Opinião

Uma questão de gênero

Solange Jurema

Solange Bentes Jurema Foto George Gianni PSDBPrimeiro de abril de 2002, um dia que marcou a minha vida. Era uma segunda-feira,  depois da Semana Santa: 5h30 da manhã  toca o telefone. Acordei assustada, era o meu genro nervoso  dizendo que tinha estourado a bolsa  e minha filha estava indo para a maternidade. Saímos  correndo,  eu e meu marido, para o hospital.  O parto foi rápido para primeiro filho: às 9h20 nascia meu neto lindo e enrugadinho . Fui para o apartamento esperar minha filha que ainda estava na sala de recuperação, me sentia nervosa, emocionada, tensa, com os sentimentos  misturados.

Toca o celular. Eu atendo. Alguém diz que é da Presidência da República e que o presidente Fernando Henrique queria  falar comigo. Quase desligo o telefone, afinal era 1º  de abril e achei que se tratava de  um trote, em péssima hora , mas aguardei para ver quem era o engraçadinho. Reconheci a voz do presidente e levei o maior susto. Ele, com a simpatia e gentileza que lhe são  peculiares,  comunicava  que _ conforme tinha anunciado em 8 de março, Dia Internacional da mulher _   estava criando a Secretaria de Estado dos Direitos da Mulher e me convidou para assumir a pasta. Detalhe: gostaria que eu estivesse em Brasília no dia seguinte  porque pretendia anunciar o meu nome junto com os outros ministros  que iriam substituir os que tinham se desincompatibilizado para ser candidatos.

Eu mal podia acreditar, finalmente tínhamos conseguido ver atendida  uma reivindicação  antiga das mulheres brasileiras.  Será que eu tinha entendido bem? Ele estava me convidando para ser ministra? E claro que isso me deixava honrada,   emocionada e até envaidecida. Na verdade, eu nunca tinha me imaginado ministra , sempre achei algo distante, inacessível. Em  segundos minha cabeça viajou  por todo um caminho percorrido, por todas as lutas compartilhadas , mas e agora, eu queria muito aceitar o convite , mas jamais poderia deixar minha filha neste momento tão importante para ela.

Quantas mulheres passam todos os dias por esse dilema?  Ter que escolher entre uma demanda profissional importante e  um acontecimento  familiar não menos importante. A minha escolha era entre um ministério e um neto, mas todos os dia as mulheres se dividem entre uma febre do filho e uma reunião inadiável  , ou a falta de uma babá logo naquele dia que você não poderia faltar porque tem uma audiência que pode colocar seu emprego em jogo, tantas e tantas escolhas difíceis.

Resolvi ser sincera,  um pouco sem graça , mas absolutamente segura da minha escolha: “Presidente fico felicíssima com a sua decisão , a criação dessa secretaria muda a história das mulheres brasileiras,  e me sinto muito honrada com a sua confiança, mas não posso ir para Brasília esta semana. Minha filha  acabou de ter seu primeiro filho  e não posso deixá-la nesse momento. Eu deixo o senhor à vontade e vou entender perfeitamente se  quiser convidar outra pessoa que possa estar em Brasília amanhã”.  O presidente riu e respondeu: “Não tem importância Solange, afinal é uma questão de gênero. Eu anuncio seu nome e você vem quando puder”.

Decorridos 11 anos da criação do Ministério da Mulher, hoje Secretaria de Políticas Públicas para as Mulheres, ainda me pergunto como teria reagido um homem ao ser convidado para ser ministro. Teria tido coragem de dizer que o nascimento de um neto é mais importante do que qualquer ministério? Por outro lado como reagiria o presidente, se fosse um homem e não uma mulher que lhe dissesse isso? Ou ainda outro presidente, que não fosse casado com dona Ruth Cardoso e, consequentemente, sensibilizado para as diferenças de gênero, como reagiria? Não sei. O importante é que a história se constrói com as estórias. Por isso achei importante contar esse episódio.

 *Segunda vice-presidente do Secretaria Nacional do PSDB Mulher