Opinião

“O Brasil entre parênteses”, por José Aníbal

Foto: PSDB na Câmara

jose anibal foto PSDB na Camara* Artigo publicado na Revista Interesse Nacional, Ano 9 – número 33 – Abril-Junho 2016

A chegada de 2016 instiga a refletir sobre a trajetória de continuidade da política econômica do segundo governo da presidente Dilma (2015 – 2018). Estaria mais para uma espécie de governo “à la” E. Dutra (1946 – 1951), que antecederia uma nova volta de Lula (como no caso de G. Vargas nas eleições de 1950); ou de segundo mandato do governo FHC (1999 – 2002), que mudou o curso original da política econômica do Plano Real 1 (1994 – 1998) e perdeu a eleição presidencial seguinte (2002) para a oposição; ou, ainda, de governos eleitos, mas que não concluíram seus mandatos (G. Vargas em 1954, J. Quadros em 1961 e J. Goulart em 1964)?

O programa fundador do PSDB (25-06-1988) começa com uma frase de Franco Montoro: “Longe das benesses oficiais, mas perto do pulsar das ruas, nasce o novo partido”. Uma estimulante apresentação do que vem a seguir sobre as razões que motivaram a fundação do partido e, mais importante, as “Diretrizes Básicas” que norteariam sua ação.

Um ano após a fundação do partido, nas eleições presidenciais de 1989, o senador Mário Covas foi candidato com um programa em que se destacava o propósito de promover um “choque de capitalismo” para o Brasil sair da modorrenta, persistente e grave crise da economia – a década perdida. Foi o início de uma caminhada que, apenas cinco anos depois, produziu o Plano Real, a eleição de Fernando Henrique Cardoso para presidente da República e a estabilização da economia brasileira.

Embora o parágrafo transcrito a seguir tenha quase 30 anos, é significativo reproduzi-lo: “Hoje o Brasil vive entre parênteses. A economia permanece estagnada, os salários achatados, a questão da dívida externa sem solução, a inflação no limiar do descontrole. O desgoverno exacerba pressões corporativistas, comprometendo ainda mais a eficiência e as finanças do setor público e fazendo o peso maior da crise recair precisamente sobre as camadas mais indefesas da população. A troca de favores virou moeda corrente na política e a corrupção, sem os tapumes do autoritarismo, se exibe aos olhos e ouvidos da Nação enojada, desmoralizando os poderes públicos e lançando descrédito sobre a atividade política em geral”.

Desde então o Brasil evoluiu em todas as frentes, mas hoje, infelizmente, vivemos um processo que tem muito a ver com os anos 1980, a década perdida. Estamos diante de uma nova regressão. A nação está novamente “entre parênteses”. Mas, cabe àqueles que procuram ter clareza sobre o futuro que o País almeja reencontrar e recuperar aquele espírito de refundação do Brasil, de busca de novos patamares de desenvolvimento econômico, político e social. Não dá para dizer, como disse Drummond por Sancho Pança (caído no chão ao final da aventura de D. Quixote, retratado por Portinari) “de que valeu o tudo desse nada?”. Valeu muito.

Democracia, valor fundamental

Nos oito anos de FHC, o Brasil recuperou credibilidade, saneou as contas de estados e municípios, recuperou condições de realizar políticas públicas eficientes, com definitiva implantação e universalização do SUS e avanços notáveis na educação. Na área social, consolidou a Loas (Lei Orgânica de Assistência Social) e implantou o Bolsa Escola, Bolsa Alimentação, o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil e o Vale-Gás, beneficiando mais de 5 milhões de famílias.

Aqui vale lembrar que, pela melhoria dos indicadores na área social, o presidente Fernando Henrique foi o primeiro vencedor do prêmio “Mahbub ul Haq”, concedido em dezembro de 2002 pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, a chefes de Estado que tenham tido êxito no tratamento das questões sociais. A ONU destacou na época que, entre os avanços obtidos pelo Brasil, estavam a queda no índice de desemprego e na mortalidade infantil, a matrícula de quase 100% das crianças na escola, o assentamento de 600 mil famílias em áreas da reforma agrária e a redução das mortes por Aids, entre outros.

Importante lembrar que foi também durante o governo do PSDB que se instituiu a moderna legislação de crimes ambientais e o sistema nacional de unidades de conservação da natureza.

Reformas foram realizadas, como a patrimonial, que tantos acessos e benefícios propiciou à população, outras reformas foram iniciadas, e agências reguladoras foram criadas. No entanto, iniciativas e desejos de avançar em reformas essenciais – política, tributária, sindical, previdenciária – foram adiadas, na segunda metade do primeiro mandato de FHC, por falta de sustentação política, principalmente por uma base de apoio político-parlamentar em que era expressiva – e, dependendo da pauta, majoritária – a presença conservadora, populista e corporativista.

O PSDB viveu um momento de passagem para assumir os desafios da hora. Esse momento, porém, ficou inconcluso, seja premido pelas circunstâncias eleitorais, seja por escassez de conceituação e compromisso com o que representa a social-democracia contemporânea. Como está dito nas Diretrizes, para o PSDB, a democracia é um valor fundamental. Ela garante a liberdade dos cidadãos e das organizações para empreender e, ao mesmo tempo, defende uma forte presença do Estado na regulação e na prestação dos serviços públicos. Faltou convicção na agenda. O País, injusto, não podia prescindir do aprofundamento das mudanças para romper com as desigualdades e ingressar num ciclo verdadeiramente virtuoso de crescimento e de combate ao atraso e à pobreza, baseado na abertura da economia e na reforma do Estado, na competitividade, na qualificação, na inovação, no enfrentamento aos corporativismos que infestam e saqueiam o Estado, na ruptura da promiscuidade entre o público e o privado, na transparência e no combate à corrupção, na realização de políticas sociais eficientes e emancipadoras.

O ano 2000 foi de crescimento da economia, indicando a possiblidade de ingresso num período de desenvolvimento sustentado. Mas, foi seguido do outono de 2001: a crise na energia, a quebra da Argentina, as torres gêmeas e, ao final, as inquietudes despertadas pela possiblidade de vitória do PT nas eleições de 2002. Nestas, além da vitória do PT, o PSDB começou a viver um período de desencontro com sua curta, mas exitosa e revolucionária, passagem pelo poder – estabilização, fim da inflação, novos fundamentos para a economia, responsabilidade fiscal, melhoria da renda e dos serviços públicos, programas eficientes quanto a resultados e credibilidade.

Herança bendita

Com essa herança bendita e o conveniente e pragmático abandono das fantasias petistas – que levaram Lula a dizer que ainda bem que não haviam ganhado eleições antes –, o PT se beneficiou e surfou alegremente no forte crescimento da demanda e dos preços das commodities. Mesmo nos programas sociais, o PT se beneficiou da herança bendita: após o fracasso do Fome Zero, resgataram os programas sociais de FHC/Ruth Cardoso para criar o Bolsa Família.

Necessário registrar que, para o conjunto dos feitos do governo PSDB, foi fundamental a extraordinária gestão de saneamento financeiro e recuperação dos investimentos realizada por Mário Covas em São Paulo.

Depois da irresponsável qualificação de “marolinha” feita por Lula para o tsunami mundial de 2008, a gestão petista foi tomada pela arrogância que definitivamente fez crescer suas viseiras ideológicas e acentuar o desperdício de oportunidades para estruturar melhor a economia e, especialmente, realizar obra inadiável para dotar o País da infraestrutura, do saneamento e dos serviços necessários ao crescimento da economia. O governo Lula também se tornou mais retrógrado, conservador e avesso às reformas urgentes, já mencionadas.

Na política, depois do mensalão, já estava em curso, com a chancela do pré-sal, a obra maestra do lulopetismo: o “Petrolão”. O PSDB e as oposições foram incansáveis nas denúncias dos malfeitos, mas sem argumentos e discurso prático – talvez improvável – capazes de sensibilizar o Parlamento, diante de um governo que operava com êxito e aprovava medidas provisórias aos magotes.

Também faltaram às oposições os necessários canais de comunicação com a sociedade. O crescimento econômico, ainda que os prenúncios da crise já estivessem presentes, encarregava-se de carimbar o êxito momentâneo da gestão petista.

Sem conseguir recuperar nossa narrativa e com a euforia da população embalada pela crença de que realmente passara incólume pela crise mundial, Lula iniciou sua curta e trágica caminhada de eleição de postes. “Dilma 1” foi o primeiro. Logo, o custo do poste se patenteou. A ruína da gestão petista teve seu momento de êxtase na ação deliberada e aloprada de Dilma, em 2012, que devastou o setor de energia através de uma Medida Provisória! Desde o início, o PSDB foi ativo na denúncia da insensatez cometida, apesar dos aplausos de setores empresariais e da satisfação presumida da população pela redução da conta de luz – que logo depois pagou cinco vezes mais caro o desconto recebido.

Vieram as manifestações de junho de 2013. Surpresa geral. A oposição tentou incorporar à sua ação a insatisfação dos manifestantes, na maioria jovens. Eles estavam deixando claro que, com aquela realidade, não vislumbravam um futuro animador, de oportunidades. O governo fez que viu, fez de conta que entendeu, mas não agiu. Natural. Já estava em curso a “construção” do estelionato eleitoral nas eleições do ano seguinte. O prato seria requentado e reembalado de forma a demonizar a oposição e qualquer debate sério, consequente, sobre o que fazer na crise que se aprofundava.

Operação Lava Jato

PSDB se revitalizou, se organizou e se preparou para enfrentar o embate eleitoral de 2014. Reafirmou sua unidade com Aécio Neves e recuperou amplamente o espírito das Diretrizes Básicas, atualizando o seu ideário social-democrata. Construímos uma alternativa ao lulopetismo e alcançamos os corações e mentes de quase metade dos eleitores do Brasil. A maioria esteve próxima de se emancipar do estelionato, do fracasso da Nova Matriz Econômica e do seu nefasto e corrupto modelo de arranjo político, ambos responsáveis pela maior crise de nossa história contemporânea. O custo para o Brasil e para os brasileiros do calvário do governo “Dilma 2” é incomensurável. Para quê? Para não termos dois dos quatro presidentes eleitos após a democratização impedidos?

O que já foi revelado pela Operação Lava Jato é suficiente para não manter Dilma se arrastando e o País sangrando. As instituições, umas mais outras menos, estão funcionando. Nada será feito fora das regras do jogo democrático. O País nada mais tem a perder com o impedimento de Dilma, salvo se optarmos por comprometer totalmente nosso futuro. A crise que Dilma encarna só tem solução com sua remoção. O PT fracassou. De esperança passou a ser um pesadelo para o Brasil.

O PSDB está preparado para servir ao País, participando da organização de um inovador, transparente e comprometido arranjo político com a sociedade, que recrie a esperança, a credibilidade e a confiança no retorno do crescimento econômico e social.

* José Aníbal é economista, presidente nacional do Instituto Teotônio Vilela (ITV) – centro de estudos e formação do PSDB – e senador suplente pelo PSDB-SP. Foi deputado federal e presidente nacional do PSDB.