Opinião

“Guerrilha no Planalto?”, por Míriam Leitão

1STU6130A presidente Dilma vai errar de novo se ouvir os conselhos amalucados de fazer “guerrilha política”, como foi proposto em documento interno do Planalto. A popularidade despencou a um nível tão baixo que a fragiliza, e a única resposta boa é o reconhecimento dos erros e a sinceridade. A bola agora está com a presidente, e ela precisa saber como salvar seu governo da aguda desidratação.

O documento reservado do Planalto, publicado nos jornais de ontem, mostra o quanto a presidente está mal assessorada. O texto admite, o que, de resto, não era segredo para ninguém: uso de robôs para disparar contra adversários na mídia digital. Além disso, o documento propõe explicitamente: “As ações das páginas do governo e das forças que apoiam Dilma precisam ser melhor coordenadas. A guerrilha política precisa ter munição vinda de dentro do governo, mas para ser disparada por soldados fora dele.”

Ainda que não tenha autoria, o documento tem impressões digitais. É isso mesmo que os assessores dizem à presidente e assim agem: financiando os “soldados que disparam” de fora do governo, como se dentro dele estivessem. A presidente Dilma precisa de alguém que lhe diga que o tempo da guerrilha acabou. Na democracia, é com a boa política que se chega à vitória.

É um equívoco enorme considerar que a situação a que se chegou de desaprovação se deve à suposta militância digital oposicionista ou a críticos do governo ou mesmo à “errática” comunicação da Presidência, como diz o texto. A queda da popularidade presidencial tem como causa fatos da vida real. A situação econômica está realmente ruim. O desconforto que a inflação alta está causando às famílias, principalmente as de mais baixa renda, é enorme. A indignação com o nível a que chegou a corrupção no Brasil está disseminada.

Antes que inventem novos artefatos de ataques contra os supostos adversários do governo, Dilma deveria pôr sua cabeça no travesseiro e pensar em toda essa situação criada pelos erros que cometeu, pelos alertas que ignorou, pelo uso do marketing nocivo que ajudou a envenenar sua relação com a sociedade.

Basta olhar os dados detidamente. Só 13% acham o governo bom ou ótimo. Portanto, inúmeros eleitores da presidente estão decepcionados e se sentem traídos. A base parlamentar tem queixas reais de não ter sido informada de propostas que o governo enviou ao Congresso. O problema é vasto e complexo demais para ser resolvido por uma visão bélica do processo político e social.

Nos discursos de ontem, ao lançar o pacote anticorrupção, seguiu-se de novo a linha de que o governo está pagando um preço alto por investigar a corrupção. Deveríamos ser poupados da repetição dessa ideia que desrespeita a inteligência alheia. Ninguém duvida que corrupção existia antes de 2003, mas é inegável o fato de que ela escalou e chegou a um nível intolerável quando decidiu tomar de assalto a Petrobras, como se fosse um campo de extração partidário.

O governo propõe que seja crime o caixa dois. O PT já teve um tesoureiro, Delúbio Soares, que confessou essa prática. Mas agora, como explicou o procurador Deltan Dallagnol, há um sistema mais sofisticado: propinas eram cobradas para serem pagas como contribuição legal à campanha. As doações dentro da lei passaram a ser a forma de lavar dinheiro de origem ilícita. Portanto, a proposta do governo fecha porta arrombada, quando os criminosos já encontraram outra porta e por ela transitam.

A presidente deveria chamar corrupção de crime, e não de “malfeitos”. É leve demais a palavra para definir o estrago que foi feito na maior empresa do país que hoje está sendo rebaixada e tirada de índices de boas empresas no mundo inteiro. A Petrobras, é sempre bom repetir, não é apenas a maior. É a mais querida das empresas do Brasil, nascida de movimento popular, com um quadro qualificado de funcionários, a que mais investe em pesquisa e desenvolvimento. Esse patrimônio é que foi atacado, e ele é que tem sido defendido pelas instituições que a democracia e o Estado brasileiro criaram.

Na economia, na política e no combate à corrupção, a presidente precisa usar as armas convencionais da democracia: negociar, convencer, reconhecer erros, ser sincera. O tempo da guerrilha definitivamente está encerrado.

*Publicado na edição desta quinta-feira (19) do jornal O Globo