Em meio a um mar de fakenews e conselhos a não se seguir, o isolamento social é uma das poucas certezas que temos hoje para conter a pandemia do novo coronavírus e salvar vidas.
Concordando ou não, já é de conhecimento de grande parte da população que a recomendação médica no mundo é a de ficar em casa.
Famílias de todas as partes do globo estão reinventando suas rotinas para se adaptar a novos horários e atividades – ou mesmo para manter velhos horários em novos ambientes.
A casa virou escritório, parquinho, escola, creche, universidade… O próprio Senado , meu ambiente de trabalho, teve de se adaptar para que as votações aconteçam remotamente.
Estamos todos juntos e isolados ao mesmo tempo, buscando caminhos, inclusive econômicos, para se adaptar, se redescobrir e se manter de pé.
Mas para muita gente esses obstáculos vão além de todos esses. É o caso de algumas pessoas com autismo que dependem de uma rotina regrada para simplesmente conseguirem viver o básico.
E nesse Dia Mundial de Conscientização sobre o Autismo , eu não poderia deixar de lembrar desses brasileiros que por muitas décadas foram esquecidos.
Muita gente que está lendo esse texto e pensando que a quarentena para uma pessoa com autismo é o paraíso – já que tendem a achar que o autista gosta de se isolar. Esse é um pensamento superficial que não retrata a profundidade e as peculiaridades desse universo.
A síndrome de Asperger e o autismo foram identificados na Áustria, em 1943-44. No entanto, apenas em 2009 novos estudos demonstraram que a cada 150 crianças nascidas, uma tem autismo.
Trata-se de um distúrbio no desenvolvimento infantil que tem impacto gigantesco na interação social , na comunicação, no aprendizado e na capacidade de adaptação.
Isso não significa que todos os autistas trazem consigo essas características em grau semelhante. Para algumas pessoas com autismo em graus mais leves é provável que a regra de ficar em casa seja levada com mais tranquilidade, mas àqueles cujo grau é severo, a quarentena tem se mostrado um desafio realmente de vida ou morte.
Estamos falando de famílias que por toda a vida viveram de ‘nãos’ e que agora não sabem a quem recorrer para manter os filhos longe do contágio, mas livre de surtos, choros, automutilação, agressão física.
A variação de comportamento dentro do espectro autista é ampla e nem todos os casos se darão dessa forma, mas algumas estereotipias do autismo, como a repetição de gestos – levar a mão ao rosto frequentemente, por exemplo – interferem diretamente nos cuidados que precisam ser tomados para evitar o contágio.
Para ouvir essas famílias e entender as reais dificuldades pelas quais estão passando, o Instituto Mara Gabrilli, por meio do projeto Cadê Você? , está realizando um levantamento para coletar informações e construir junto às famílias algumas soluções simples e economicamente viáveis, para que mães e pais consigam atravessar essa grave crise de saúde sem descumprir o isolamento social.
Você não precisa ter autismo ou ter alguém em sua família com o espectro para participar. Exerça sua empatia e compartilhe com aqueles que você acredita que podem se beneficiar.
Só há cerca de duas décadas, o Brasil teve sua primeira associação para o autismo, o que justifica, até certo ponto, o pouco conhecimento na área.
As faces ocultas que podem ter por trás da beleza de uma criança com autismo ainda são objeto de estudos pelo mundo. Isso porque não há uma linearidade na aquisição cognitiva de um autista.
Uma estética toda harmoniosa não revela o padrão irregular do desenvolvimento, que muitas vezes pode demonstrar altas habilidades e grandes dificuldades. Essa talvez seja a característica mais intrigante nesse universo, que merece todo nosso respeito, apoio e empatia.
O mês de abril deste ano será atípico. Não teremos celebrações pelo mundo conscientizando as pessoas sobre o autismo. Mas podemos, dentro de nossas casas, relembrarmos a data. Podemos encontrar humanidade em meio ao caos, espalhando informação a quem precisa.
(*) Mara Gabrilli – senadora pelo PSDB de São Paulo. Representante do Brasil no Comitê sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência da ONU (Organização das Nações Unidas). É publicitária, psicóloga e fundadora do Instituto Mara Gabrilli. Já foi secretária municipal da capital paulista, vereadora da cidade de São Paulo e deputada federal por dois mandatos.
Artigo publicado originalmente pelo portal IG, em 02 de abril de 2020