É assim que devemos encarar as últimas manifestações racistas em eventos esportivos no Brasil e no exterior. O racismo e a expressão da injúria racial são manifestações que precisam ser compreendidas em seu contexto histórico, social, psicológico para que sejam devidamente combatidas, assim como para combater um inimigo precisamos sempre conhecê-lo bem, antes de tudo.
Joachim Fest, biógrafo de Hitler, explica, de certa forma, a calorosa receptividade da ideologia nazista pelo povo alemão através da amargura, da inferiorização psicológica pela qual vinha passando aquele povo aos olhos dos outros povos após a vergonhosa derrota na primeira guerra. E a expressão do repúdio pelas diferenças consiste, em geral, nisso: um povo precisa se afirmar superior ao outro, quer porque esteja na condição de dominador, de vitorioso, e então busca afirmar ao dominado, ao vencido, que este dominado é inferior, evitando com isso qualquer atividade de rebeldia, de insubordinação, quer porque esteja, momentaneamente, numa posição pouco privilegiada, e então precisa achar alguém em situação ainda pior para poder se afirmar ou então achar outros fatores irrelevantes, como cor e textura dos cabelos, cor da pele ou outras irrelevâncias, para afirmar um prestígio perdido em algum ponto do passado. Essa é a cabeça do racista. Essa, a diferença racial, é a invenção na qual ele se apóia e que usa de artifício para suas necessidades.
Ao longo da história sempre convivemos com manifestações racistas, pois a história infelizmente nunca foi pautada pela aceitação das diferenças. Os homens sempre quiseram prevalecer uns sobre os outros, ao invés de um aproveitar do outro, do diferente, o que desse outro fosse proveitoso. Na verdade, houve, sim, a transmissão de fatores proveitosos, a transmissão de cultura dos povos dominados para os dominadores, e isso se observa no proveito que os romanos extraíram dos gregos, que os portugueses extraíram dos negros e dos índios, enfim. Mas isso nunca foi explicitamente manifestado pelos dominadores, muito pelo contrário. Quando o europeu branco entrou por terras da África, da Ásia e, mais tardiamente, das Américas, fez questão de afirmar superioridade, entre outras coisas afirmando, por exemplo, que as pessoas mais bonitas têm cabelos louros e olhos claros, características raríssimas em negros e amarelos.
Hoje, após séculos, milênios de verdadeiras trevas na questão racial, começamos a vislumbrar um novo horizonte de aceitação e paz entre as etnias, entre as nações. A delinqüência da não aceitação vai aos poucos tendendo a ser relegada a alguns povos que insistem em permanecer belicistas. Mas é ledo engano pensar que todas as pessoas engrossam esse coral. Muita gente permanece com seus ideais no passado nefasto, não aceitando as novas tendências pacifistas. E a coisa piora ainda mais quando essas pessoas se sentem preteridas, sentem que passam por uma crise econômica, que já não têm o prestígio de antes, ao passo que os antes esquecidos e vilipendiados, como negros, pardos, índios, hoje são mais respeitados. Essas pessoas não aceitam essa maior igualdade de posições, não aceitam ter perdido a majestade, e então passam a dar tais brados odiosos. Andam pelas ruas sem poder berrar aos quatro ventos suas delinqüências, hoje ilegais, resolvendo, então, delinqüir em momentos pontuais, quando seus ofendidos estão mais expostos, na própria “casa” dos ofendidos. Pois para os negros, por exemplo, o esporte e a arte são nada menos que “sua casa”. Quem não suporta negros, a rigor, nem poderia freqüentar quadras e campos de esportes, nem poderia ouvir música. É uma incoerência. Mas a impressão que é passada é de que essas pessoas fazem isso, de fato, intencionalmente. “Cutucam o leão na jaula”, como se diz no jargão popular.
E essas pessoas ainda existem, é fato. Incumbe à sociedade, representada por suas autoridades, reprimir e punir as manifestações inadequadas.
O mundo mudou, senhores. Estamos na era da informação, em que mensagens atravessam oceanos em fração de segundo. Nos dias de hoje, pensamentos anacrônicos vão perdendo fôlego, e muitas pessoas que os acompanhavam sentem-se ultrapassadas e é bem provável que isso aumente ainda mais a sua raiva. Pois essas pessoas insistem em não ver que no fim pertencemos todos à mesma espécie, a espécie humana, que surgiu na África, surgiu negra, e depois foi se diversificando em tons, em cores, em texturas conforme foi se espraiando pelos diferentes climas. Essas pessoas insistem em não ver que não existem cores absolutas, que entre o branco e o negro existem infinitos matizes de cinza, que entre o negro e o amarelo existem infinitos matizes de ocre e que a grande maioria da população mundial pertence a esses matizes intermediários. Essas pessoas insistem em não ver nada disso, pois sabem que se virem isso concluirão pelo completa incoerência, inconsistência de sua teoria. Elas sabem muito bem que não aceitar o que é muito diferente, no fim, é não aceitar, tampouco, o que é um pouquinho diferente, pois não há uma fronteira clara entre a diferença próxima e a diferença distante. Ninguém sabe, exatamente, em que ponto do Norte da África acabam os árabes amulatados e começam os negros arabizados, e é absurdo, mesmo, tentar saber. É por isso que não aceitar as diferenças implica em não aceitar, absolutamente, diferença nenhuma, nem o que está a um reles centímetro de si. O racista, a rigor, é um ser que não aceita absolutamente nada, não aceitando nem mesmo a si próprio. Está de mal com a humanidade, de mal com a vida, de mal consigo mesmo.
O racismo é algo tão inconsistente que é questão de dias a sua extinção. É por si só que ele vai acabar, por sua própria inconsistência, sua própria ilógica. O racismo está com os dias contados. Compete a nós, no entanto, fazer com que esses dias cheguem cada vez mais rápido.
Tenham todas e todos um bom dia!
Dell Santos – Coordenadora de Eventos do Secretariado Municipal de Mulheres PSDB-SP e diretora de Eventos Estadual do Tucanafro PSDB-SP.