O real comemorou 19 anos de existência, no último dia 1º, em um terreno perigoso, pois, como lembrou o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, vivemos agora o período de uma economia absolutamente sem rumo, com forte ameaça de retorno da inflação, surgida em decorrência do absoluto abandono, pelo atual governo, dos fundamentos da política macroeconômica vigente desde 1994.
Naquele ano, a inflação explodiu em 916,46% e foi estabilizando-se nos anos seguintes – entre 1994 e 2013, a taxa acumulada, segundo o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), chegou a 332,33%.
Os brasileiros sentiram a mudança do Plano Real, especialmente a partir de 1999, com a soma de medidas: regime de câmbio flutuante, metas de inflação e estratégia de geração de superávits fiscais primários, voltada à redução da dívida pública.
Reconhecido como o mais consistente programa de combate à inflação adotado no Brasil, implantado sem choques e sem traumas e discutido criteriosamente, passo a passo, de forma democrática, com a sociedade brasileira, por intermédio do Congresso Nacional, o Plano Real foi concebido e executado a partir de maio de 1993.
No entanto, sua transformação em um projeto de desenvolvimento para o País exigiria a substituição do esforço fiscal provisório (direcionado a minar a principal fonte geradora de inflação inercial), lançado em 1993, por um ajuste fiscal definitivo, capaz de devolver a capacidade de o Estado coordenar a construção de um futuro econômico desprovido de desequilíbrios fiscais estruturais e orientar as escolhas estratégicas dos agentes privados.
Isso seria possível com a ativação de um conjunto de avanços institucionais. O primeiro deles foi deflagrado na gestão Fernando Henrique Cardoso à frente da Presidência da República, especificamente com o aprofundamento da abertura comercial e do programa de privatizações, a flexibilização dos monopólios e a lei de responsabilidade fiscal, ao lado da edificação de uma rede de proteção social, nascida da Carta Magna de 1988, incluindo a recuperação do poder de compra do salário mínimo. Fernando Henrique implantou as bases do Plano Real.
A gestão Lula teve o mérito de preservar os alicerces desta orientação econômica, apesar de declarar-se contra ela por anos a fio, e unificar e ampliar a abrangência dos programas oficiais de transferência de renda.
Porém, negligenciou a tarefa de preparação do futuro, contentando-se com o êxito eleitoral de um populismo distributivista e abandonando o projeto de reformas. Ficaram para trás as modificações necessárias nos campos tributário e previdenciário, a continuidade consistente das privatizações, a melhoria da eficiência operacional e financeira do Estado, os investimentos em modernização e ampliação da infraestrutura, a política de apoio à integração competitiva das empresas brasileiras na fronteira internacional e o pacto federativo, redefinindo receitas e encargos entre União, Estados e Municípios.
Para piorar, a gestão Dilma perdeu a mão no gerenciamento das variáveis de estabilização e praticamente eliminou, de maneira autoritária, a política econômica até então vigente, ignorando a necessidade de uma ampla discussão social sobre o aperfeiçoamento da mesma, ou até da sua substituição.
Como resultado, o País vem sendo obrigado a conviver com o delineamento de uma atmosfera extremamente desfavorável, combinando retorno da inflação e ausência de crescimento, elementos incompatíveis com qualquer tentativa séria de organização de uma agenda de projeto de Nação.
Beto Richa
Governador do Paraná