Simone de Beauvoir, filósofa francesa, revolucionou a forma como vemos as relações de gênero na sociedade moderna. De acordo com Beauvoir, ao longo da história do mundo o nosso entendimento da sociedade e das relações entre os humanos veio de um prisma majoritariamente masculino. Fazemos julgamentos acerca da sociedade a partir de uma visão masculina e por isso determinamos o masculino como objeto filosófico. E o mais importante: julgamos as mulheres iguais aos homens apenas quando elas podem agir como eles. Simone Beauvoir rejeitava essa ideia por acreditar que homens e mulheres são diferentes e que a relação que temos com nosso corpo e com o resto do mundo está intimamente ligada ao nosso gênero sexual. Mas talvez o mais importante do feminismo de Beauvoir foi a separação entre o ente biológico (ser do sexo feminino) da feminilidade (que é a construção da sociedade). Como já dizia a própria Beauvoir em um de seus mais famosos livros (O Segundo Sexo): “Exortam-nos: sejam mulheres, permaneçam mulheres, tornem-se mulheres. Todo ser humano do sexo feminino não é, portanto, necessariamente mulher (…) Ninguém nasce mulher, torna-se mulher.”.
Então, nesse Dia Internacional da Mulher, temos que fazer uma reflexão, nas bases do que defendia Beauvoir. Avançamos? Regredimos? Em alguns aspectos com certeza avançamos, já em outros estamos estagnados. Avançamos por exemplo na aprovação de legislação que protege os direitos trabalhistas da mulher, estagnamos na questão da equiparação salarial. Até hoje mulheres nas mesmas posições e com mesma formação recebem menos que homens. Avançamos na legislação ao aprovar penas duras para os covardes que agridem (física e psicologicamente) as mulheres. Estagnamos ao não trabalharmos junto à sociedade no combate diário ao machismo. Avançamos (há 83 anos) na inserção da mulher na vida política com o reconhecimento do direito delas de votar e serem votadas. Estagnamos ao notar que 83 anos depois temos um Congresso onde as mulheres são menos de 10% em ambas as casas. Mas dentre todas as áreas em que estagnamos talvez a maior delas seja na luta pela mudança social de combate ao machismo, que ainda se faz – infelizmente – presente na maioria das relações sociais, trabalhistas e políticas.
É lamentável, por exemplo, que ainda hoje mulheres sejam veladamente (e às vezes até descaradamente) culpadas por serem violentadas. Muitas das delegacias da mulher ainda não estão suficientemente especializadas no atendimento dessas vítimas e essa luta deve ser constante no sentido de combater o machismo e a violência. A culpa nunca é da vítima! Essa é apenas
uma questão que nos mostra o quanto ainda temos que avançar na questão de gênero e como essa luta deve ser uma luta coletiva de libertação!
Como Beauvoir, eu acredito que as mulheres devam se libertar. Se libertar do que? Devem se libertar tanto daquela ideia de que para serem consideradas iguais devem ser como homens quanto do papel social que lhes foi atribuído pela sociedade masculina. A ousadia é marca da mulher e não podemos jamais tentar podar – enquanto indivíduos e enquanto sociedade – a autenticidade da mulher quando da definição individual de que mulher ela é, do que é ser mulher. O que estamos falando aqui é maior do que meramente igualdade, mas sim de liberdade. Liberdade para se definir enquanto indivíduo, liberdade para viver sua vida da forma que você determinou sem ter que passar por constrangimentos sociais e legais. Liberdade para ser mulher. Não a mulher construção social (mas essa também se esse for o desejo da mulher), mas a mulher, as várias mulheres dentro de uma, as mulheres que compõe a beleza e complexidade de um ser. A liberdade para ser verdadeiramente mulher, pois o papel da mulher na sociedade deve ser aquele que ela escolher.
Mulheres, as dificuldades são diárias e vocês as conhecem bem, mas a democracia não existe sem vocês. O Dia Internacional das Mulheres é uma data importante para que possamos comemorar vitórias alcançadas, mas é principalmente um dia de luta! Um dia para que reflitamos acerca do quão machista nossa sociedade ainda é. Contem comigo nessa luta!
*Matheus Leone é estudante de Ciência Política na Universidade de Brasília