Opinião

“A carta-testamento”, análise do ITV

"lista de problemas reais e dificuldades enfrentadas cotidianamente pelos cidadãos é extensa o suficiente para demonstrar que o governo petista está completamente fora de órbita"

A carta de Michel Temer divulgada ontem escancara as bases em que a coalizão de poder foi montada em torno de Dilma Rousseff. Não há coesão, coerência ou qualquer rumo estratégico pensado para o país. Há, apenas, um condomínio formado para ocupar o Estado e repartir nacos entre os comensais. Em colapso, ele não tem razão alguma de continuar existindo.

Não há outra interpretação possível sobre os termos de uma carta tão dura, numa hora tão delicada, assinada por alguém tão habitualmente sereno e discreto. Há um rompimento iminente entre o vice-presidente, o partido dele e Dilma. O documento serve como testamento a um governo moribundo. O desembarque já começou.

Se o impeachment não acontecer, ficará tóxica a convivência entre Dilma e Temer, entre a presidente da República e seu sucessor. Como governar assim? A carta torna evidente que o vice não se sente respeitado nem representado no governo. Ministros do partido que ele preside não são reconhecidos por ele. Dos que eram, o primeiro, Eliseu Padilha, já zarpou. A saídas de outros dois pode ser questão de tempo, pouco tempo.

É o próprio vice-presidente que explicita na carta que, entre a própria equipe de poder, o clima é de desconfiança. A mesma, aliás, que a população nutre em relação a Dilma e seu governo, alvo de amplo descrédito por parte de dois de cada três brasileiros.

Diante desta desagregação, cabe perguntar: por que dar suporte a um governo assim organizado? Como apoiar projetos e propostas de uma coalizão que sequer se entende entre si mesma? Por que prolongar uma agonia como esta? Com a carta de Temer, fica claro que nem parte importante do próprio governo hipoteca apoio a Dilma Rousseff.

Nos últimos meses, a oposição foi cobrada por votar contra projetos do governo e por, supostamente, “não apontar caminhos para o país”. A explicação sempre foi evidente, mas muitas vezes sublimada pelos formadores de opinião: o mandato que restou das urnas para a oposição foi o de opor-se – perdoe a tautologia – ao governo e não o de apoiá-lo. Apenas no que interessava ao país, votar a favor.

Fica cada dia mais evidente que razão alguma teve a oposição para colaborar com a gestão petista. Foram meses em que se esperou que, diante da gravidade da crise, a presidente e seu partido reconhecessem as dificuldades, os erros e passassem a propor reformas de verdade, para repor o país no rumo. Mas ao Congresso só chegaram remendos, esparadrapos administrativos, arrochos mal ajambrados.

Quando Michel Temer expõe as suscetibilidades de suas relações com Dilma e, com isso, as entranhas do poder, resta claríssimo que este não é um projeto de país que tenha motivos para prosperar. Este não é um governo pelo qual o Brasil tenha que se sacrificar. Esta não é uma presidente que mereça continuar no cargo mais importante da República.