No último mês de maio, a presidente da República editou um decreto, de número 8.243/2014, cujo objetivo explícito é “consolidar a participação social como método de governo”. Em outras palavras está sendo determinada a implantação da chamada Política Nacional de Participação Social (PNPS) e, consequentemente, do Sistema Nacional de Participação Social (SNPS).
Em síntese o decreto em questão prevê a criação de “conselhos populares”, formados por integrantes de movimentos sociais, que poderão “opinar sobre os rumos de órgãos e entidades do governo federal”.
Os alaridos do momento que estamos vivendo, da realização da Copa do Mundo de Futebol da FIFA, abafaram a chegada do decreto a um público mais amplo.
Entretanto, a sua importância para as instituições brasileiras pode ser medida pela enorme repercussão entre a intelectualidade formadora de opinião, os jornais de todo o país através dos seus editoriais, os juristas, os articulistas, os políticos e, de forma veemente, a direção do Congresso Nacional, através da presidência do Senado e da Câmara dos Deputados.
O eminente jurista Miguel Reale, ex-ministro da Justiça de Fernando Henrique Cardoso, emitiu uma ideia síntese do que propõe o decreto, ao afirmar: “É uma democracia pior que a Venezuela, uma balbúrdia, mais grave do que os governos bolivarianos da América do Sul”.
O meu entendimento é de que, como procurei expressar no título deste artigo, a proposição presidencial atropela as atribuições do Congresso Nacional e, ainda, cria um acesso privilegiado às instâncias da administração federal para os integrantes dos movimentos sociais, muitos dos quais são cooptados pelo governo. Ademais é um decreto que tem, de forma patente, vários conflitos em relação ao texto constitucional.
Destaco, também, a definição de sociedade civil, contida no inciso I do artigo 2º do referido decreto: “o cidadão, os coletivos, os movimentos sociais institucionalizados ou não institucionalizados, suas redes e suas organizações”. Nessa definição, diz-se, cabe tudo.
O ministro Carlos Veloso, que presidiu a mais alta corte de justiça do país, guardiã da Constituição, diz nada mais nada menos que “este decreto diz respeito à participação popular no processo legislativo e administrativo, mas a Constituição, quando fala de participação popular, é expressa ao prever como método de soberania o voto secreto.”
Sobre o comentário do ministro, todos sabemos que até os casos de referendo, plebiscito e projeto de iniciativa popular têm de passar pelo Congresso, que é, sem dúvida, “a representação máxima da população na nossa ordem constitucional”.
O ministro Gilmar Mendes, do STF, como que conclui todos esses pensamos e raciocínios sobre os objetivos nefastos desse projeto, afirmando: “Tudo que vem desse eixo de inspiração bolivariano não faz bem para a democracia”.
Aqui no Senado, muito nos agradou ouvir o presidente da Casa, Senador Renan Calheiros, sair, em pronunciamento, em defesa do Congresso Nacional. Disse o presidente que, embora seja louvável falar-se em ampliar a participação popular, isso não pode ser feito por decreto, sem que os deputados e senadores sejam ouvidos, como legítimos representantes da população para esse fim. Essa é uma discussão, diz ele, que deve ser legitimada pelo Congresso Nacional.
Não poderia ausentar-me dessa discussão, honrando o mandato que, pela quinta vez, é-me confiado pela população de Goiás.
Estejamos atentos, pois, em defesa da democracia representativa em nosso país. O assunto muito será discutido ainda e voltarei ao assunto em defesa das liberdades públicas, que devem ser a marca de uma sociedade plural e democrática.
*Lúcia Vânia é senadora (PSDB), Ouvidora Geral do Senado e jornalista.
**Publicado no Facebook da senadora Lúcia Vânia