Opinião

“A mártir e a justiça”, por Eliane Aquino

Reprodução TV/Brasil Parentes e amigos de Fabiane protestam após enterro
Reprodução TV/Brasil Parentes e amigos de Fabiane protestam após enterro

Reprodução TV/Brasil Parentes e amigos de Fabiane protestam após enterro

Um assassinato cruel, dois órfãos e uma barbárie sem tamanho a envergonhar e a estarrecer a todos nós. Vítima de um boato irresponsável a circular pelas redes sociais, Fabiane Maria de Jesus, foi perseguida e espancada violentamente por seus próprios vizinhos, semana passada, em Guarujá, confundida com uma possível sequestradora de crianças na região.

Se o erro de juízo em se fazer justiça com as próprias mãos já é grave, pior ainda é o fato de que a vítima era inocente. E agora, quem devolve a justiça aos filhos e familiares de Fabiane?

A própria acusação não tinha sentido. Não havia sequer crianças desaparecidas na área. A foto postada era de um suposto retrato falado. Na Polícia, nenhuma denúncia, nenhuma queixa.

A quem se cobrar a responsabilidade? A quem postou a falsa notícia nas redes sociais ou à violência implantada nas mãos das pessoas que lincharam Fabiane sem, por um minuto, lhe dar o direito de defesa, de desfazer o engano? Ou será a responsabilidade maior da própria Justiça que permite a homens e mulheres neste país conviverem com a impunidade?

Neste episódio, não tombou apenas Fabiane, mãe de uma adolescente e de um bebê, mas o próprio direito de justiça que tanto cobramos como sociedade. Não é desacreditando na ordem e na lei que faremos justiça. Muito menos, apostando no linchamento de inocentes ou culpados que crescemos enquanto povo, enquanto Estado, enquanto Nação.

Tancredo Neves me disse, certa feita em uma entrevista, que é preciso seguir a lei, mesmo sem concordar com ela, embora isso não signifique que não possamos lutar para mudá-la. Concordo com ele. Não é tentando impor o “dente por dente, olho por olho”, que estamos ajudando a fazer justiça. Ao contrário, isso abre um precedente perigoso, irresponsável, onde outras Fabianes podem ser as maiores vítimas.

Agora, é preciso percorrer, dentro da lei, o caminho para se punir os executores de Fabiane. Com isso, estamos, igualmente, impedindo que outros linchamentos e outras postagens de tamanha irresponsabilidade possam voltar a acontecer. Somos, na essência, um povo generoso e violência não cabe na generosidade do povo brasileiro.

Que seja Fabiane de Jesus um marco entre a estupidez e a justiça.

 * Eliane Aquino é jornalista