Opinião

“Humanização Na Medicina: Visão Médica e sobre o Médico”, por Walkyria de Paula

Foto: Corbis
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Este estudo foi desenvolvido a partir de dois interesses da autora: a humanização da medicina sob o ponto de vista do médico e o estresse sofrido por ele, suas causas e consequências. Foi feito um levantamento bibliográfico (literatura escrita e online), pesquisas em hospitais e clínicas e junto aos profissionais que são, em todos os casos, os maiores interessados nas conclusões a que possam chegar a autora. Hoje em dia é de suma importância ressaltar que os médicos vivem sob contínua tensão, não só no ambiente de trabalho, mas também na vida em geral, pois além das habituais responsabilidades ocupacionais e do atendimento de um excessivo número de pacientes que procuram hospitais e Unidades de Emergência (UE), a deficiência de seu número para atender essa demanda, do constante ritmo acelerado e das péssimas condições de trabalho, o profissional tem que lidar com os estressores normais da vida em sociedade, tais como, a manutenção da família, a baixa remuneração, a necessidade de assumir mais de um vínculo de trabalho, entre outros.

Assim sendo, todos esses novos desafios superam os limites adaptativos levando ao estresse. O desgaste a que médicos atuando nas UE´s ou conveniados de algum plano de saúde estão permanentemente submetidos nos ambientes e nas relações de trabalho são fatores determinantes de doenças. O desgaste emocional vivenciado nas relações com o trabalho é significativo na determinação de transtornos relacionados ao estresse como é o caso das depressões, ansiedade patológica, pânico, fobias, doenças psicossomáticas, etc. Em suma, o médico com esse tipo de estresse ocupacional não responde à demanda do trabalho, tornando-se irritável e deprimido e, diante desses riscos a que esta categoria está sujeita, foi que surgiu o interesse em descobrir quais as causas de estresse em médicos chamados de “trincheira”, ou seja, aqueles que pegam pesado no trabalho.

A UE é vista como um possível calvário para aqueles que, nas suas percepções de risco da morte que estão enfrentando, na angústia pela perda da vida, enxergam na humanização uma melhoria para seus sofrimentos, ou seja, o adoecer. Mas será isto mesmo a humanização?

A escolha por este tema se justificou por ser esse um assunto muito presente atualmente e, principalmente, por não haver quem tenha até o momento, se preocupado em fazer um levantamento da situação entre os médicos que atuam em algumas UE. É um trabalho que interessa a todas as pessoas envolvidas no cotidiano do médico, à sociedade que depende dos seus serviços e aos estudiosos do tema. O trabalho teve como objetivos: averiguar se as condições de trabalho oferecidas na UE têm sido a principal causa da ocorrência de sinais de estresse entre os médicos; verificar as dificuldades de implantação da humanização nos diferentes grupos que atuam nesse meio conturbado, com excesso de demandas, condições precárias de trabalho e problemática intra e extra-hospitalares; verificar se o número de pacientes atendidos por cada médico durante o período de atendimento é compatível com o tempo destinado a esta atividade; averiguar se os médicos estudados têm tido necessidade de um ritmo acelerado para cumprir as demandas de trabalho a que estão submetidos; verificar se os médicos estudados têm assumido mais de um vínculo de trabalho; averiguar qual é a avaliação dos médicos estudados com relação à remuneração por eles percebida pelas atividades desenvolvidas; verificar se os médicos que atuam na UE têm trabalhado juntamente com todos os especialistas para atender às demandas das especialidades que se apresentam e se os médicos estudados atendem ou são obrigados a atender casos fora da sua especialidade e para a qual foram contratados; e investigar se existe manual de processos e de rotinas na UE.

Para esse trabalho, foram entrevistados médicos de várias especialidades e que atuam diária ou ocasionalmente em Unidades de Emergência. Foram distribuídos 21 questionários, dos quais 20 foram devolvidos completamente preenchidos. Não se levou em consideração um questionário que foi preenchido apenas até a sexta questão. Os médicos entrevistados foram escolhidos aleatoriamente, e responderam o questionário entre setembro de 2008 a outubro de 2009.

A conclusão a que se chegou foi que o ser humano sente uma necessidade imperiosa de se adaptar às novas situações impostas pelo trabalho, pelas mudanças de qualquer natureza e pelas exigências da vida moderna. A necessidade de adaptação expõe constantemente o indivíduo a situações de conflito com os outros e consigo mesmo, criando ansiedade e angústia, especialmente quando ocorre um sentimento de frustração perante a sensação de fracasso.

A medicina é considerada uma profissão cujo estresse ocupacional é dos mais intensos, devido aos cuidados físicos e emocionais que os pacientes requerem. A suscetibilidade ao estresse ocupacional existe, sobretudo, pela grande responsabilidade que é própria dessa profissão, sendo que nas unidades de emergência e urgência o fenômeno se manifesta de forma mais intensa, onde a presença do sofrimento físico e emocional, da incapacidade de alguns clientes/pacientes e seus familiares, é inevitável.

Diversos estudos feitos em hospitais públicos e privados e em unidades de emergência constataram que além de lidar com doenças, sofrimento e morte, os médicos ainda têm que se superarem quando se trata de carga de trabalho. Duplas ou até mesmo triplas jornadas de trabalho são bastante comuns em instituições hospitalares que apresentam quantidade insuficiente de pessoal. Há também os profissionais que possuem mais de um emprego com a finalidade de complementar renda.

No caso específico das profissionais do sexo feminino há que se considerar também as tarefas domésticas que muitas delas são obrigadas a assumir, mesmo após um dia cansativo de trabalho.

Não podem ficar esquecidos também os conflitos internos no trabalho, sejam entre colegas da equipe ou entre supervisores e subordinados, pelas mais diversas razões que permeiam esses conflitos em qualquer instituição.

A sofisticação cada vez maior dos equipamentos e dos cuidados de ordem médica que deveriam estar sendo dispensados aos pacientes são as prioridades que deveriam dominar as Unidades de Emergência, mas que devido ao escandaloso fracasso do Governo Federal no que diz respeito à saúde e educação, a saúde no Brasil, nas palavras do Dr. João Amilcar Salgado5, está se tornando uma verdadeira “nau de insensatos” que é o atendimento dado pelo SUS quando se vê, nas filas das Unidades de Emergência, um verdadeiro e doloroso desfile de dor, pranto, morte, tumulto e agressões nas filas de atendimento. O que podem fazer os médicos que atuam nesses e em outros lugares (hospitais públicos, principalmente)?

No entanto, a ausência de atenções voltadas para as necessidades psicossociais do paciente e dos médicos transforma a UE em locais burocratizados e despersonalizados, isto é, cada um por si.

Não existe equipamento, por mais avançado que seja, capaz de substituir o afeto, a atenção, o ouvir e o falar. A presença desses sentimentos tem influências positivas no processo de recuperação, enquanto sua ausência exerce efeitos contrários.  Mas como dar atenção, ouvir e falar, quando a fila lá fora é imensa, o tempo é curto e existem outros empregos e horários esperando pelos médicos em outros lugares?

As revisões bibliográficas consultadas mostraram uma vasta produção literária sobre a necessidade de humanização das unidades de pronto-atendimento, UTI, hospitais, visando o bem estar dos pacientes. Mas, onde está escondida literatura que fala da humanização do trabalho do médico. Está tão bem escondida que não foi possível encontrá-la. Será que existe?

Essa literatura escondida deveria ser de autoria principalmente de profissionais da área médica, mas as vozes encontradas, como as do Dr. Salgado, ainda são muito poucas e não estão conseguindo se fazer ouvir por todos os ouvidos moucos que se fazem de mortos para não fazerem nada.

O estudo realizado permite concluir que o conjunto de fatores potencialmente causadores de estresse forma um quadro grave e preocupante, tanto para a própria vida pessoal do médico, quanto para as outras vidas humanas que dependem da competência, da eficiência e do preparo desses profissionais. Para o paciente, todo esse conjunto de fatores negativos pode resultar na diminuição da eficácia do tratamento, que afinal de contas, é o motivo maior para a existência das instituições hospitalares.

Outros estudos mais abrangentes, com mais profissionais que labutassem diariamente nessas unidades de emergência, e a longo prazo deveriam ser desenvolvido, buscando não só aumentar a literatura sobre o tema, mas também engrandecer o trabalho desses profissionais.

*Walkyria de Paula. Médica com especialização em Clínica Médica e Medicina do Trabalho, pela Faculdade de Ciências Médicas, 1972. Pós-Graduações em: Emergências Médicas, pela Escola de Reanimação, 2009. Perícia Médica, pela Faculdade de Ciências Médicas e Fundação UNIMED, 2011. Pós-Graduanda em Geriatria e Gerontologia, pela Faculdade de Ciências Médicas e Fundação UNIMED, Belo Horizonte, 2014, entre outras.