Pesquisa do IBGE revela que mulheres com filhos até três anos estão mais desempregadas do que aquelas sem filhos. Especialistas e mães revelam cenário preconceituoso
“Fui eliminada de uma seleção após o recrutador notar meu colar com três pingentes de crianças”, essa é a declaração de Ana Paula Ferraz, executiva de carreiras da MamaJobs. Como se não bastasse, ele ainda perguntou à especialista em gestão de pessoas com quem as crianças ficariam caso ela ficasse doente. A chegada de um filho é um momento precioso, mesmo assim esse período pode se tornar um fardo na vida profissional das mulheres que se tornam ou já são mães.
Segundo o estudo Estatísticas de Gênero, divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em março deste ano, apenas 54,6% das mães de 25 a 49 anos que têm crianças de até três anos em casa estão empregadas. A maternidade negra, nesta mesma situação, representa uma taxa ainda menor: menos da metade está no mercado de trabalho (49,7%).
“É uma questão de cultura. Acredita-se muito que os filhos precisam da mãe nesta primeira infância e que apenas ela é responsável pelo cuidado deles. Além disso, é comum pensar que as profissionais não entregarão o desempenho esperado quanto às demandas”, pontua Ana Paula Ferraz.
Mas, isso tudo por que uma mulher se tornou mãe? Um processo natural da vida? A mestre em psicologia social e organizacional do trabalho e consultora estratégica de gestão de pessoas Viviane da Mata explica que a forma de pensar de algumas empresas, focadas apenas no resultado, faz com que elas só se preocupem em contratar alguém para “solucionar o problema delas”. Assim, recrutadores entendem que pessoas podem apresentar riscos de se ausentar ou oferecer menos entregas para a empresa, mas são elas que são inadequadas para o trabalho.
Por esse motivo, mães são submetidas a questionamentos desconfortáveis e até mesmo antiéticos sobre sua vida pessoal durante entrevistas de emprego. Vários são os motivos, e recrutadores têm uma espécie de “viés-inconsciente”, segundo Ana Paula. Para desconstruí-lo seria necessário quebrar muitas barreiras, a do machismo, por exemplo, é uma delas.
Viviane da Mata lembra de um episódio que viveu quando era recrutadora de uma empresa de bebidas há 23 anos e buscava um atendente comercial que trabalhasse no Tocantins, Goiás e Distrito Federal. Ela afirma que o gestor da vaga sempre perguntava às candidatas se elas eram casadas e mães e, após uma rodada de entrevistas, não aceitou a indicação da recrutadora de empregar uma mulher.
“Nenhum homem era melhor que ela, e no fim das contas ele se convenceu, mas me fez assinar uma carta declarando que se a candidata não apresentasse um bom desempenho a culpa era minha”, conta.
Após três meses, a candidata que Viviane escolheu ganhou um prêmio de melhor vendedora. “A mentalidade do recrutador deve estar mais na pessoa e no que ela pode oferecer na vaga. Se a mãe for a melhor, não deve ser outro alguém a ser contratado. Mulheres podem trazer mais entrega, trabalhar seis horas e entregar mais do que alguém que trabalhou 12 horas”, pontua.
Homens com filhos pequenos estão mais empregados (89,2%), do que aqueles que não têm filhos (83,4%). Para especialistas, o índice é explicado pelo preconceito criado por uma cultura machista, que permeia a sociedade e o mercado de trabalho. O pensamento intrínseco que está em cada um é aquele de que o cuidado parental deve ser feito apenas pelas mães, sobretudo nos primeiros anos dos filhos.
Carreira interrompida
Além da inserção no mercado de trabalho, empresas ainda enxergam a maternidade como um risco a pessoas que já estão empregadas e àquelas com carreiras consolidadas.
“Cobranças existem em qualquer idade e tempo, mas quando se assume cargos mais executivos ou de gestão, as empresas começam a colocar mais limites em relação à vida pessoal, justamente por achar que não conseguirão lidar”, revela Viviane da Mata.
Por esse motivo, mulheres optam por adiar os planos de ter filhos ou até mesmo desistir deles. Ana Paula Ferraz conta que uma das clientes que ofereceu consultoria abriu mão da maternidade para não correr o risco de perder oportunidades na carreira e agora, após 20 anos em uma empresa e com idade avançada, foi demitida. “Agora ela não tem trabalho e filhos”.
No entanto, há profissionais que contribuíram com empresas por anos e a maternidade se tornou um processo natural após a consolidação da carreira. Mesmo com o trabalho árduo, muitas vezes a resposta das organizações são baseadas em falta de empatia e flexibilidade.
É o caso de Thiessa Almeida, 33 anos, mãe da bebê Alice e especialista em gestão estratégica de negócios. A mineira, que mora em Campinas (SP), foi demitida do cargo de gerente geral comercial no banco em que trabalhava há 15 anos, após dois meses de retorno da licença maternidade, em março deste ano.
“Eu não esperava mesmo ser desligada, até porque a empresa tinha toda uma política de avaliação do funcionário e ela era a base para demissão. Em todos os 15 anos eu dei muito resultado”, lembra Thiessa. “Quantas vezes eu deixei minha família para trabalhar. Como gestora, um cargo de confiança, sempre fazia mais horas que o estabelecido em contrato, muitas vezes nem almoçava direito”, conta.
Antes da demissão, Thiessa conta que vivenciou dilemas de mães que não encontram ambientes favoráveis para trabalharem e viverem a maternidade. “Durante os dois meses de retorno, fui enviada para outras cidades, quatro agências diferentes, para cobrir férias ou auxiliar funcionários, enquanto meu gestor falava que não tinha agência para mim”, afirma.
Ela sofreu com a distância que percorria e pensava em emergências com a filha e quanto tempo demoraria para chegar até ela. Além disso, as mudanças de agência não a permitia criar hábitos, como a rotina de recolher o leite materno e armazená-lo corretamente. “Meu gestor sabia que eu estava com um bebê em casa e me fez esse pedido de trabalhar em outras regiões. Foi muito difícil, mas ainda assim dei resultado e foi em vão. Faltou muita empatia e foi até desumano”, desabafa.
O gestor justificou que era uma questão de “reestruturação interna”, mas Thiessa afirma que não pode deixar de relacionar a demissão com o fato de ter se tornado mãe. Ela afirma que, ao retornar ao trabalho, percebeu que uma troca de gestão mudou a cultura da empresa e isso propiciou o desligamento dela: “essa não é a empresa que eu trabalhei desde os 18 anos. Quando entrei, recebi uma fita cassete com um vídeo falando ‘agora você faz parte da família’, então a empresa era muito de pessoas, mas mudou”.
Desabafo compartilhado
Em um momento de raiva e frustração, ela compartilhou o ocorrido em um post na plataforma de matching profissional Linkedin, em um desabafo sincero sobre entregas e desvalorização da profissional que foi para o banco. O relato rendeu 1 milhão e 328 mil visualizações e mais de 3,4 mil comentários, entre eles, muitas mulheres compartilhando histórias parecidas em diferentes empresas.
Thiessa afirma que não esperava tamanha repercussão mas que está feliz em propiciar a reflexão sobre o tema, além de impedir que casos parecidos ocorram novamente. “Eu sei que estou incomodando eles, então, antes de mandarem outra mãe recente embora, vão pensar ‘poxa, e se ela postar também?’, querendo ou não, estou ajudando minhas colegas que estão lá ainda”, afirma.
A gestora também acredita que o cenário desfavorável a mulheres também mudaria com a implementação de políticas públicas, principalmente as que tratam de licença-paternidade. Ela diz que se os homens também dispusessem de um mesmo período, a demissão de mulheres por ficarem fora da linha de produção por seis meses não ocorreria mais. “Além de que o pai também tem responsabilidade e deve dividir a paternidade com a mãe”.
Atualmente, ela está em busca de novas oportunidades na modalidade home office, para estar perto da filha, que tem nove meses. “O que importa de verdade? Minha filha. Por isso, vou tentar encontrar uma empresa que seja empática e valorize a profissional que sou sem impedir a maternidade”, declara.
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Mães no mercado de trabalho: motivação e sensibilidade
Ser responsável pelos cuidados domésticos não é tarefa fácil, ainda mais quando é preciso conciliar com a carreira. Ainda assim, cerca de 85% das mulheres vivenciam jornada de trabalho dupla no país, com a realização de atividades domésticas e cuidados com os filhos. E como se já não bastasse a dificuldade propriamente dita, muitas delas ainda precisam enfrentar o preconceito no ambiente corporativo.
Uma pesquisa realizada pelo LinkedIn em fevereiro deste ano revelou que 44% das mulheres nunca pediu aumento ou negociou uma promoção, mesmo tendo certeza do seu merecimento. Isso tem relação com a estrutura social machista que vivemos, na qual as mulheres são perguntadas se têm filhos ou têm vontade de ter nos processos seletivos, são subestimadas e recebem maus olhados durante a gravidez e são demitidas sem justa causa logo após a conclusão da licença maternidade.
E quem foi que disse que a maternidade limita as mulheres? Muito pelo contrário, para muitas ter filhos é uma motivação a mais para ser uma excelente profissional. Existem, inclusive, estudos que comprovam ainda que as mães desenvolvem habilidades e têm mais sensibilidade para lidar com as pessoas no trabalho.
Com informações do Correio Braziliense