quando, em pleno centro de atuação da máfia Camorra, em Nápoles, na Itália, ele bradou, sem receio, contra a corrupção. Disse, sem meias palavras, que a corrupção “é suja”, que uma sociedade corrupta é uma “porcaria” e que “aquele que permite a corrupção não é cristão”.
Diante da multidão que o ouvia e que vive amedrontada diante do poderio dos mafiosos, o Papa os exortou a manter a esperança “para não permitir que quem voluntariamente tome o caminho do mal roube um pedaço de esperança de si mesmo e dos demais”.
Permanentemente antenado com o que ocorre em seu país e na América Latina em geral, o papa teve seu discurso imediatamente interpretado como um recado não apenas para a Itália, onde falava, mas para todos os países cujos principais dirigentes se encontrem envolvidos com denúncias de corrupção, como a Argentina e o Brasil, atualmente.
Num país eminentemente católico, as palavras de Francisco devem ter provocado mais uma dor de cabeça para o Palácio do Planalto. Afinal, embora não seja católica praticante, a presidente Dilma, em períodos de campanha, faz questão de comparecer às igrejas sobretudo nas festas de grande dimensão, como a da celebração do dia de Nossa Senhora Aparecida.
Mesmo contrário a que bispos e padres assumam o protagonismo na política – diz que cabe aos católicos leigos esta tarefa – o papa Francisco demonstra, com o que falou na Itália, que não se calará diante dos que usam do setor público para praticar desvios de conduta.
Certamente que se tivesse que vir hoje ao Brasil aproveitaria seus pronunciamentos para mandar recados bem mais duros que os que proferiu durante a Jornada Mundial da Juventude quando falou mais para o mundo do que para um país em particular. Sem contar que sua linguagem anda bem mais afiada nos últimos tempos.
* A ex-deputada estadual Terezinha Nunes (PSDB-PE) é presidente da Junta Comercial do Estado de Pernambuco (Jucepe)