Artigo da economista Elena Landau publicado na edição de quarta-feira (2) da Folha de S. Paulo
Por que um governo decide privatizar suas empresas e vender ativos? Geralmente, porque enfrenta restrições fiscais ou precisa impor eficiência e competitividade aos serviços prestados e bens produzidos.
Não há, como regra, uma opção ideológica. Por isso, não só Lula continuou o processo da gestão anterior, como Dilma o ampliou. Mas, para ficar bem com os eleitores, abusa equivocadamente da ideia de que concessão é diferente de privatização.
Não é. Pelo artigo 175 da Constituição, concessão é a forma obrigatória de privatizar serviços públicos. E assim foi feito no governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) para os serviços de distribuição de energia, ferrovias, rodovias e grande parte da telefonia.
A diferença entre os dois governos não é semântica. Ela aparece na qualidade do processo de venda de ativos ou concessões de cada um.
FHC seguia uma lei que continha objetivos, normas e regras a serem obedecidos, inclusive o método de cálculo do preço do ativo. Setores a serem privatizados e suas empresas eram incluídas no PND (Programa Nacional de Desestatização) por meio de decreto presidencial.
A partir daí iniciava-se um processo longo e transparente. Consultores eram contratados para definir um desenho regulatório e operacional, a partir do qual duas consultorias calculavam o preço mínimo dos ativos. Caso houvesse discrepância entre os valores, uma terceira firma era chamada para refazer a conta.
Audiências públicas eram realizadas e editais publicados nos grandes jornais –qualquer modificação em seus termos exigia não só o adiamento do leilão, para que novos interessados pudessem ter tempo para avaliar a mudança, como publicação da própria mudança na forma de fato relevante.
Por isso, o PND de Fernando Henrique foi o sucesso que foi, recolhendo aos cofres públicos R$ 100 bilhões, que ajudaram na estabilização da economia. As empresas privatizadas geraram lucros impressionantes –mesmo aquelas consideradas eficientes, como a Vale–, contribuindo para a União com dividendos e impostos. E mais: CPIs foram criadas sem que se gerasse uma denúncia sequer e todos os processos foram aprovados pelo Tribunal de Contas da União (TCU).
Não se pode dizer o mesmo das privatizações do atual governo. Hoje assistimos a uma sucessão de fracassos: leilões realizados com mais de um ano de atraso, operadores de qualidade duvidosa, presença crescente do BNDES e do Tesouro para viabilizar a venda, projetos inúteis e inviáveis, como o TAV (trem de alta velocidade), processos paralisados pelo TCU por falta de base legal, como o das ferrovias e aeroportos, e por aí vai.
Mas o mais grave é a falta de planejamento ou capacidade para executar qualquer plano, que seja PAC1, PAC2 ou PIL. As letras mudam, mas a incompetência é a mesma. Qual é o plano de logística deste governo? Por que, por quem e como são definidas prioridades? Quem decide o preço, ou a taxa de retorno, ou a forma de financiamento?
É um processo desorganizado e casuístico. Muda ao sabor dos investidores. A taxa de 5,5% não agrada, então mudemos para 7,2%. A participação do BNDES está baixa? Então vamos aumentar. Taxa de juros está alta? Abaixemos. E assim vamos, com o Tesouro gastando mais do que arrecadando, com as estatais atrasando a vida do setor privado e o governo caçando investidor. Tudo decidido a portas fechadas.
É o processo mais sujeito a lobbies que já se viu. Sem critério. Sem audiência pública. Sem fato relevante. Nas palavras na ministra-chefe da Casa Civil: “Temos que lançar os editais no mercado, saber a reação e sentir se serão exequíveis ou não nesse modelo”. Só que o investidor sabe jogar o jogo melhor que o governo: ele não pisca primeiro.
Está na hora de parar de apontar o dedo e fazer uma autocrítica.