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“Adianta reservar vagas para mulheres no Legislativo?”, por Débora Costa Ferreira

Foto: Acervo pessoal
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O feminismo e todo o debate sobre igualdade de gêneros no Brasil vêm ocupando o centro das discussões na arena pública de tal modo a propiciar a apresentação e tramitação da Proposta de Emenda à Constituição nº 98/2015, a qual reserva um percentual mínimo de cadeiras nas representações legislativas em todos os níveis federativos. Trata-se de questão delicada que merece reflexões cuidadosas.

Nesse contexto, é pertinente resgatar o diferenciado enfoque dado por Jürgen Habermas1 a essa questão, sob o filtro da sua teoria discursiva. Para esse autor, o estabelecimento do rol de direitos fundamentais de uma sociedade deve ser feito por meio de um ambiente dialógico no qual argumentos racionais possam ser apresentados e debatidos por cidadãos livres e iguais, fazendo com que a autonomia privada se compatibilize com a pública por meio da possibilidade de participação no processo democrático e da aceitabilidade dessas decisões por todos os destinatários.

Inicialmente, o movimento feminista clássico reivindicava uma maior inserção da mulher nos sistemas de ação social (por meio da busca da igualdade de oportunidades de educação e trabalho), um maior apoio na superação de desigualdades naturais e sociais (amenização da dupla jornada com o oferecimento de creches para os filhos, direitos penitenciários diferenciados às mães, licença maternidade) e liberdades subjetivas (liberdade de reprodução, de pornografia, de prostituição, de atividade homossexual). Nesse contexto, o Estado liberal procurava apaziguar a situação, eliminando entraves formais ao livre acesso das mulheres nos diferentes âmbitos sociais, enquanto o Estado Social, com a retórica de uma justiça distributiva, positivava e regulamentava direitos formais aptos a conferir maior autodeterminação da vida privada das mulheres2.

Tais estratégias são utilizadas até hoje por governos democráticos para acalmar os ânimos dos movimentos feministas por meio da satisfação das suas demandas. Apesar do sentimento progressista que essas soluções possam proporcionar, elas acabam por manter as destinatárias da regulamentação alheias a esse processo de produção legislativa, já que consiste em um mero favor paternalista da classe política, segundo o teórico. Além disso, essas medidas agravam a discrepância entre igualdade de direito e de fato e estabelecem uma política de “discriminação através de favorecimento”3, dividindo a sociedade entre favorecidos (homens) e desfavorecidos (mulheres). Habermas também alegava que esse tipo de legislação apenas favorecia a categorias restritas de mulheres às custas das outras, em face das generalizações contidas nos discursos feministas e pelo fato dessas vanguardas não deterem o monopólio dos pontos de vista de todas as mulheres.

Com tais argumentos o autor não pretende negar a importância da implementação de vários desses direitos e a essencialidade dos movimentos feministas na luta pela defesa de mulheres que não possuem voz, mas apenas questiona a efetividade de leis supostamente equiparadoras feitas no interior de uma cultura definida e dominada pelos homens, uma vez que essa está impregnada de estereótipos acerca da identidade de sexos, tomados como algo dado4.Nesse caminho, o feminismo atualmente tem focado seus esforços na refutação e reconstrução de tais construções sociais e no incentivo da participação das próprias afetadas no discurso público5.

Isso porque nenhuma regulamentação heterônoma, por mais sensível às questões de gênero que possa ser, é capaz de alcançar o escopo e a legitimidade conquistados por um processo legislativo permeado pela efetiva participação das mulheres de diferentes origens, hábeis a esclarecer os aspectos relevantes para uma posição de igualdade. Assim sendo, mecanismos institucionais e legais que incentivem a participação das mulheres na política são iniciativas louváveis e que propiciam o aprimoramento do Estado democrático de Direito, se implementados adequadamente.

Com esse objetivo, uma série de normas foram promulgadas no decorrer dos últimos anos estabelecendo cotas para acesso de mulheres aos diferentes espectros da participação política. Em 1995, a Lei nº 9.100/95 estabeleceu um percentual mínimo de 20% para ocupação de mulheres nas campanhas municipais (art. 11, §3o), enquanto que, em 2009, a Lei nº 12.034/2009 (art. 10, §3o), alterando a Lei nº 9.504/97, passou a prever a participação mínima de 30% e máxima de 70% para cada gênero para as candidaturas no sistema proporcional em todas as esferas federativas. Já em 2010, com a Lei nº 13.165/2015 determinou-se que fosse destinado 10% do tempo de propaganda, nos programas e inserções, para as mulheres (art. 45, IV, da Lei nº 9.096/95) e 5% do fundo partidário para a criação e manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres (art. 44, V, da Lei nº 9.096/95).

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